Por José Carlos Ruy.
Após o fim da Guerra Civil contra-revolucionária, em 1922, Lênin – que era o principal dirigente do governo soviético – mandou reabrir os estúdios cinematográficos. “De todas as artes, o cinema é para nós a mais importante”, justificou o fundador do Estado soviético.
O cinema nascia então como uma arte de massas de intensa vitalidade, que permitiu o aparecimento de filmes e diretores que contribuíram para consolidar as bases da arte da modernidade – o cinema. A linguagem fílmica foi sistematizada, experimentada, na tentativa de apreender os dramas humanos diretamente em seu meio social. Na URSS revolucionária, herdou do teatro do Proletkult o protagonismo das massas populares, magnificamente exemplificada nos filmes Encouraçado Potemkim (1925) e Outubro (1928), ambos de Serguei Eisenstein (1898-1948). Em Encouraçado Potenkim ele ousou e inovou ao usar a população de Odessa, cidade à margem do Mar Negro, para reconstituir o levante de 1905 e pela primeira vez na história do cinema trabalhou com massas de 10 mil figurantes, polarizados em torno de dois personagens coletivos: o “encouraçado” e a “cidade”. Em Outubro, foram as massas que protagonizaram a célebre cena da tomada do Palácio de Inverno, em São Petersburgo, no dia 7 de novembro de 1917.
Uma das inovações mais importantes dos cineastas soviéticos – principalmente de Eisenstein – foi o uso da montagem como elemento fundamental da linguagem do cinema, enriquecendo a experiência de pioneiros do cinema com o conhecimento do mecanismo da escrita chinesa na qual a justaposição de ideogramas permite a formulação de ideias.
Com mais de 90 anos após seu lançamento, O Encouraçado Potemkim (1925) mantém a atualidade. Não apenas pelo seu tema, que o tornou um clássico do cinema mundial, mas também pela maneira revolucionária de sua realização.
Seu tema exemplifica o desenvolvimento da consciência de classe: marinheiros mal tratados pelos oficiais que os comandam, em condições de trabalho profundamente degradadas, revoltam-se e acompanham a revolução proletária que ocorria em Odessa em 1905.
A história foi narrada de maneira inovadora por Eisenstein, o grande mestre da montagem que baseia a narrativa na maneira como as imagens são usadas.
A tecnologia ainda não havia desenvolvido a maneira de unir som e imagem em movimento. O cinema era mudo, e tudo o que havia para transmitir a mensagem desejada eram as próprias imagens em movimento, reforçadas em certos momentos por letreiros projetados junto com o filme. E pela música tocada por instrumentistas postos diante da tela onde o filme era projetado.
Sendo o cinema mudo, eram as imagens que precisavam falar! E a ferramenta para fazer as imagens transmitirem o que o cineasta pretende é a montagem. No O sentido do cinema (Sergei M. Eisenstein, El Sentido del cine, México DF, Siglo Veintiuno Editores, 1974), Eisenstein descreveu a montagem de maneira simples: “suponhamos, por exemplo, um túmulo e uma mulher de luto chorando: dificilmente alguém deixará de chegar a esta conclusão: uma viúva”.
A inspiração vinha dos ideogramas chineses, que Eisenstein estudou, e também de autores clássicos, como Leonardo da Vinci e suas anotações sobre o uso da perspectiva; ou da literatura russa (Tolstói, sobretudo); e Karl Marx, de quem cita a frase: “não apenas o resultado mas também o método são parte da verdade. A investigação da verdade deve ser verdadeira em si mesma; a verdadeira investigação é a verdade desdobrada, cujos membros deslocados se unem no resultado”.
Este esforço todo teve o objetivo de compreender como o pensamento se forma no cérebro através da justaposição de imagens, traduzidas em palavras. Ele buscava traduzir, no cinema, os sentidos que o cineasta pretendia transmitir. Por exemplo, em chinês, a justaposição de um ideograma que significa “telhado” ao lado de outro que significa “esposa” resulta em outro, que significa “lar”.
Um exemplo do uso dessa técnica narrativa pode ser visto, em O Encouraçado Potemkim, na célebre cena da escadaria, que justapõe imagens de luz (“alegria”) a outras da repressão czarista contra os revoltosos, na escadaria (ela própria um signo da hierarquia social existente então). Naquela cena, o horror é traduzido pelo assassinato de uma mãe e a descida, escada abaixo, do carrinho com o bebê que ela conduzia. É uma das cenas mais famosas de toda a história do cinema, tendo sido lembrada no filme Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma, de 1987, que faz referência a ela.
Assista ao trailer de Outubro:
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Fonte: Vermelho.