Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
Na imagem acima, retirada do documento “Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro”, é possível visualizar a hidrografia principal da cidade, mas o que muitos não sabem é que a situação ambiental de muitos rios do município é crítica.
Nos últimos artigos em torno das insustentabilidades e caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, discorri sobre os principais déficits socioambientais originados a partir das relações predatórias paradoxais da indústria do turismo com o capital natural que propicia o desenvolvimento das atividades turísticas na região. Nessa oportunidade, apresentarei alguns dos problemas que afetam os rios do perímetro da Orla Norte, compreendido entre o Rio da Vila e o Rio dos Mangues, partindo-se do pressuposto de que esses cursos de água são atrativos naturais que embelezam a cidade, fazem parte da biodiversidade natural-ambiental, e que poderiam ser utilizados, de forma sustentável, para atrair ainda mais turistas para a região.
No tangente à situação ambiental dos rios da Orla Norte, pode-se encontrar intersecção entre poluição, desgaste ambiental e turismo, mas, nesse caso específico, o principal elemento desencadeador do problema reside na relação cultural dos habitantes que residem no município e no comportamento de algumas empresas que atuam na cidade.
Dentre os cursos de água no perímetro da Orla Norte, talvez, o que esteja em situação mais degradante seja o Rio da Vila. Acerca desse rio, há relatos e matérias em jornais da cidade, como o Jornal do Sol, que trazem à tona denúncias no tocante a crimes ambientais contra o rio, como o que ocorreu no ano de 2015.
Conforme pontuou o Jornal do Sol, em matéria publicada em 26 de março de 2015, “Esgoto da Embasa vaza para o Rio da Vila”, o histórico Rio da Vila, importante fonte de água limpa em Porto Seguro, continua sua crônica de uma morte anunciada. Mais uma vez, ele foi agredido com o vazamento, dia 23/03/15, de uma grande quantidade de esgoto da Embasa. De acordo o secretário municipal de Meio Ambiente, Bené Gouveia, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente tomou todas as medidas cabíveis, incluindo a aplicação de multa de R$ 300 mil a Embasa e o encaminhamento de processo para o Ministério Público.
Ainda conforme o referido periódico, na mesma matéria, pontuou-se que a Embasa disse em nota que o vazamento havia ocorrido devido à falta de energia elétrica e que para o secretário municipal do Meio Ambiente, o argumento não justificava esse tipo de falha. Conforme o secretário, “A Embasa cobra caro pelo serviço e 80% da conta de água são relativos à taxa de esgoto. A empresa precisa rever seus conceitos de operação em todas as subestações, que devem possuir geradores e bombas reservas”.
Abaixo, aparece uma foto do Rio da Vila, publicada na matéria do referido jornal:
Assim como a matéria do Jornal do Sol em 2015, há outras matérias em outros periódicos, do mesmo ano, de anos anteriores e até de 2016, acerca da situação ambiental de rios da região, como o Buranhém, por exemplo, que não está no perímetro aqui analisado, mas que é o principal rio que passa pela cidade e que vem sofrendo, ao longo de anos, um grave processo de poluição e degradação ambiental em geral.
Além da situação ambiental do Rio da Vila, para a elaboração de projeto de pesquisa, por conta de uma seleção de mestrado que participaria, ao longo de 2014 e 2015, in loco, verifiquei nos Rios São Francisco, Mundaí e dos Mangues a presença de resíduos sólidos e líquidos poluidores. Pese a este fato, a questão do mau cheiro que em alguns dias, durante a pesquisa de campo, pode-se sentir. O mau cheiro, talvez, se dê ao lançamento de esgotos domésticos e de outros tipos, por conta da urbanização descontrolada e desordenada da cidade ao longo de parte do percurso dos rios, o que não foi possível corroborar sem a análise da qualidade da água, mas a questão da degradação é bastante visível nos referidos espaços.
Em todos os rios citados, pode-se verificar a presença, dentro e na margem, de garrafas pets, litros de vidro, latas de cerveja, cadeiras plásticas, sacolas plásticas, pedaços de móveis de madeira e de metal, sapatos, suportes plásticos de TVs antigas, roupas, dentre outros resíduos sólidos, revelando a relação insustentável da sociedade porto-segurense com os recursos hídricos da cidade.
Para pensar essa relação insustentável da sociedade com o capital hídrico analisado, é possível fazer ponte desse problema com o que pontua Queiroz (2006), quando este afirma que no entendimento dos antropólogos, o ambiente em que vivemos é duplo, a um só tempo natural e cultural, sem que talvez se possa afirmar em qual desses domínios as nossas raízes são mais profundas.
Silva e Fernandes (2005), no artigo “Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA” ao apresentarem uma crítica ao processo de ocupação de Porto Seguro, de forma desordenada, a partir do turismo de massa, tocam na questão dos rios quando pontuam o seguinte: além da destruição dos ecossistemas, o processo de ocupação alterou grande parte das paisagens mais próximas a Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, comprometendo irreversivelmente a sua beleza e atratividade. O crescimento populacional exponencial e a pressão demográfica sazonal dos turistas vêm gerando graves problemas de saneamento, ocasionando inúmeros depósitos irregulares de lixo e a poluição dos lençóis freáticos, cursos de água, e consequentemente, das praias mais frequentadas pelos banhistas.
Constata-se que a situação dos rios no perímetro da Orla Norte de Porto Seguro não é nada regular e que a sociedade e a gestão pública municipal fecham os olhos para a situação. A sociedade tem sua parcela de culpa pelo depósito de resíduos e pela retirada da cobertura vegetal às margens dos cursos de água para a construção de condomínios e casas, em geral, e a gestão pública municipal, pela situação de inércia, descaso e inoperância, pois diante da degradação ambiental nos espaços aqui apresentados, deveria desenvolver planos de recuperação dos cursos de água no referido perímetro da orla do município, mas pouco ou nada fora feito. Além disso, faltam políticas públicas eficientes de educação ambiental na cidade para a sociedade, pois de nada adiantará recuperar os rios, se não houver mudança na arquitetura mental societária porto-segurense na relação com o capital natural hídrico.
A degradação desses risos não é recente, mas fruto de um processo histórico, portanto, a inércia da gestão pública em torno de projetos de mitigação ambiental que possam solucionar o problema não é somente da gestão pública atual, mas de vários gestores municipais ao longo de anos.
Enfim, essa história de descaso municipal em torno dos rios do Perímetro da Orla Norte e em outras partes do município somente mudará quando for eleito em Porto Seguro um gestor ou uma gestora municipal com uma visão socioambiental sustentável, que leve em conta um projeto de governo de respeito à biodiversidade ambiental e desenvolva políticas de justiça socioambiental.
Referências bibliográficas
http://www.jornaldosol.com.br/index.php/meio-ambiente/313-esgoto-da-embasa-vaza-para-o-rio-da-vila
SILVA, Marcelo Santana. FERNANDES, Fábio Matos. Turismo, desenvolvimento local e pobreza no município de Porto Seguro – BA. Revista Espaço Acadêmico, N. 51. Agosto/2005, Mensal, ISSN 1519-6186.
QUEIROZ, Renato da Silva. Caminhos que andam: os rios e a cultura brasileira. In REBOUÇAS, Aldo da Cunha. BRAGA, Benedito e TUNDISI. José Galizia. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de Porto Seguro
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