A realidade da Nova Zelândia com o covid-19. Por Graciélli Ghizzi-Hall.

Imagem Ilustrativa de congerdesign por Pixabay.

 Por Graciélli Ghizzi-Hall, da Nova Zelândia, especial para Desacato. info.

Nova Zelândia é um pequeno país com menos de cinco milhões de habitantes. Composto de ilhas localizadas na Oceania, o país encontra-se um tanto isolado geograficamente do resto do mundo. Talvez por esse motivo, Neozelandeses viajam bastante para o exterior e ao mesmo tempo o país recebe quase quatro milhões de turistas estrangeiros por ano. Ambos os fatos deixaram o país vulnerável ao coronavírus/covid-19.

Mesmo assim, o primeiro caso somente foi confirmado no dia 28 de fevereiro, coincidentemente na mesma semana que no Brasil. Esse atraso na chegada do vírus proporcionou ao governo e aos Neozelandeses a oportunidade de utilizar o resultado de pesquisas científicas e aprender através das consequências sofridas por países primeiramente afetados, como Itália por exemplo. A evidência deixou claro ao governo quanto à seriedade do problema e o mesmo agiu de maneira eficaz e responsável, decretando que ao contrário de outros países, seu plano estratégico é eliminar e não somente conter o vírus.

O Ministério da Saúde já vinha monitorando a situação mundial desde janeiro, quando estabeleceu-se o Centro Nacional de Coordenação de Saúde especialmente para responder a epidemia que corresponde ao covid-19. No início da crise o único requerimento oficial era de que, pessoas que fossem chegando aos aeroportos e portos ficassem duas semanas em isolamento. Isso desacelerou o contágio, mas não teve sucesso absoluto.

Em 19 de marco, dia que o número de casos chegou a 28, o governo decretou estado de emergência, fechou as fronteiras do país completamente e anunciou o início do “lockdown” (do português: bloqueio/ protocolo de emergência que geralmente impede que pessoas ou informações saiam de uma área), por no mínimo um mês, com possibilidade de extensão. Tudo permaneceu fechado, exceto atividades essenciais: hospitais, farmácias e supermercados. Eventos públicos foram cancelados, pessoas foram orientadas a ficar dentro de suas “bolhas” e quem tinha condições iniciou o trabalho em casa.

 Isolamento: um choque de realidade

A situação de isolamento parece ser bastante semelhante a do Brasil e por um breve período Neozelandeses ficaram em choque com a nova realidade. Porém, num momento épico na história mundial, acredito que duas coisas fazem a diferença na reação da população: liderança governamental e informação confiável. Sem esse combo, é natural que algumas pessoas respondam com descrença, medo ou revolta.

Jacinda Ardern (39 anos) é a Primeira Ministra Neozelandesa, cargo que no sistema Parlamentar equivale ao de Presidente. Suas prioridades são: justiça social, combate ao aquecimento global e parceria com a população indígena ‘Maori’ (povo nativo da Nova Zelândia).

Quando sua filha nasceu em 2018, Jacinda deu-lhe um nome Maori, refletindo o respeito que ela tem ao povo que prosperava antes do violento processo de colonização. De CNN e The Guardian a BBC e Washington Post, dezenas de meios de comunicação mundialmente renomados vem aplaudindo a maneira justa, calma, sensível e firme que Jacinda lidera o país desde que tomou posse, incluindo sua posição na crise atual. Citam-na como um exemplo a ser seguido por outros países e que não é tarde demais para esses também adotarem suas medidas drásticas para combater covid-19. Todas as tardes Jacinda faz um pronunciamento oficial ao vivo para compartilhar os dados atuais, tranquilizar a população, reassegurá-los dos planos governamentais, reprimir os que não estão seguindo as regras e responder a diversas perguntas. A informação é transmitida também via e-mail para todos cadastrados.

