A omissão do povo diante do golpe de estado dado contra Dilma Rousseff

Belem – PA, 30/06/2016. Presidenta Dilma Rousseff durante ato O Pará Lutando pela Democracia. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Por Alessandre Argolo.

A Constituição Federal brasileira de 1988 diz que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. É o chamado princípio da soberania popular, presente no parágrafo único do art. 1º.

Posto isso, a pergunta que deve ser feita, quando analisamos o que acontece no processo de impeachment da Presidenta da República eleita, Dilma Rousseff, é a seguinte: o julgamento pelo Senado Federal concretiza esse princípio, quando se sabe que a condenação de Dilma Rousseff acontecerá sem que ela tenha efetivamente cometido qualquer crime de responsabilidade?

A resposta óbvia é não, não concretiza a soberania popular, uma vez que a condenação proferida pelo Senado Federal implicará, neste caso, cassar a vontade popular veiculada por meio de 54,5 milhões de votos, que foram os votos dados a Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial de 2014, na qual derrotou o candidato tucano, Aécio Neves, que é um dos Senadores que julgarão Dilma Rousseff, mesmo pesando contra ele várias acusações de prática de corrupção, como se viu no âmbito da Lava Jato.

Quer dizer, o processo de impeachment, como pensado pela Constituição Federal brasileira de 1988, é um convite ao golpe de estado dado pela via parlamentar. Sempre que a conjuntura política permitir, um golpe de estado será dado no Brasil, gozando inclusive de status constitucional, já que a Constituição Federal expressamente diz que quem julga é o Senado Federal. Em outras palavras, vale o que o Senado Federal disser sobre os atos do Presidente da República serem ou não crime de responsabilidade e ninguém neste país poderá fazer nada, nem mesmo o STF, que não detém competência para mudar a decisão do Senado Federal tomada no processo de impeachment.

Nesse cenário, a vontade popular veiculada na eleição vira um nada, uma coisa marginal, mero detalhe, que pode depois ser superado, sem que o povo que votou seja chamado para participar diretamente do processo de impeachment, o que me parece uma clara contradição com o princípio da soberania popular. Ainda que a Câmara dos Deputados, órgão do parlamento que é constituído pelos chamados “representantes do povo”, detenha papel importante na deflagração do processo de impeachment, pois ela fica responsável pela admissão da acusação, o fato é que o povo termina sendo alijado do processo decisório, que se desenvolve propriamente no Senado Federal, cujos integrantes, como se sabe, representam os Estados da federação.

Trocando em miúdos, isso significa que o povo, na verdade, foi colocado de lado pela Constituição Federal brasileira quando o assunto é impeachment, sendo justamente este dado que imprime ilegitimidade ao processo e permite o que estamos presenciando: o Senado Federal implementará um golpe de estado pela via parlamentar ao condenar a Presidenta da República eleita, Dilma Rousseff, pela prática de crimes de responsabilidade, quando os atos indicados na acusação, em verdade, não são crimes de responsabilidade, como definidos em lei, principalmente quando sabemos que muitos dos atos foram e ainda são praticados por outros chefes do Executivo espalhados nas três esferas de poder, Federal, Estadual e Municipal.

O fato que afasta a ilegitimidade, mesmo neste caso, de impeachment sem crime de responsabilidade, é a omissão popular diante do resultado do julgamento. A aquiescência do povo com a condenação injusta de Dilma Rousseff torna eficaz o resultado e lhe imprime legitimidade. Se o povo que votou em Dilma Rousseff não se manifesta contra o injusto resultado do julgamento, não age efetivamente contra, ele aceita o golpe de estado. E aí não há muito o que fazer. É apenas constatar que vivemos num país onde o povo é desrespeitado em sua soberania e aceita passivamente a injustiça, a violação do princípio da soberania popular. Um povo que aceita isso não está preparado para viver num regime democrático.

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