Por Cecilia Vergara Mattei.
Porém, em vez de aproveitar positivamente a cláusula para resolver a questão de maneira satisfatória para os três países, e que a Bolívia obtenha uma saída soberana ao mar, terminando de uma vez com as desavenças que prejudicam nossas relações, o Estado chileno prefere o caminho imobilista de perpetuar a humilhação e o ressentimento boliviano. “E com isso, indiretamente, continua também preservando a desconfiança peruano”, agrega o historiador.
As posições até agora oscilam entre aceitação acrítica das cruzadas de unidade nacional impulsadas pelo governo de Sebastián Piñera e o arremedo vergonhoso de desculpas e silêncios cúmplices, enquanto tem sido miserável até agora a atuação da Frente Ampla (FA), no sentido de não poder (ou querer) alçar uma posição única, clara e firme a respeito da questão.
O jornalista Maximiliano Rodríguez, em artigo para o Correo de los Trabajadores, recorda que, no contexto das eleições primárias, seus dois pré-candidatos presidenciais se pronunciaram sobre o tema num debate televisivo. O candidato supostamente mais à esquerda, o sociólogo Alberto Mayol, defendeu a ideia de uma troca de quilômetros quadrados por quilômetros quadrado de território, visando dar à Bolívia uma saída soberana ao mar. Ao mesmo tempo, se apurava em tranquilizar a sua audiência, explicando que o território que eventualmente cederia à Bolívia não se trataria, em nenhuma circunstância, do território que o país roubou dos bolivianos na guerra, e sim o que estaria no limite com o Peru — justamente o que está protegido pelo já mencionado Tratado de Lima. Assim, sua solução, no fim das contas, consistia em reforçar os rancores nacionais dos países vizinhos, e se colocar tal qual um Poncio Pilatos, que se omite diante de sua responsabilidade histórica.
Beatriz Sánchez, a jornalista que terminou sendo a candidata presidencial da FA, simplesmente evitou se referir ao tema, alegando que “por responsabilidade política, não poderia responder a pergunta”. Após obter 20% dos votos no primeiro turno presidencial, ela tomou uma posição: “neste caso eu não me perco, pois quando há uma resolução de Estado, como a que está se discutindo hoje, que reúne diferentes setores, a posição de Estado deve ser uma só. E é preciso respaldá-la”.
Vale recordar que a exceção do breve parêntesis da Unidade Popular, o único governo chileno que foi capaz de reconhecer que o país se anexou os territórios nortenhos através de uma iniciativa de natureza oligárquico-burguesa.
O Partido Comunista (PC), que já teve entre suas fileiras alguns destacados historiadores, que investigaram os reais interesses por trás do conflito bélico que deixou a Bolívia sem saída ao mar, hoje é dirigido por político que repetem todos os clichês da realpolitik burguesa. Dois parlamentares comunistas (Camila Vallejo e Daniel Núñez) foram convidados ao Palácio de La Moneda para um evento em que o governo pretendia mostrar unidade nacional, com a presença de todos os setores políticos apoiando a postura chilena e assistindo juntos, por televisão, a apresentação da tese do país na Corte Interamericana de Justiça, em Haia. Mas eles não compareceram – tampouco os convidados frenteamplistas participaram
O presidente do PC, Guillermo Teillier (que não acompanhou o chanceler Roberto Ampuero em sua viagem a Haia alegando razões particulares, e não políticas), disse que “nós (os comunistas) estamos a favor da política de Estado, consideramos que quando há um tema dessa envergadura nós temos que estar sempre presentes”.
Durante o governo de Michelle Bachelet, Tellier formou parte da delegação que acompanhou o ex-chanceler Heraldo Muñoz à anterior rodada de alegações em Haia. Suas declarações na ocasião ignoraram o fato que os famosos historiadores comunistas chilenos afirmam: que a origem da privação de uma saída ao mar à Bolívia foi uma guerra de rapina capitalista. Por sua parte, Carmen Hertz, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e do Comitê Assessor do ministro na demanda boliviana, disse ao portal da revista El Siglo que o PC apoia “sem condições e de forma clara” a posição oficial chilena, agregando que “temos que privilegiar a unidade nacional e não as diferenças domésticas”.
“Diante dessa decepcionante paisagem que expõe a miséria dos principais referentes institucionais da esquerda, as classes populares chilenas ficam à deriva política, abandonadas e sem defesa possível contra a inoculação de todos os venenosos preconceitos nacionalistas da burguesia”, conclui Maximiliano Rodríguez.
Ouça a música Mar para Bolívia do grupo Kala Marka:
Tradução: Carta Maior.