A sustentabilidade no “Vivir Bien” de Evo Morales

Evo sustentabilidade
O presidente da Bolívia, Evo Morales, chamou o aquecimento global de “genocídio”

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

Muitos brasileiros quando se deparam com a palavra Bolívia, automaticamente, pensam em pobreza, drogas, miséria, violência, além de outros conceitos a partir de semânticas inversas e deturpadas como comunismo.

Para muitos no Brasil, a Bolívia se configura como terra sem leis, como espaço maldito, mas o que o brasileiro não sabe é que podemos aprender com as experiências político-ambientais como as de Evo Morales, presidente daquele Estado Plurinacional.

O estereótipo da Bolívia criado pela grande mass media do Brasil precisa ser combatido e desconstruído, pois a mídia, por jogos e interesses ideológicos neoliberais de apoio ao imperialismo dos EUA, constrói os imaginários sociais deturpados como forma de desmantelar e desconstruir governos que estão dando certo no continente latino-americano e impedindo a integração latino-americana. Caso os conglomerados comunicacionais tradicionais brasileiros fossem sérios e, por isso, comprometidos com os fatos, além da miséria que ainda existe no país boliviano, também mostrariam, imparcialmente, os avanços dos últimos anos naquela nação, a partir das experiências político-ambientais de um homem do povo que colocou em destaque a necessidade da preocupação do país com as questões climáticas e socioambientais em geral.

Um ponto importante que destaquei no artigo “Evo Morales e as experiências político-ambientais do “Vivir Bien”” para a compreensão da problemática aqui tratada é que no mundo dominado pela lógica neoliberal capitalista poucos líderes são capazes de expressar, com coerência, discursos e práxis de luta em torno da defesa da Mãe Terra como o faz Juan Evo Morales Ayma. Ao longo de sua gestão presidencial, em todos os encontros de líderes globais para discussão acerca das questões climáticas, ambientais, econômicas, geopolíticas e sociais, de forma bastante lúcida e responsável, ele tem sido um defensor ferrenho dos direitos e dignidades do Planeta.

Para a dimensão da experiência de Evo na Bolívia, o Brasil precisa primeiro, sair da lógica de desenvolvimento somente como elevação de produto interno bruto a partir da exploração dos recursos naturais, ou seja, o país precisa despertar para outra arquitetura mental de concepção da Terra e de desenvolvimento, tornar-se sustentável nas bases do pensar e agir. Essas mudanças deverão acontecer não somente na sociedade, mas, principalmente, nas extensões da Política, da Economia e na relação com o Meio Ambiente.

No país vizinho, essa transformação na política já começou, mas, infelizmente, por conta das forças elitistas ou de massas sociais manobradas pela grande mídia tradicional boliviana, toda a mudança pode ser freada, pois no próximo pleito eleitoral não se sabe se haverá continuidade do projeto de justiça socioambiental operado na gestão Evo Morales.

Muitos políticos do Brasil e do mundo, inclusive os de esquerda, poderiam aprender a ecologizar ações a partir da experiência político-ambiental de Evo, pois este é um diplomata pela vida e um mensageiro do viver bem ou bem viver em comunhão com a Terra. O presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, país esquecido e, quando lembrado, rechaçado por muitos latino-americano-brasileiros que têm na mídia tradicional do Brasil a fonte única de informação e de juízo sobre nossos irmãos da América Latina é a prova de que uma política ecológica é possível.

Acerca de como a mídia tradicional tem atacado os governos de esquerda na América Latina e como isso se dá na Bolívia, é interessante recorrer ao artigo de Atilio Boron “A Bolívia diante de seu novo desafio”, pois neste texto ele explica o modus operandi da mídia para a manobra das massas e como isso contribuiu para o assassinato do Vice-Ministro Illanes recentemente naquele país. No referido artigo, ele recorre a outros referenciais para explicar o seguinte: a longa experiência latino-americana neste tipo de situação não requer muito esforço de imaginação para entender o que aconteceu. Como dito por John Perkins no seu famoso livro e o ratificam os manuais de Eugene Sharp, incidentes como os que estamos discutindo são parte da SOP, “Procedimentos Operacionais Padrão” dos agentes do império. [3]  Os meios de comunicação, por exemplo, cumpriram uma função importantíssima ao colocar fogo no conflito, tal como El Mercurio e o Canal 13 da Universidade Católica o fizeram no caso do Chile. Na Bolívia, se fizeram cúmplices de uma falsidade informativa que foi divulgada irresponsavelmente para a escalada do conflito, intensificar os bloqueios e enfurecer os cooperativistas.  Após os trágicos acontecimentos de Panduro, a imprensa hegemônica deu destaque a seu trabalho de destituição afirmando que foi a intransigência do governo a causa da morte dos cooperativistas e do Vice-Ministro Illanes. Ante a magnitude destas demandas, o governo de Evo Morales manteve abertos todos os canais do diálogo e a negociação, dentro de um limite infranqueável: preservar o império da Constituição, que não podia ser colocado em questão pelo acionar de um conjunto de atores de suspeitosa intransigência. Há numerosas razões para pensar que houve alguém que iniciou a tensão para o conflito quando as negociações entre governo e cooperativistas estavam encaminhadas.  Uma falsa ordem de apreensão de dirigentes cooperativistas causou a passagem para a clandestinidade da liderança e a intensificação dos bloqueios. Um par de dias mais tarde, em 24 de agosto, se produziu o assassinato de dois mineiros cooperativistas durante os bloqueios sem poder precisar-se, até agora, os eventuais autores do disparo. [2] O que segue é história conhecida, com outro mineiro morto e o linchamento de Illanes.

