Por Maynara Nafe.
Na última sexta-feira, 17/02, os governos do Brasil, Argentina, Chile e México fizeram um comunicado conjunto sobre a expansão de assentamentos israelenses na Cisjordânia, após o governo israelense legalizar nove postos avançados (“outposts”) e construir dez mil casas em assentamentos existentes na Cisjordânia. Esse comunicado de “profunda preocupação”, como afirmado na nota, reflete uma mudança na postura de países que até pouco tempo eram dirigidos por elementos mais conservadores e, em certa medida mais vinculados a uma política pró-israel, como Sebastián Piñera no Chile (hoje dirigido por Gabriel Boric), setores claramente reacionários, dirigidos por Jair Bolsonaro no Brasil (hoje dirigido por Lula), e por fim, setores mais liberais, dirigidos por Maurício Macri na Argentina (hoje dirigido por Alberto Fernández).
O realinhamento de nações latino-americanas em prol da defesa dos Direitos Humanos e em defesa da questão palestina contribuem cada vez mais para uma compreensão global da necessidade de se extirpar o apartheid e as práticas coloniais pelo mundo, que subsistem, em seu ápice nas violações por parte do auto-proclamado Estado de Israel contra o povo Palestino. Nesse sentido, a escolha dos Ministérios das Relações Exteriores, em conjunto, de apontar as medidas unilaterais de Israel como graves violações às Resoluções do Conselho de Segurança da ONU, principalmente, a Resolução 2.334 de 2016, na qual afirma determina o fim dos assentamentos israelenses na Guerra dos Seis Dias, demonstra uma preocupação com a efetividade do Direito Internacional Público. Uma vez que a resolução apontou os assentamentos como “uma violação flagrante do direito internacional, além de afirmar todas medidas que visam mudar a composição demográfica e o status de territórios palestinos ocupados para Israel, incluindo a construção e expansão de assentamentos, transferência de colonizadores israelenses, confiscação de terras, demolição de casas e deslocamento de civis palestinos são violações do direito internacional humanitário, da obrigação imposta a Israel enquanto poder ocupador pela Quarta Convenção de Genebra e de resoluções anteriores.
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Assim, a postura de Israel vai de encontro com uma resolução do CSNU, que segundo o Direito Internacional é responsável pela manutenção da paz e a segurança internacional. A violação reiterada das resoluções, que possuem caráter vinculante, poderiam colocar em questão a eficácia do Direito Internacional uma vez que essa violação não tem levado, na prática, a responsabilização do Estado envolvidos e tampouco a aplicação de sanções e para que o Estado violador do direito internacional pare de violá-lo e, consequentemente, possa dar garantias que tais violações não mais ocorrerão. Porém, a paralisia na qual a sociedade internacional encontra-se hoje frente aos crimes perpetrados por Israel, apoiado largamente pelos EUA (um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança), contra o povo palestino tem levado um enfraquecimento do Direito Internacional como mecanismo de Solução Pacífica das Controvérsias e como ferramenta para a boa relação entre os Estados. A inoperância do Conselho de Segurança, principalmente dos EUA, pode no médio e longo prazo estimular que a médio e longo prazo Estados a resolverem suas controvérsias por meio da força.
Para saber mais:
O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é um dos seis órgãos principais das Nações Unidas, responsável por manter a paz e a segurança internacional. É composto por 15 membros, sendo 5 membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e 10 membros não permanentes eleitos para mandatos de dois anos. As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas são decisões vinculativas que requerem a adesão de todos os estados membros da ONU. Elas podem ser adotadas por uma maioria de nove votos dos membros do Conselho de Segurança, incluindo os votos afirmativos dos membros permanentes, que têm poder de veto. As resoluções podem ser emitidas em relação a qualquer assunto que o Conselho considere uma ameaça à paz e segurança internacional, incluindo conflitos armados, crises humanitárias e questões de proliferação nuclear.
As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas têm consequências jurídicas, e os Estados são obrigados a cumprir as suas decisões. As resoluções podem impor sanções econômicas ou militares, estabelecer tribunais internacionais para julgar crimes de guerra, estabelecer zonas de exclusão aérea ou impor medidas para garantir a proteção de civis em conflitos armados.
Por outro lado, o avanço das ocupações israelenses sob a cisjordânia reflete, como já explicitado em outros artigos (colocar aqui os títulos e hiperlinks) o acirramento de um debate interno da política israelense que tende cada vez mais ao radicalismo e ao aprofundamento de uma lógica xenofóbica, autoritária e etnocrática. É como se fosse dada uma “solução final” à questão palestina, uma vez que os próceres do governo israelense entendem que com a tendência de mudança do eixo de poder do Ocidente para o Oriente, externalizado na disputa comercial que acontece entre os EUA e China, somada a mudança de posicionamento de importantes ONG’s como Human Rights Watch e Anistia Internacional, poderia atrapalhar a concretização de um plano de um estado integralmente judeu na totalidade da Palestina.
Nesse aspecto o domínio econômico é de suma relevância. Se no plano internacional a Palestina tem sua soberania, portanto, sua capacidade internacional limitada pela ocupação israelense, no plano interno tem sua autonomia boicotada recorrentemente pelas forças israelenses por meio de confisco de impostos. Segundo artigo “The PA’s Revenue Structure and Israel’s Containment Strategy” da economista palestina Amal Ahmad publicado no Al-shabaka “the palestinian policy network”, a dependência orçamentária da Autoridade Palestina sobre os impostos de desembaraço – impostos de importação que frequentemente Israel toma para si como forma de chantagem política.
As restrições impostas à Palestina mediante o sufocamento financeiro contribui diretamente para que a Autoridade Palestina não possua controle, de fato, de suas fronteiras, facilitando assim, a ação sionista no território da palestina. De acordo com a autora, o governo palestino utiliza, no máximo, em torno de 30% da receita possível a ser arrecadada com impostos sobre importação e impostos sobre bens domésticos. A consequência direta dessa baixa capacidade de gasto público por parte das autoridades palestinas incorre em um sucateamento dos equipamentos públicos e do bem estar endereçados aos palestinos.
A restrição orçamentária se aprofunda à medida em que Israel passa, mediante assentamentos ilegais, a conivência da sociedade internacional e a revelia do direito internacional, a avançar sobre o território palestino, fazendo que a fatia surrupiada pelos sionistas sejam cada vez maior. Nesse sentido, esse arranjo econômico, que foi celebrado pelos Acordos de Oslo permitem que Israel mantenha controle, de fato, sobre as fronteiras e a soberania palestinas, ao mesmo tempo em que o isenta de responsabilidades administrativas anteriores em relação aos palestinos que são subjugados na Cisjordânia e em Gaza.
Por fim, a recusa recorrente de Israel, tanto nos fóruns internacionais – como a Assembleia das Nações Unidas ou no Conselho de Direitos Humanos da ONU – quanto por meio de atos unilaterais de Estados, de desvincular-se dos palestinos permitindo, a sua própria autodeterminação ou integrá-los a lógica de um “Estado binacional”, equivale ao desejo sionista de uma solução “sem Estado”, portanto, a consumação de um genocídio em pleno século XXI.
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