Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Ninguém é ou está obrigado a se posicionar em relação a nada, no entanto, em tempos de desmontes da educação, da economia, da saúde, da cultura, do meio ambiente e, consequentemente, da precarização da vida, é, no mínimo, estranho, que uma pessoa informada, seja um/a pesquisador/a, um/a leitor/a, que ensine ou que pense, dentro e fora dos muros da academia, não teça críticas ao governo que aí está e até mesmo a legisladores/as de períodos anteriores.
Pois é, os intelectuais de cima de muro existem e são muitos! E pior, eles desempenham um papel tão reacionário quantos aqueles que, de forma escancarada, saem em defesa do que é indefensável!
Arvorados, de alguma forma e em alguma medida, na mesma base de sustentação dos alienados que pensam que pensam, os intelectuais (sim, são intelectuais e não pseudo-intelectuais, ainda que possuam algumas características neste sentido) também contribuem para a permanência mitificada de um governo que, visivelmente, se sustenta na morte (e aqui discorro em uma perspectiva profunda do termo).
Esses intelectuais estão por aí, nas redes, em algumas salas de aula e costumam agradar a gregos e troianos. De vez em quando até apresentam alguma análise aparentemente honesta e profunda, mas que, ao fim e ao cabo, não passa de discurso vazio e descompromissado no tangente aos fatos.
Ao longo do governo Bolsonaro, e bem antes da eleição, já via e ouvia os intelectuais de muro vociferando que nossas instituições eram sólidas, que independente de quem fosse eleito, não haveria terreno fértil para mudanças bruscas de desconstrução de políticas e conquistas em todos os campos, inclusive, na educação e que, segundo eles, a história havia confirmado isso, que mesmo em períodos ditatoriais e em outras formas de regimes fascistas e totalitários não houve grandes mudanças em projetos educacionais, nem no Brasil e, tampouco, em outras partes do mundo, quando a história corrobora justamente o contrário, que governos autoritários ou quase fascistas, já que estamos em tempos do quase isso, do quase aquilo, do meio caminho, operam semântico-semioticamente de forma voraz na destruição de conquistas, ainda que essa voracidade não seja percebida nem mesmo por alguns/algumas pensadores/as na temporalidade necessária para a luta.
Os tais intelectuais não percebem, por algum grau de ingenuidade (imagino ou quero imaginar), em decorrência da imaturidade intelectual, ou por maldade mesmo e isso é perigoso demais, pois sabemos que em tempos de vazio e decepção, diante da crise de leitura e da incapacidade analítica discursiva, esses operadores do discurso na rede são tão daninhos e nocivos quanto os robôs do ódio.
Em alguns momentos, os intelectuais de muro alcançam uma estética da beleza do discurso que pode conquistar até seres pensantes, mas quando analisamos o todo e a trajetória dos indivíduos e outras questões, o reacionarismo se revela.
No decorrer de minha experiência e de observações sobre os intelectuais de cima de muro, percebi que eles, em muitas ocasiões, só não são escrotos discursivo-visivelmente ao extremo para preservarem a aparência do morno, de moços inteligentes, de seres ponderados. Escondem os próprios rabos para não serem queimados nos espaços em que a inteligência ainda existe em latência e as iniciativas revolucionárias estão em efervescência. Escondem-se para não perderem espaços entre os seres que pensam. São escorregadios, difíceis de serem captados, mas alguém vivaz e inteligente sempre percebe esses seres pensantes de muro. São oportunistas, líquidos interesseiros, são de conveniências. Não querem se desconstruir nos espaços midiáticos nos quais têm voz.
Os intelectuais de cima de muro vivem numa espécie de torre de reclusão reinterpretada de Rapunzel, aprisionados e armados de seus referenciais oportunistas. Estão distantes das necessidades e realidades da pós-modernidade, das políticas emergenciais, e, diferente de Rapunzel, estão lá por vontade própria, para preservarem a imagem.
Do alto da torre, veem, mas não descem do esconderijo, da fortaleza de interesses. Do cume, até vislumbram, dado o amplo espectro de alcance da visão, mas, mesmo sabendo do impacto dos acontecimentos, não partem para uma ação, ficam no ruminar do pensar e se tornam prisioneiros das conjecturas políticas. Eles sempre dão desculpas e ficam em silêncio diante da destruição, só saem quando a situação já ficou insustentável. Não obstante, ainda não se posicionam com a profundidade que deveriam atuar. Do pedestal, se comportam não somente como uma Rapunzel às avessas, mas, principalmente, como a lagarta de Alice em um país que poderia ser das maravilhas, mas que se tornou um pesadelo diante de um rei de copas com mofo no pulmão cloroquinado, pronto a cortar a cabeça de quem o desafiasse.
Esses teóricos de muro são como a lagarta de Alice porque vivem sentados em um cogumelo gigante, alucinógeno, contemplando a fumaça originada de seus cachimbos, dando conselhos enigmáticos, mas, também, sujeitos aos efeitos da inércia, mesmo sabendo que poderiam sair do casulo e borboletear livremente e com armas para a libertação de outros.
A minha vontade é que esses intelectuais, assim como Rapunzel, que foi resgatada, para cumprir a retomada de seu governo que havia sofrido um golpe, despertassem e saíssem de suas torres contribuindo para o resgate de outros milhões de brasileiros alienados em suas torres de ignorância em decorrência dos projetos de alienação pela desinformação, pelas fakenews e pelas deepfakes.
Quem dera esses intelectuais de muro não fizessem mais parte de uma realidade que mais parece um conto de fada aterrorizante e compreendessem as necessidades de nosso país e se tornassem cônscios de seus papéis para o resgate da nação que está sendo destruída ao nível máximo por este governo inepto.
Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
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