Por Gabriela Moncau.
Às 3h20 da madrugada deste domingo (10) um homem fez disparos de arma de fogo contra a portaria do Acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Valinhos, no interior de São Paulo.
O ataque acontece menos de duas semanas depois que a ocupação — que reúne 450 famílias sob o risco de despejo — comemorou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as remoções forçadas no país até 30 de junho.
Segundo as pessoas que estavam na portaria do Acampamento, um carro preto com a placa coberta passou algumas vezes em frente ao local, com a velocidade reduzida. Na última vez, um homem branco, careca, com barba e aparentemente sozinho desacelerou ainda mais, colocou a mão para fora da janela com uma arma e fez os disparos.
A maior parte das pessoas presentes se jogou no chão. Ninguém foi atingido. Em seguida, o carro acelerou em direção à cidade de Valinhos.
Entre possíveis motivações para o ataque, integrantes do movimento levantam as hipóteses dele estar relacionado à ódio de raça e classe vindo de grupos neonazistas da região e/ou a pessoas que têm interesses econômicos em reaver a área ocupada para fins de especulação imobiliária.
“A gente sabe que tem uma relação direta com o ‘incômodo’ que os trabalhadores sem terra provocam em setores bolsonaristas de Valinhos e do entorno”, avalia Gerson Oliveira, do MST.
“Também pode ser uma reação à recente prorrogação da suspensão dos despejos por parte do STF, sabendo que vamos permanecer por mais um tempo no local e que estamos conseguindo resistir ao despejo. Isso provoca uma reação. E, no nosso caso, muitas vezes essa reação é armada”, aponta.
Os moradores do Acampamento recolheram cápsulas da arma no chão, que seriam de uma pistola 9 milímetros.
Ataque anterior
“O que leva uma pessoa a sair de sua casa numa madrugada de domingo e ir ameaçar famílias que lutam por terra e por direitos sociais?”, questionou o MST em nota. “Só pode ser o ódio contra pobres, contra trabalhadores e trabalhadoras sem terra”, afirma o Movimento, reforçando que “esse fato é mais uma tentativa de homicídio cometida contra as famílias do Acampamento”.
De fato, não foi a primeira.
Luís Ferreira, um pedreiro de 72 anos, morava na comunidade. Era 18 de julho de 2019 quando, durante uma manifestação pelo direito à água, uma caminhonete que ostentava uma bandeira do Brasil avançou em direção ao ato.
Atropelado, seu Luís foi morto no mesmo lugar em que na madrugada deste domingo (10) os tiros foram disparados. O condutor da caminhonete, chamado Leo Ribeiro, foi preso e responde em liberdade.
Pouco antes do início da pandemia, em 2 novembro de 2019, o Acampamento Marielle Vive inaugurou a Escola Popular Luís Ferreira.
O Acampamento Marielle Vive
Quem mora ali integra a extensa estatística das 132.290 famílias no Brasil que, de acordo com a Campanha Despejo Zero, sofrem o risco de serem removidas assim que acabar o prazo definido pelo STF.
Ocupando uma área de 130 hectares em um dos municípios do interior paulista conhecidos por seus condomínios de luxo, o MST transformou um terreno, antes abandonado, em terra de produção agroecológica.
A propriedade, ocupada desde 14 de abril de 2018, é reivindicada pela Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários.
Tendo surgido um mês após a execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, os sem terra resolveram homenageá-la com o nome da comunidade.
Reação
Para Gerson Oliveira, o ataque a tiros acende para a comunidade, mais uma vez, “um sinal de alerta vermelho”: “Vamos reforçar nossos cuidados”.
Na manhã deste domingo (10) os acampados registraram um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Valinhos. O Brasil de Fato entrou em contato com Secretaria de Segurança Pública de Valinhos, que informou não ter tomado nenhuma providência pois não está oficialmente sabendo do ocorrido ainda.
“Já recebemos outros ataques e ameaças desse tipo. Queremos que dessa vez a Secretaria de Segurança Pública e a investigação da Polícia Civil cheguem até os responsáveis. É uma ameaça concreta contra a integridade das famílias. Poderia ter atingido alguém. Nada nos autoriza a dizer que não podem acontecer fatos piores. As autoridades competentes estão avisadas e, portanto, são corresponsáveis caso não tomem providências”, salienta Gerson.
Em nota, o MST afirma que “a prefeitura de Valinhos está assistindo a estas violências cometidas ao longo dos quatro anos de existência do Acampamento”.
O município está sob gestão de Lucimara Godoy Vilas Boas (PSD). Eleita sob a alcunha de “Capitã”, Lucimara é policial militar.
Para o MST, ao invés de observar de forma inerte os ataques direcionados ao Acampamento Marielle Vive, o governo municipal “tem nas mãos o poder de resolver este conflito com o reconhecimento da cidadania e assentamento definitivo das famílias no local, implantando políticas públicas através do Estado e favorecendo a acesso à moradia e ao trabalho digno”.
Edição: Thales Schmidt.