Acredite, sou negro e catarinense

    tumblr_meirrw17h91qin99zo1_500Por Felipe Cardoso.

    Como é bom morar em um estado que é comparado com a Europa, que tem clima europeu, que tem muitas influências da cultura de lá. Sim, é bom viver em Santa Catarina. Um estado que valoriza sua cultura, que mantém viva suas tradições.

    Como é bom se sentir um pouco alemão, um pouco italiano, português, africano… Africano? Como assim? África não fica na Europa! Pois é, mas existem negros por aqui. Só que muita gente já se esqueceu ou já se acostumou com tamanha invisibilidade. E não só pelo fato da quantidade de negros no estado ser pequena, mas sim pela mídia insistir em não apresentar o negro como parte deste estado.

    O erro já começa em muitos catarinenses acharem e até afirmarem que por esses lados não existiu escravidão, que por aqui o negro chegou a pouco tempo.

    Por falar nisso fica aqui minha indagação: como andam os estudos sobre o estado nas salas de aulas, o que os professores ensinam sobre sua colonização? O que é passado para nossas crianças e jovens sobre a história de Santa Catarina e em que parte o negro entra nessa história? (Se é que entra).

    Outro erro que vejo é o estado celebrar festas típicas de origem germânica, italiana, açoriana, que ganham proporções nacionais e até internacionais. Orgulham-se disso e fazem questão de deixar claro que as tradições por aqui são preservadas por pessoas de pele clara, cabelo liso e olho azul, que muitas vezes falam até na língua estrangeira, para deixar claro que por aqui é assim que funciona, é assim que se vive. O erro não está na comemoração em si, não está em sentir orgulho da sua história, da sua cultura. O erro está em estereotipar o estado para o mundo,excluindo a presença de índios e negros que também vivem aqui e que ajudaram e ajudam a construir a história de Santa Catarina.

    Bom, você deve estar pensando: “tá, mas e daí? O que isso interfere?”

    Interfere que é passado para quem não mora aqui a ideia de que no estado catarinense  não existam pessoas de cor, fora do “padrão catarinense de qualidade”. Faz com que pessoas negras que venham de fora se admirarem quando você (também negro) diz que nasceu e foi criado aqui, junto com sua família e mais um monte de negros. Dá a entender que por aqui negro não exista e nem tenha espaço e faz também com que o negro que mora aqui se sinta de alguma forma rebaixado, fora do padrão, sentindo-se no lugar errado.

    Sim, de um modo sútil e sem muito alarde eu vos digo, isso é racismo. Vivemos em um estado racista.

    Não acredita? Dia desses lendo alguns comentários no Facebook sobre racismo, encontrei e me identifiquei com o comentário da Fran Vasconcelos, na qual ela define racismo:

    “O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma ‘raça’ se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários”

    E o que acontece em Santa Catarina?

    Muitos não ficarão surpresos e nem darão bola para o que aqui escrevo, pois já estão até cansados desse papo. Mas para outros esse debate é importante sim. Para os negros é muito importante a luta pelo espaço e não temos nem devemos nos cansar desse assunto. Também somos catarinenses, vivemos aqui, ajudamos a cada dia no crescimento do estado, temos a nossa cultura, as nossas festividades que vão além do dia da abolição e da semana da consciência negra. Nossa história não é representada em um dia, nem em uma semana. Nossa história é representada sempre, junto com a luta pela igualdade.

    Sim, sou negro, joinvilense, nascido e criado aqui. Tenho orgulho da minha cor, da minha cidade e do meu estado, mesmo sabendo que com os dois últimos não é recíproco.

    Fonte: Chuva Ácida.

    5 COMENTÁRIOS

    1. Cara, sou negra e nordestina. Recebi o convite de meu irmão que também é negro, para viajar para Floripa.
      Vi imagens lindas do lugar e resolvi pesquisar em relação ao racismo. Tenho muito medo de ir, mesmo sendo pra visitar.
      Você aconselharia ? Acha que é tão escancarado assim ao ponto de eu sair daí me sentindo mal ?

    2. Sou negro, professor quase aposentado e pensava em me mudar para Florianópolis….de jeito nenhum mais….lugar com acentuado grau de pessoas com esse tipo de pensamento, é pedir para sofrer morar aí….lamentável e vergonhoso para esses que se comportam assim!!! Não para todos!!!

    3. Até quando o racismo estará em nossa sociedade? Corroendo o que deveria ser categórico no agir humano, o amor…

    4. Eu pesquesei bastante sobre o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. São os estados mais bonitos do Brasil, mas uma coisa que têm nesses 3 estados, uma coisa ruim, é o racismo! Eles precisam muito saber que isso já deveria ter acabado, eles precisam saber que são brasileiros agora. Existe alguns idosos, que provavelmente, são muito alemães, pelo fato de estarem vivos na época de Hitler, e outros foram criados por alemães racistas. Mas isso já era, já passou, e eles nuam com esse preconceito. Não sei muito bem se na alemanha continuam com racismo, mas RS faz parte do Brasil. Seria um estado melhor se pararem com preconceito. Não faço ideia de quando isso foi postado, mas achei bom falar tudo isso. Sou branco, não muito branco igual os catarinenses, mas tenho vários amigos negros, sem nenhum preconceito.

    5. Bacana o seu texto! a gente se espanta mesmo ao ver negros aqui, por exemplo, na universidade em que estudei, em Blumenau, tive dois professores negros: um cubano e outro angolano. E os estudantes negros são, em sua maioria, de intercâmbio. Esperamos que o retrato se modifique logo!

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