A mídia brasileira e o banho de sangue na Faixa de Gaza

Captura de tela do G1

Luis Felipe Miguel em 15/5/2018

Enquanto a imprensa brasileira fala em “confronto”, Le Monde diz “banho de sangue” e The Guardian, “matança israelense de manifestantes palestinos”.

Estou esperando que os defensores brasileiros de boa-fé do Estado de Israel – por ingenuidade ou vulneráveis à campanha de desinformação sionista – se pronunciem em repúdio ao massacre em Gaza. Até agora, pelo menos nas redes sociais, o deputado se mantém calado. Com isso, vai ficando difícil sustentar o “de boa-fé” da minha caracterização.

ISRAEL MASSACRA; ISRAEL NÃO VENCERÁ
Como surgiu a incrível revolta palestina, que desafia Telavive com danças, jogos de futebol e amor? Por que ela é recebida a tiros? Seria a brutalidade um sinal de fraqueza?
Juan Carlos Escudier, via Outra Palavras em 16/5/2018

A ideia teria sido lançada por um jornalista e ativista palestino chamado Ahmed Abu Artima, 34 anos, que só pode sair da Faixa de Gaza em duas ocasiões, para visitar sua mãe no Egito. “Que ocorreria”, ele perguntou-se ingenuamente num post do Facebook, “se milhares de habitantes da Faixa, em sua maioria refugiados, e seus descendentes, se aproximassem desarmados da cerca que os separa de Israel e tentassem cruzá-la, em cumprimento à Resolução 194 das Nações Unidas – aquele que assegura o livre acesso a Jerusalém, sua desmilitarização e o direito dos refugiados a regressar a seus lares prévios à guerra árabe-israelense de 1948?

Seriam cravejados de balas.

Nascia assim a chamada Grande Marcha de Retorno, concebida como um protesto pacífico e até lúdico, com tendas erguidas junto à fronteira, onde se bailaria o dabke, se disputariam partidas de futebol e até se celebrariam casamentos. Seria uma maneira de denunciar a crise humanitária que Gaza vive, devido ao bloqueio que padece há mais de dez anos, e de exigir o direito de 5 milhões de refugiados palestinos a voltar, finalmente, do exílio.

Apoiadas pelo Hamas – o que é sempre a desculpa de Israel para transformar qualquer ação em um “ataque terrorista camuflado” –, as mobilizações semanais tinham deixado, desde março, cerca de cem mortos. Até esta segunda-feira em que o Estado hebreu comemorava o 70º aniversário de sua criação e os palestinos, os 70 anos de sua catástrofe (a Nakba) e o imperador de topete decidia abandonar o Direito internacional e abrir em Jerusalém a nova embaixada dos EUA, como bolo de aniversário. Enquanto a bela Melania declarava inaugurada a pantanosa representação, mais de 50 palestinos eram abatidos a tiros e cerca de 2 mil caíram feridos. “Um grande dia para Israel”, tuitou Trump em meio ao massacre.

Denunciar este banho de sangue, estes crimes sem sentido e esta desproporção irracional no uso da força converte a quem o faz em um “antissemita”, segundo as normas da propaganda de Israel. Antissemitas são os que julgam imoral manter um muro de 700 quilômetros que consagra o apartheid, ou os que pensam que Gaza é um cárcere em que vivem quase dois milhões de pessoas, em condições sub-humanas, com menos de cinco horas de eletricidade por dia e água contaminada em seus poços.

Gaza – tais são as previsões das agências da ONU presentes na área, será inabitável a partir de 2020. Os palestinos cometeram, e seguem cometendo, múltiplos erros. Foram vítimas de sua própria autofagia. Mas continuam como a parte mais frágil de um conflito eternizado, que deixou de aparecer na primeira página da agenda internacional – exceto quando o sangue empapa tudo. Nos últimos anos, a estratégia de Israel manteve-se invariável: não negocia nada com os que qualifica de “terroristas” ou debilita seus interlocutores para impor sua política de fatos consumados.

Consciente de que o “Grande Israel” é impossível e de que terá de aceitar a presença palestina, seu plano passa por diminuí-la e separar fisicamente as comunidades árabe e judia. É que – como confessava em sua época o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert, “se um dia a solução dos dois Estados fracassar, e nos depararmos com uma luta ao estilo sul-africano, pela igualdade do direito ao voto, o Estado de Israel estará acabado”. A única bomba eficaz dos palestinos é a demográfica.

É isso, precisamente, o que ativistas como Abu Artima pretendem detonar, com suas mobilizações. “Não acredito” – explica ao The Guardian – na libertação (da terra de Israel). Creio em acabar com o apartheid, e que vivamos todos em um Estado democrático. Quero viver com os israelenses”. Seu protesto é muito mais perigoso e demolidor que os foguetes caseiros do Hamas. Daí a brutalidade de uma resposta que pode, a qualquer momento, inscrever-se numa marcha com anciãos, mulheres e crianças na primeira linha de fogo.

Tradução: Antonio Martins.

Juan Carlos Escudier é escritor, jornalista espanhol e colunista do jornal digital Público.es.

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