A Olimpíada deste ano é em um país que respeita os direitos humanos? Por Francisco Fernandes Ladeira.

Pessoas em situação de rua em Paris sendo expulsas da capital e enviadas em ônibus para outras cidades francesas (sem conhecer o destino). Foto: 2023 – Dalal Mawad/CNN

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Nos últimos anos, quando um grande evento esportivo (Jogos Olímpicos e Copa do Mundo) é sediado no Sul Global ou em um país contra-hegemônico ao sistema imperialista, o discurso predominante no Ocidente (seguido fidedignamente pela mídia corporativa brasileira) levanta a pauta “violação dos direitos humanos”.

Foi assim com a China, durante a Olimpíada de 2008; e com Rússia e Catar, respectivamente, sedes das copas de 2018 e 2022.

Mesmo quando a questão dos direitos humanos não é mencionada, se o evento esportivo for no Sul Global – como os casos das copas na África do Sul e Brasil –, o discurso predominante enfatizará outros aspectos negativos (os “superfaturamentos de estádios”, por exemplo).

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Evidentemente, os países elencados acima, como quaisquer outros, possuem seus aspectos controversos. No entanto, a narrativa ocidental seria válida se também fosse aplicada à uma Copa ou Olimpíada realizada em nações desenvolvidas. Não é o que ocorre. Trata-se da velha máxima: dois pesos, duas medidas.

Na próxima sexta-feira (26/6) tem início os Jogos Olímpicos de Paris e, nos noticiários, não vamos ver, ler ou ouvir sobre “violações de direitos humanos na França”. Aliás, pelo contrário, o país é saudado como “Pátria dos direitos humanos”.

Como sabemos, a França foi uma potência colonial que promoveu a escravização de negros africanos em suas possessões ultramarinas. Isso já seria suficiente para a terra de Napoleão Bonaparte, ao longo da história, ser responsável por mais violações de direitos humanos do que China, África do Sul, Brasil, Rússia e Catar juntos.

Mesmo após a independência, algumas ex-colônias francesas no continente africano (Burquina Fasso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau e Mali, entre outras) foram levadas a uma estrutura neocolonial que, em grande medida, persiste até os dias atuais – seja na presença de tropas francesas em seus territórios, na usurpação de recursos naturais ou na ausência de autonomia financeira e monetária, por meio do controle da Paris sobre a Comunidade Financeira Africana (CFA).

Este tipo de dominação contribui decisivamente para manter a maioria da população desses países em condições de vida miseráveis, realidade que, consequentemente, não condiz ao que conhecemos como “direitos humanos”. Tudo isso sem falar no apoio do governo de Emmanuel Macron ao genocida Estado de Israel.

No cenário interno, a situação da “Pátria dos direitos humanos” não é diferente. “Liberté, Égalité, Fraternité” somente para nossos pares. Quem vê o multiculturalismo na seleção francesa de futebol talvez não imagine as condições adversas de imigrantes e seus descendentes. Aqueles que estão em situação de rua em Paris, por exemplo, foram expulsos da capital e enviados em ônibus para outras cidades francesas (sem conhecer o destino). Tal medida teria como objetivo “limpar” a sede dos Jogos Olímpicos daqueles indivíduos indesejados. É a velha “higienização social”, mais uma violação dos direitos humanos. Não é por acaso que a extrema direita é muito popular na França.

Para terminar este breve texto, é importante lembrar que o principal país-sede da próxima Copa do Mundo será os Estados Unidos, com seu histórico de sanções econômicas, sabotagens, assassinatos de presidentes, golpes de Estado mundo afora, espionagem, bombas atômicas, guerras, invasões e violência policial contra negros. Será que veremos nos noticiários algo sobre violação de direitos humanos nos Estados Unidos? Ou isso só vale para Catar, China e Rússia?

Vamos aguardar!

Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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