O governo criou uma campanha chamada “Unidos contra o covid-19”, com o objetivo principal de educar a população sobre o novo coronavírus. Por meio dela, pessoas famosas no país fizeram parceira para ajudar na conscientização pública. O website contém toda informação necessária, incluindo como obter ajuda financeira do governo, e o número *0800 serve para esclarecer dúvidas quanto a sintomas, testes, etc. Quando se iniciaram rumores sobre a possível falta de alimentos nos mercados, Jacinda relembrou a população para somente confiar em dados vindos dela e postados nesse website oficial.

Os planos estão dando certo. Com média diária de 3.300 testes, o número de casos vem diminuindo gradativamente. No dia 17 de abril, foram 1409 casos confirmados, 11 mortes e um notável número de 816 recuperados, mais da metade do total de pessoas afetadas. Jacinda afirma que o pior já passou, mas relembra a todos que um só caso pode causar um grande ‘estrago’. Com o apoio público incluindo dos donos de pequenos e grandes negócios, ela anunciou que o comércio permanecerá fechado e o distanciamento social continuará até não haver mais casos de transmissão comunitária.

A firmeza de um governo e a campanha do “ursinho de pelúcia na janela”

Jacinda é bastante firme quanto à importância da rigidez das medidas ao combate ao vírus. Até criou um e-mail para denúncias referentes às pessoas que continuam quebrando as regras de isolamento e outro para denúncias de mercados que aumentarem os preços de alimentos. Ao mesmo tempo ela ressalta a necessidade da compaixão e bondade uns com os outros nesse momento difícil. Ela apoiou a campanha do “ursinho de pelúcia”, colocando um em sua janela também. A ideia é alegrar as crianças que estão em isolamento e só podem ver a casa dos vizinhos de longe.

Quanto ao apoio financeiro, o PIB Neozelandeses é de aproximadamente NZD$340 bilhões e o pacote de investimento inicial do governo no combate a covid-19 foi de NZD$22 bilhões. Esse valor foi direcionado ao sistema de saúde, o aumento da bolsa família, subsídio para cobrir salários de funcionários afetados, redução de impostos, congelamento nos pagamentos de empréstimos bancários de casas, etc.

 Investimentos na educação

Essa semana o Ministério da Educação anunciou um investimento adicional de NZD$87.7 bilhões para apoiar professores, pais e alunos no ensino à distância em casa. Isso inclui treinamento, envio de computadores para famílias que precisam e a criação de dois canais de TV com conteúdo de aula para todas as idades, um canal sendo na língua indígena Maori.

O índice de desemprego na Nova Zelândia deve dobrar e seguir aumentando, de 4% a 8.5%. Esse é só um exemplo de como o país está sendo afetado, sócio e economicamente, como tantos outros. A previsão é que as repercussões virão ainda por no mínimo dois anos. Porém, o resultado da mais recente pesquisa eleitoral comprova que com liderança sensata, uma população bem amparada e informada se torna mais fácil fazer com que a opinião pública apoie as medidas, mesmo essas sendo difíceis de aceitar pela nova realidade que se apresenta. No dia 6 de abril, 88% dos Neozelandeses entrevistados indicaram que confiam no governo e acreditam que ele está tomando as decisões certas no combate a covid-19.

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Graciélli Ghizzi-Hall trabalha como conselheira de relações internacionais para o Ministério da Educação da Nova Zelândia e para a Comissão Nacional da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Bacharel em Antropologia Cultural e Mestre em Relações Internacionais, ambos com Distinção, da Victoria University of Wellington; sua experiência profissional inclui cargos de tutora de Ciências Políticas na Victoria University, analista de lei pra Secretaria de Educação e membra do Conselho Executivo da Associação das Nações Unidas por quatro anos. Completou o ensino básico na E.E.B São Sebastião e o ensino médio no Colégio São Miguel, interior do estado de Santa Catarina, Brasil. Em 1999 cursou o terceiro ano do ensino médio em intercâmbio cultural na Nova Zelândia, acabou por imigrar permanentemente e reside na capital Wellington.

*Correção de Claudia Weinman, para Desacato. info.

 

 

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