O fato é que a partir do governo de Evo Morales, a Bolívia começou a sofrer mudanças e avanços em vários campos, desde o econômico, ao social e ao ambiental. No que diz respeito à economia, o país foi um dos que mais cresceu na América Latina, ainda que muitos problemas de séculos ainda estejam presentes, pois, afinal, seria impossível, em tão pouco tempo, um só presidente ter solucionado problemas seculares. No que concerne ao social, foram desenvolvidas políticas públicas de inclusão e, em relação ao meio ambiente, o presidente boliviano se destaca não somente em âmbito local como, também, no cenário internacional.

Evo tem se posicionado de forma firme acerca das questões climáticas, feito críticas ao marketing por trás do discurso da economia verde e enfrentado a indústria da mineração e metalúrgica. Ademais, faz cumprir as leis ambientais e se posiciona mundialmente como um presidente ecológico, preocupado não somente com a geração de trabalho e renda, mas, principalmente, com a sustentabilidade como o mecanismo que possibilitará o nascimento de um país próspero, mostrando a importância da preservação e da conservação do capital natural boliviano para as atuais e futuras gerações.

Na luta contra os efeitos nocivos da poluição, do aquecimento global e das mudanças climáticas, de forma geral, Evo não mediu críticas aos países industrializados desenvolvidos mais preocupados com o crescimento exponencial de seus produtos internos brutos que com as questões ecológicas em plano interno e externo. Foi diante desse histórico de lutas e discursos que nasceu o “Vivir Bien” boliviano.

A partir desse documento, Evo Morales mostrou ao mundo que a Bolívia pode mudar sua relação no que concerne à exploração dos recursos naturais. Que outro país e planeta são possíveis. Do início ao fim, o “Vivir Bien” traz à tona a preocupação ambiental como eixo central e norteador das políticas na nação boliviana.

Logo na introdução do documento, aqui em análise, busca-se mostrar a importância em discernir as diferenças entre o que seria o viver bem e o que seria o viver melhor. De acordo com a filosofia do “Vivir Bien” boliviano, o viver bem é defesa da natureza e da própria vida. O viver bem é viver em igualdade e em justiça, onde não haja nem explorados, nem exploradores, onde não haja nem excluídos, nem quem os excluam, onde não existam marginalizados e quem constrói a miséria. O Viver Bem é viver em comunidade, em coletividade, em reciprocidade, em solidariedade, e, especialmente, em complementariedade.

Dentre as maiores preocupações do Viver Bem está o respeito aos direitos dos povos originários, indígenas e campesinos. Essa preocupação se dá no âmbito da luta pela terra, respeito às línguas indígenas com a criação de programas de alfabetização em 36 idiomas do país, na erradicação do analfabetismo e em outras questões ainda mais pontuais.

Também não se pode esquecer que no Viver Bem estão expressas lições ambientais para todo o Planeta, como a defesa de um mandato dos povos e nações indígenas originários aos Estados do Mundo, a estratégia de reconstrução do próprio bem viver para salvar à Mãe Terra e à humanidade.

Um dos pontos mais cruciais do documento e da política bolivariana de Evo é o fato de que a partir do viver bem, tem-se que a terra não nos pertence e que nós é que pertencemos a ela.

No viver bem, Evo apresentou ao mundo que a Bolívia propôs a 192 governos de Nações Unidas chegarem a um consenso para uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, declaração que deve se basear nos seguintes quatro princípios:

  1. O direito à vida, que significa o direito a existir. Nós humanos temos que reconhecer que também a Mãe Terra e os outros seres vivos têm direito a existir.
  2. O direito à regeneração de sua biocapacidade. A criatividade humana no Planeta e o desenvolvimento não são infinitos. Ao consumir e desperdiçar mais do que Mãe Terra é capaz de recompor e recriar o ser humano mata, lentamente, a Casa Comum, a Mãe Terra.
  3. O direito a uma vida limpa, que significa o direito da Mãe Terra a viver sem contaminação.
  4. O direito à harmonia e ao equilíbrio com todos e entre todos e tudo. É o direito a ser reconhecida como parte de um sistema do qual todos e todas somos interdependentes. O direito a conviver em equilíbrio com os seres humanos.

Enfim, Evo Morales desenvolve uma política que se pode rotular como ecológica, dada a preocupação com a Terra, com o povo, com toda a biodiversidade e com a justiça social, com vistas à reparação histórica do quadro de opressão de exploração na Bolívia. No documento “Vivir Bien” estão impressas as marcas de um presidente preocupado com tudo e todos, em especial com a dignidade e com os direitos da Mãe Terra e, consequentemente, com os filhos dela.

Referências utilizadas para a construção do texto

Bolívia. Vivir Bien: diplomacia por la vida. Ministerio de Relaciones Exteriores.

BORON, Atilio. A Bolívia diante de seu novo desafio. Tradução de Elissandro dos Santos Santana. Florianópolis, SC: Desacato, 2016.

[1] “10 perguntas 10 respostas sobre o conflito com os “cooperativistas” mineiros na Bolívia”, em http://www.telesurtv.net/bloggers/10-preguntas-y-10-respuestas-sobre-el-conflicto-con-los-cooperativistas-mineros-en-Bolivia-20160827-0002.html  27 de agosto de 2016. Remetemos a este trabalho para uma exaustiva indagação sobre diversas facetas do tema que nos preocupa e que não podemos tratar em nosso trabalho.

[2] Cabe recordar que o Presidente Evo Morales proibiu não somente disparar, mas que a polícia se faça presente no lugar dos bloqueios portando armas de fogo.

[3] John Perkins, Confissões de um gângster econômico (Barcelona: Ediciones Urano, 2005) ou os diversos manuais para a desestabilização de regimes ditatoriais de Eugene Sharp.

Foto: deharris

 

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