Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Desde que os primeiros casos da covid-19 se confirmaram no Brasil, o tal mito se mostrou ainda mais sardônico e isso sempre me assusta mais do que a doença, mesmo sabendo que ela é perigosa e pode matar.
Ao longo de todas as aparições do ídolo de grande parte dos membros dessa sociedade autofágica dada a golpes, houve um riso com um quê de escárnio e de zombaria que beira o ridículo, já que em meio a tantas mortes, rir como ele o faz, o tempo todo, prova que este senhor se desvestiu de bom senso, rindo de maneira inadequada e intempestiva.
Além da intempestividade, os trejeitos faciais do deboche dele na mídia contrariam o que é socialmente aceito e revela um péssimo gosto que se aproxima do espalhafatoso e da bizarrice.
Em cada aparição na TV, este ser que ocupa a cadeira da Presidência da República causa, na maioria do tecido social brasileiro, calafrios com seu arreganhar de dentes e espasmos faciais.
O riso sarcástico dele, até certo ponto, é similar ao que é produzido por força de uma contração muscular doentia ou que quer, intencionalmente, disfarçar a incapacidade que possui para argumentar de modo lógico para toda a Nação e não somente para os sequazes alienados.
O pior de tudo é que este mesmo riso tem aparecido nas faces de seus apoiadores nas passeatas contra a democracia em ataques ao STF ou no kkkkkk das redes sociais quando percebem que não conseguem construir discursos coerentes nem mesmo em defesa do projeto de morte que apoiam.
Também, o que mais me apavora é o riso escarnecedor quando ele se pronuncia em relação à situação do país, pois provoca em mim, e acho que em muitos, uma dor inexplicável, uma ânsia de vômito incontrolável e uma porção de desprezo, diante do fato de que tudo se dá em meio ao quadro de morte e de desespero de milhares de pessoas em todo o país.
O meu assombro, como já disse, é diário, a cada vez que o vejo na TV ou nas redes virtuais, e isso se intensifica quando comparo o riso ensaiado e debochado dele com as atitudes de parte da população que vai às ruas em defesa desse projeto autofágico disfarçado de apoio à família e à Nação, aglomerando-se, mesmo quando a recomendação da OMS e dos profissionais de saúde em todos os estados e municípios brasileiros é a de que se evite isso, haja vista que ainda não há uma vacina ou um tratamento eficaz de combate à doença.
E por que o riso do mito em suas lives nas redes sociais ou em seus embates desnecessários com parte da mídia me desespera? Como mencionei, é porque ele desenvolve o riso perverso como argumento.
O meu assombro é tão grande que quando me deparo com o riso desse ser, sinto-me na obrigação de entender por que um Presidente seria capaz de tal ato trágico e nada cômico, por isso, retomo minhas leituras semióticas e semiológicas para entender e tecer análises sobre o risível como efeito de um processo criativo, se parto de premissas aristotélicas, mas que esta criatividade, no caso de Bolsonaro, é perversa, talvez, para escapar da racionalidade que deveria desenvolver para se posicionar de forma séria e responsável diante das causas e dos efeitos da pandemia no país.
Ainda com base em noções da Semiologia, e ávido por compreender o tal riso do mito, retomo análises de Cohen, para perceber que a criatividade no processo de construção do riso envolve elementos como abstração, fuga, perversão e distorção da realidade, e, por último, mas, nem por isso, menos importante, visualizar, a partir de Bergson e Strauss, que a realidade do risível vem a ser um corromper que se encaixa no contexto social, cultural e político.
O humor-trágico chalaceador do tal mito possui uma previsibilidade histórica, dado que já o conhecemos há algum tempo, principalmente, pelo modo vulgar com que tenta se mostrar sério e, com isso, retirar a seriedade do/a telespectador/a, do cidadão e da cidadã que o assiste em relação a toda a situação que nos cerceia.
Este riso repleto de estroinice, teatral, tendo em vista que é ensaiado e articulado, é proposital e influencia, com força, os imaginários de seus apoiadores, os mesmos que depois vão às ruas ou às virtualidades da existência para defendê-lo.
Por fim, para uma tentativa de fundamentação e de comparação, ainda que distante, trago, para reflexão, o que Cavalcante e Wyden apresentam no artigo “O signo do risível: uma Análise Semiótica do Riso no desempenho do Palhaço Tiririca”, quando dizem que, para Aristóteles, a comédia está na esteira da poética, logo, também, é conduzida pela perspectiva de invenção das formas que subvertem a realidade. O riso para o filósofo grego derivaria dessa subversão, mas, segundo eles, para Morreal, Aristóteles encabeçava a perspectiva da incongruência do riso que é caracterizada pela fuga da realidade e Plesner caracteriza o riso como a resposta corporal diante da crise do sentido, do senso de coerência. Tratar-se-ia de uma descarga do corpo diante do caos. O riso, portanto, enunciaria aquilo que a razão não foi capaz de representar: rimos porque não conseguimos lidar com isso.
No caso do Mito, ele ri não somente porque não consegue lidar com a situação atual, mas, como já disse, por perversidade e maldade mesmo, o que o torna ainda mais bizarro – macabro – o riso e seu dono, esse ser fantoche a serviço de um grupo de poder que se vale das massas ignorantes lotadas de preconceito para o lucro diante do caos!
No mais, o riso do Presidente ultrapassa os limites do trágico. É o retrato de um arreganhar de dentes maldosos, de uma desumanidade em latência e de uma incompetência gestora sem igual na história do Brasil!
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Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato. Doutorando em Projeto, linha de pesquisa em meio ambiente pela Universidade Internacional Iberoamericana – México.
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