Por Lucas Veloso.
Um estudo exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para o Alma Preta revelou que 75,4% das vítimas de letalidade policial no Brasil são negras. Enquanto a porcentagem de não-negros ficou em 24,6%.
Na divisão por região, o Sudeste detém o maior percentual de letalidade policial, com 71% das vítimas negras. Em seguida, está o Nordeste com 53%, o Sul com 33% e o Norte com 13%.
O levantamento foi realizado com base nos dados informados pelos estados. Algumas regiões brasileiras concentram altas taxas de não informação acerca de raça e cor das pessoas. Por exemplo, os estados do Centro-Oeste não informaram os dados dessa categoria, junto com ele, o Norte segue com taxa de 85% não informado, depois o Nordeste, 39%, o Sul, 37% e o Sudeste, com 9%, a menor taxa.
O número de mortes cometidas por policiais no Brasil aumentou cerca de 20% de 2017 para 2018. A maioria das vítimas são jovens negros e pobres.
Para o bacharel em Ciências e Humanidades e pesquisador do FBSP, Dennis Pacheco, os números apontam que falar em racismo estrutural significa entender que o racismo não está apenas nas relações entre as pessoas, mas também nas instituições e nas formas de entender o mundo.
“O fato dos negros serem mais vulneráveis à violência letal, sem que haja grande mobilização social em torno disso é consequência também do racismo estrutural, que afirma o lugar do negro como dono de uma vida matável e indesejada”, analisa. “Ou seja, uma continuidade da estrutura social racista do período escravagista”.
A violência policial atinge as pessoas negras até mesmo onde elas são minoria. Por exemplo, no Sul, 74,1% dos moradores são brancos ou de outros grupos raciais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2018. Ainda assim, o número de negros mortos, 30%, quase se equipara aos brancos, em 33%.
De acordo com Pacheco, a violência contra a população negra é o elemento central da ordem social brasileira desde a escravatura. “Não surpreende que as populações negras, sendo as mais privadas de acesso à saúde, educação, infraestrutura urbana, equipamentos públicos e renda, sejam também as mais privadas de acesso à segurança pública”, conclui.
No nordeste, por exemplo, o Fórum conseguiu analisar somente 13% dos dados, pois o poder público disponibilizou as bases de dados incompletas, sem as informações de raça-cor preenchidas. De qualquer forma, na amostra, 1% das vítimas eram pessoas não-negras. O restante eram pretos ou pardos, definições que formam o grupo racial negro, conforme norma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.
Um caso de situação policial terminada em mortes aconteceu no último 30 de outubro, na Zona Sul de Manaus, capital do Amazonas. Na operação, dezessete pessoas foram executadas por policiais, na madrugada, durante ação para conter grupos criminosos, de acordo com as informações oficiais. Segundo a polícia, as vítimas eram integrantes de uma facção que planejava homicídios contra um grupo rival. Nenhum PM se feriu na ocasião.
Poucas horas depois, ao se pronunciar sobre o fato, o secretário de Segurança Pública do Estado do Amazonas, coronel Louismar Bonates, afirmou que “a polícia não mata, a polícia intervém tecnicamente”.
O coronel definiu que o caso foi o ‘maior confronto do Amazonas’, pela quantidade de mortos. Mesmo com a alegação de troca de tiros entre policiais e suspeitos, no confronto, nenhum dos 60 militares envolvidos na operação se feriu.
Segundo o pesquisador do FBSP, é preciso abolir o mito de que os altos índices de mortes violentas letais de negros são consequência do fato de sermos a maioria populacional. Ele exemplifica que em Pernambuco, 67% da população é negra enquanto o percentual de vítimas está em 90%.
“O acúmulo das vulnerabilidades de renda, infraestrutura urbana, saúde, educação, acesso a emprego, entre outras de que falei antes, localiza as populações negras nos territórios onde a presença do Estado não se faz, senão pela repressão policial”, pontua. “Faz também com que os moradores dessas áreas, majoritariamente negros, estejam mais expostos à violência”.
Resposta dos estados
A reportagem entrou em contato com o Ministério de Segurança Pública e com as 27 secretarias estaduais de segurança pública no Brasil. Os questionamentos foram sobre as ações feitas para diminuir a quantidade de negros mortos por intervenções policiais
O Governo de Tocantins respondeu que todas as ocorrências de morte decorrente de intervenção de agente do Estado são rigorosamente apuradas pela Corregedoria da Polícia Militar com a fiscalização do Ministério Público. Afirmou também que nunca se constatou qualquer tipo de ocorrência desta natureza ter acontecido devido a vítima ser negra.
A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Pará disse que realiza procedimentos policiais que independem da cor da pessoa que será abordada, obedecendo as condutas de abordagens. Também apontou que no estado, as mortes por intervenções policiais vêm reduzindo nos últimos três meses, chegando até mesmo a alcançar a diminuição de 40%, como foi o caso do mês de outubro.
Sobre os negros serem as maiores vítimas, o órgão afirmou que a pergunta é muito subjetiva e pessoal. Apesar disso, “independentemente da cor, o número maior de vítimas são aquelas que se encontram em vulnerabilidade social”. A instituição destacou o programa Territórios pela Paz, o Terpaz, projeto de assistência social em bairros pobres, “pois se entende-se que a segurança pública não se faz apenas com a polícia, e sim com ações que venham a oportunizar e transformar a vida dos que mais precisam”, defendeu.
O governo do Mato Grosso do Sul disse que no estado, até o dia 03 de novembro, houve 685 assassinatos, sendo que 61 foram causados por agentes da lei, ou seja, menos de 10% dos casos. Os casos geralmente causados por policiais são por troca de tiros com assaltantes.
Mencionou que desde 2015, Mato Grosso tem redução de assassinatos. Afirmou ainda que o trabalho policial é focado em reduzir os índices de violência, evitar mortes, combater organizações criminosas que trazem prejuízo a toda sociedade, independentemente de cor, sexo e religião. Todos são iguais perante a lei.
O Paraná só respondeu que traçar o perfil de pessoas vitimadas em confronto armado demanda estudos que ultrapassam a esfera da segurança pública, pois é necessário considerar os efeitos de outros serviços públicos que refletem direta ou indiretamente na criminalidade, como a educação, assistência social, saúde, entre outras questões.
Em São Paulo, a Secretaria disse que não comenta dados nacionais. Os demais órgaos não responderam.