Por Bruno Beaklini (@estanalise) – artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio
Está tramitando no Congresso Nacional brasileiro, mais especificamente na Câmara dos Deputados, através da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), um “Acordo de Cooperação” em temas de defesa entre Brasil e os Estados Unidos. A Mensagem (MSC) de número 371, datada do ano de 2019, não por acaso foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na fatídica data de 31 de março (a véspera do golpe de 1º de abril de 1964, patrocinado pelo maior apoiador de Israel, os EUA, através da Operação Brother Sam). O texto original da proposta, de acordo com o Apartheid Israelense afirma, em seu item 2, que:
“O Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Estado de Israel sobre Cooperação em Questões Relacionadas à Defesa buscará promover a cooperação mútua em assuntos relativos à Defesa, com ênfase no intercâmbio de tecnologias, treinamento e educação em questões militares, bem como na colaboração em questões que tangem a sistemas e produtos de defesa e transferência para terceiros países ou partes. O Acordo também buscará promover a cooperação nos campos de aquisição, pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e mobilização, assim como troca de conhecimento e experiências nas áreas operacional, científica e tecnológica, além da cooperação em quaisquer outros campos relacionados à Defesa que possam ser de interesse mútuo para as Partes”.
(https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2217144).
Como se não bastasse essa data, o presidente genocida que ignora a ciência e vem promovendo desinformação a respeito do tratamento da Covid-19 (o mesmo desgoverno que nos coloca como “párias mundiais”), assina o texto de submissão em plena Jerusalém Ocupada. Na ocasião, ainda aproveitou para fazer coro com a política incendiária do então presidente dos EUA, Donald Trump e de seu genro Jared Kushner, que surfou no nepotismo do sogro na grotesca posição de “conselheiro sênior” da Casa Branca. Como sempre afirmamos, os gringos são campeões mundiais de hipocrisia. Pregam meritocracia, mas se autogovernam por uma mescla de deep state e oligarquia financeira de base familiar.
Voltando à proposta infame que, não por acaso foi levada adiante pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) enquanto presidia a CREDN, salientamos: sob a liderança da Federação Palestina aliada às demais entidades de caráter árabe-brasileiras foi possível derrotar, em dezembro de 2019, tanto a MSC 317 (defesa) como a 556 (ciência e tecnologia). Um esforço coordenado com as bancadas progressistas possibilitou a correta denúncia do duplo risco, tanto de apoio para a economia de guerra do Apartheid como também para a intromissão, ainda maior, de operadores de enlace israelense (formais e informais) dentro de temas estratégicos para a segurança nacional e para o desenvolvimento científico-tecnológico do Brasil.
Não podemos nos render
Somos cerca de 18 milhões de árabes descendentes no Brasil. Dentre nós, mais de 80% com famílias do Grande País, o Bilad-al Sham, o moderno Levante, cuja área entre as montanhas e a praia formara um dia as duas cananeias. A absoluta maioria de nossas famílias tem origem na primeira cristandade, quando Eesho (o verdadeiro nome de Jesus, pois está em aramaico) era mais um zelote combatendo invasores romanos e vendilhões fariseus. No último período otomano e na tragédia posterior à Primeira Guerra Mundial, nossos territórios ancestrais se conformaram: a Síria, o Líbano e a Palestina Ocupada. O invasor sionista fez acordo com os impérios Austro-Húngaro, nas duas etapas derradeiras do Otomano com o Britânico e, após a Segunda Guerra, com os Estados Unidos. Denominar de invasão europeia, de cabeça de ponte anglo-sionista, não é nenhum exagero. Muito pelo contrário.
É da natureza da formação de Estados ilegítimos um arranjo beligerante permanente. Na versão colonial do “state building” de Israel, a agressão aos povos originários e a limpeza étnica-cultural, além da militarização do espaço interno – cada vez maior, incluindo os mais macabros plano do Eretz Israel do século XIX – e a beligerância nas fronteiras constituídas após mais guerras de conquista e heroicas resistências, estão na área core desta unidade política. Israel é um Estado invasor, conformado por criminosos de guerra, apoiado por recursos do império estadunidense, com uma diplomacia pública de intimidação.
Propositadamente vão “confundindo” antissemitismo (um crime que deve ser combatido) com anti-sionismo (uma defesa decolonial e de libertação dos territórios ocupados). Infelizmente, uma parcela da opinião pública ocidentalizada termina sob influência da opinião publicada na grande mídia. Na era da internet o quadro piora, pois os recursos de trolagem – muito conhecidos pela ação dos robôs aplicados no apoio ao governo protofascista e genocida de Jair Bolsonaro – podem indexar defensores da Causa Árabe e Palestina em “perigosos” antissemitas.
Já denunciamos esse absurdo em artigos anteriores, pois existe um Estado que vem perseguindo, prendendo, eliminando e promovendo políticas antissemitas: esse é o Estado de Israel e sua economia internacionalizada. Colonos europeus ou portadores de uma cultura eurocêntrica manipulam brimos mizrahim para se lançar com sanha supremacista contra seus ex-vizinhos na Palestina. Basta.
Bananinha, a canalhice de sempre e nossa indignação
Tamanho contingente populacional da colônia, descendentes e apoiadores no Brasil não podem se curvar diante de um lobby mal feito, uma proposta despertada pelo plagiador Eduardo Bolsonaro, no requerimento 08/2021. O parlamentar que atende pela alcunha de “Duda Bananinha” – apelido dado em rede nacional pelo vice-presidente da república, o general de quatro estrelas da reserva remunerada, Hamilton Mourão, ainda por cima é encarregado de proferir ódio e desprezo pelos povos árabes e amigos do arabismo.
Em artigo impecável, a jornalista Lucia Helena Issa demonstra o tamanho da ignorância do filho “03” do ex-capitão de artilharia que foi praticamente expulso do Exército, e explica o tamanho da farsa no discurso “judaico-cristão” de base neopentecostal
“E acima de tudo, Eduardo Bolsonaro e seus pseudopastores, vendilhões do templo e asseclas pseudocristãos, pessoas que sequestraram o cristianismo para justificar o ódio, a violência, o armamento e milhares de mortes, não deveriam jamais usar a palavra BÍBLIA, que vem de BIBLOS, a linda cidade litorânea do Líbano, onde se fabricavam manualmente os papiros para os primeiros textos sagrados do mundo, de onde vieram as palavras Bíblia, bibliografia, biblioteca!”
Para além da ignorância dos canalhas é possível reunir forças e derrotar, mais uma vez, esse absurdo. A famigerada MSC 371/19 está sob consulta pública e nossos milhões de brimas e brimos são mais fortes do que qualquer robô do Ministério de Assuntos Estratégicos do invasor. Outra forma clássica de pressão é fazer chegar o repúdio direto a deputados e deputadas da CREDN (ver lista aqui: https://fepal.com.br/ajude-a-barrar-o-acordo-militar-entre-brasil-e-israel/).
Precisamos demonstrar nossa unidade, a expertise em fazer a boa política e capacidade resolutiva. Tomemos como exemplo as vitórias consecutivas no sul do Líbano e a heroica resistência de Gaza. A MSC 371 não pode ser aprovada!
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Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio (www.monitordooriente.com)
Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é cientista político e professor de relações internacionais de origem árabe-brasileira, editor dos canais do Estratégia & Aná[email protected] | facebook.com/blimarocha
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