A última Audiência Pública do Plano Diretor prevista para ontem (13) foi suspensa

    O Levante do Antonieta. Foto: Câmara de Vereadores de Florianópolis. Foto: Câmara Municipal de Florianópolis.

    Por Tecendo Redes.

    Depois de 13 anos de luta por um Plano Diretor Participativo de verdade, nesta segunda-feira (13) o grito saltou das gargantas e explodiu no Levante do Auditório Antonieta de Barros, na ALESC, evocando outro, o Levante do TAC, em 2010. A vontade popular fez valer sua revolta de forma organizada, instalando uma Assembleia Popular no lugar da tentativa de mais uma falsa Audiência Pública.

    A constatação de que a participação nas audiências públicas encontra fundamentos no modelo aplicado, que não previa diálogo, assim como na ausência desrespeitosa do prefeito Topázio e da grande maioria dos vereadores, que eram responsáveis pela  Audiência e pelos indispensáveis esclarecimentos à população relacionados ao projeto de lei e as dezenas de emendas. Descaso total!

    O Auditório Antonieta de Barros tem esse nome em homenagem à primeira deputada que fez história na luta pelo povo negro e pelo espaço da mulher nas esferas públicas de poder.  Antonieta de Barros, de Florianópolis (1901 — 1952,) foi professora, jornalista e, sendo uma das primeiras mulheres eleitas no Brasil, foi a primeira negra brasileira a assumir um mandato popular. O povo ocupar o auditório que leva seu nome, em prol do coletivo, pedindo participação popular no planejamento urbano, é simbólico em um momento em que o fascismo tenta se apropriar de seu nome, tentando se apropriar de sua Medalha na Câmara Municipal.

    A atitude de levantar das cadeiras e ir até a mesa foi um ato de manifestação da população de Florianópolis, cuja revolta é efeito  do descontentamento e indignação derivada de uma participação não-efetiva das 18 audiências públicas, 14 no ano passado (2022) promovidas pela Prefeitura e 4 em 2023 pela Câmara de Vereadores, nas vésperas do Carnaval, quando preocupações, demandas, irregularidades e ilegalidades do processo foram explicitados, documentados, mas de forma unilateral ignorados.

    Destaca-se que as quatro audiências deste ano, além de não terem sido efetivas, concorreram com reuniões de elaboração dos planos de manejo de sete Unidades de Conservação do município, que exigiam a presença da população em dias sequenciais. Ou seja, além de nossas construções terem sido sistematicamente ignoradas e desconsideradas, muitas pessoas ativas no cuidado com a cidade tiveram que escolher entre participar de uma ou de outra atividade, o que impediu o exercício pleno da cidadania.

    A Audiência Pública desta segunda (13) acabou sendo suspensa pela manifestação popular, que explicitou que ela de fato não é escutada, sem direito ao contraditório e efetivo debate.  As falas e sugestões nas Audiências e nas Consultas Públicas foram simplesmente desconsideradas na quase totalidade do Projeto de Lei Complementar 1911/22, de revisão do Plano Diretor, em trâmite na Câmara Municipal. Precisamos de apoio dos Ministérios Públicos para uma sindicância do processo e análise criteriosa entre o conteúdo das participações e o conteúdo da minuta do PLC apresentado pela prefeitura. Sabemos que o plano diretor precisa de revisão e a cidade de planejamento. A população queria e quer Audiências Públicas, mas não as do tipo patrocinado pela Prefeitura e pela Câmara, um teatro de patética indiferença, onde as pessoas atingidas pela destruição ambiental são ignoradas.

    Daí vem o motivo para não mais tolerarmos a realização de mais uma Audiência Pública, que apenas serve para calar ou tornar inaudível a fala da população pela maioria parlamentar  da Câmara, vinculada ao projeto da gestão Gean/Topázio, de entrega final da cidade ao capital imobiliário. Ou seja, a ideia de desenvolvimento atrelado à urbanização e facilidades construtivas beneficiando principalmente o interesse privado, especialmente da indústria da construção civil e especulação imobiliária, em detrimento do interesse público e bem comum. Mostra disso é o Parágrafo único, Art. 5, 1911/22 que determina que “havendo conflito entre os termos legais prevalecerá a redação mais favorável ao particular”. Justamente o contrário do Estatuto da Cidade (Lei n 10.257/2002),  que diz das diretrizes para execução de políticas urbanas no Brasil: “são de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.”. Além deste dispositivo, na área ambiental (Título II), o PLC da Prefeitura incorre em 26 inconstitucionalidades, permitindo, por exemplo, ocupação em áreas de preservação permanente, adulterando a lei federal que as regem com a criação de ZIP (Zona de Interesse de Proteção) e ocupação em APP em encostas acima de 46%, indo a topos de morros, áreas de nascentes intermitentes com suas bacias de contribuição e não obedecer a faixa mínima de 300 metros de restinga a partir da linha de preamar. E mais: libera a densidade das construções em altura sem amarrar a infraestrutura exigida em água, esgoto, drenagem, lixo e sistema viário correspondente. Estes dispositivos da proposta da prefeitura precisam ser revogados, pois, na lei, em caso de conflito jurídico, a prevalência deve ser sempre o interesse público e não o interesse privado.

    O fato é que a população está sendo enganada: no dia 13 de março, antes mesmo da Audiência Pública, a maioria dos vereadores, nas quatro Comissões onde tramita o projeto, já havia dado parecer favorável à proposta do prefeito Topázio, para isso driblando o Regimento Interno. De que então Audiência desta segunda-feira? Apenas para endossar a falsa narrativa de que foi um processo democrático.

    A previsão é que o projeto seja votado semana que vem, provavelmente dia 20. Lembremo-nos das águas da Lagoa da Conceição contaminadas por dejetos, das praias repletas de agentes causadores de diarreias ao longo da temporada de verão, das planícies alagadas soterradas para dar lugar a mais prédios, da lama no córrego grande, do metro quadrado entre os mais caros do país, e da imobilidade urbana de todos os dias. Isso vai mudar com o novo plano? Não! Vai piorar, e muito, com o agravamento da crise climática.

    O povo tem propostas, a Proposta Popular,  resultado de um processo de construção coletiva, que envolveu a participação de movimentos sociais, associações de moradores, acadêmicos e especialistas em diversas áreas do conhecimento. A proposta está disponível em um Repositório Popular em https://planodiretor.libertar.org desde 12 de fevereiro.

    Esta é uma nota pública, para pedir apoio da mídia, da Câmara de Vereadores e da população de Florianópolis para que as e os vereadoras/es analisem a Proposta Popular do Plano Diretor de Florianópolis em contraponto à proposta da Prefeitura, agora tramitando como Substitutivo Global. Queremos participar da construção do futuro da nossa cidade! 6 mil pessoas assinam por esse pedido, confira o abaixo-assinado: https://abre.ai/peloplanodiretorpopular.

    Essa luta não acabou.  É nosso direito, é nosso dever lutar pela real participação do povo na gestão e planejamento da cidade. 

    Que a mobilização para o dia 20 seja maior! 

    Nada sobre nós sem nós! Plano Diretor Popular Já!

    Fórum da Cidade de Florianópolis

    Tecendo Redes -Articulação de coletivos socioambientais da grande Florianópolis

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