A integração a partir da construção da identidade cultural latino-americana brasileira nas práticas e saberes na Unila

unila

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

A função social do saber em operação nas fronteiras nos diálogos entre povos latino-americanos na Unila propicia a construção do conhecimento por meio de epistemologias próprias do Sul e tal fator é crucial para a descolonização do design mental latino-americano-brasileiro.

A integração a partir dos construtos da identidade cultural latino-americana brasileira pelas práticas e saberes na Unila desponta como um fenômeno de estudo instigante e importante, partindo-se do pressuposto de que a universidade da integração oferece essa condição de saber dialógico que pode contribuir para que o brasileiro tome consciência de que além de brasileiro é latino-americano, na mistura de culturas, na polifonia dos sentidos fronteiriços, a partir de práxis e conhecimentos entre sociedades plurais, pertencentes a sistemas político-culturais distintos, mas, ao mesmo tempo, parecidos.

A localização político-pedagógica da Unila é um espaço profícuo para a compreensão dos trânsitos culturais que ocorrem no entre mesclar pedagógico crítico de atores sociais de aprendizagens plurais. Na pós-modernidade, processos como os descritos anteriormente, surgem arvorados no conceito de interculturalidade, termo usado para classificar a convivência democrática entre culturas múltiplas, portanto, diferentes, buscando a integração sem a anulação da diversidade cultural entre os povos.

Na fronteira, mais especificamente, na Fronteira Trinacional, as tensões nos contatos entre povos com culturas que se encontram, mas que, ao mesmo, tempo, diferem-se através da língua, na forma de conceber e enxergar o mundo geram o acontecimento discursivo e, consequentemente, a troca, a partilha e a construção de novas sensações e percepções sócio-político-econômico-culturais significantes, significativas e significadoras em coletividade.

No cotidiano acadêmico das práticas de saberes na Unila, pelo encontro intercultural com discentes de diversos países do Continente, de docentes e de técnicos administrativos do Brasil, o aluno brasileiro encontra na universidade da integração a possibilidade de repensar a própria construção da nacionalidade e, mais importante que isso, de refletir acerca da necessidade do latino-americanizar-se para integrar-se, com vistas à produção de saberes e epistemes em parceria.

No cenário global hodierno, as fronteiras tornam-se cada vez mais líquidas, fluídas e o fenômeno da integração desponta como necessidade não somente para o crescimento econômico, mas, principalmente, para o encontro de povos, línguas e culturas.  Na integração de povos surge o novo e as diferenças, e estas, em vez de causarem estranhamentos e preconceitos, podem contribuir para o princípio da criatividade e da cultura da mudança. Diante do novo, o nacionalismo, necessariamente, não precisa ser anulado; ao contrário, surge como ponto de partida para outros olhares/análises e, assim, ser ponte para outras arquiteturas culturais propiciadoras de conhecimento em rede de pertencimento cultural.

As realidades históricas, linguísticas, políticas, sociais e econômicas da região fronteiriça Brasil-Paraguai-Argentina, espaço no qual se instalou a Unila, configuram-se como lócus de pesquisa para análises profundas em torno da dimensão das vozes plurais, logo, polifônicas, a partir das culturas em contato e como esse encontro possibilita a produção de conhecimento e de transformação sócio-político-econômica nas comunidades fronteiriças.

Diante do estudo dos elementos da identidade e da cultura pode-se compreender o poder do reconhecimento da identidade coletiva para integração e como tal fator opera a mudança na cultura local pela própria linguagem dos sujeitos em ação e atuação em espaços de vivência e de mudança efervescente do ser local para a consciência do nacional para o homem de um continente.

O lócus da UNILA e seu projeto de produção de conhecimento na fronteira é um objeto científico de estudo importante para entender até que ponto o trânsito cultural na pedagogia na fronteira possibilita a construção, formação e constituição da latino-americanização do aluno brasileiro na integração de saberes, além de verificar quais políticas podem ser repensadas e colocadas em prática para que o encontro de povos propicie um novo olhar em rede e, assim, produza saberes em ação transformadora para além do espaço em questão, atingindo dimensões ainda maiores como todo o MERCOSUL e, até mesmo, em projeções como a UNASUL, a partir de epistemologias próprias, desvinculadas de visões epistemológicas deslocadas emprestadas do Norte.

O Brasil, por suas peculiaridades, mesmo que possua uma história parecida com a de países vizinhos pertencentes ao MERCOSUL e, também, com a de outros países latino-americanos, distancia-se em alguns pontos como a língua, a geografia e até de elementos históricos específicos importantes para o imaginário e construção de uma nacionalidade brasileira. Esses distanciamentos são responsáveis por noções sobre o ser latino ou não sê-lo na memória coletiva do povo brasileiro. Sabe-se que essa imagética de pertencimento ao mundo latino, seja cultural, social, histórica e, quiçá, econômica, está muito mais presente no discurso de povos dos países vizinhos do que na consciência do brasileiro, o que, no mínimo, é preocupante, pois em tempos globalizantes, o encontro de povos pode ser a válvula para o progresso, despertando a emancipação do elemento criativo e, principalmente, o sentimento de coletividade a partir de aportes empíricos sociais em conjunto, pluralidade de olhares e enfoques, novas formas de organização, aparecimentos de novas demandas e dinâmicas de desenvolvimento e produção socioculturais, reconfiguração de sujeitos em cena entre nações e não somente no seio interno do nacionalismo, construção de novas identidades coletivas mais complexas, geração de novos direitos culturais e ampliação do campo participativo nos marcos de novas formas e arquiteturas de poder.

Ainda que a consciência de ser latino-americano não esteja presente na discursiva de muitos atores sociais no Brasil, que, quando indagados sobre uma identidade latina, afirmam-se brasileiros e desconhecem o sentido de coletividade em continente, a Carta Magna Brasileira, de 1988, traz em seu bojo e corpus o objetivo de unidade com os povos irmãos no Continente. No entanto, ainda que na Constituição haja espaço para essa proposta integrativa, de 1988 até a hodiernidade, o sonho de integração não avançou muito e o Mercado Comum do Sul, porta-voz para a integração, passou por alguns entraves burocráticos e políticos que impediram a consolidação de uma identidade entre povos.

O Brasil, ao que tudo indica, começou a colocar em prática o sonho de integração, seja pela consolidação, em parte, do MERCOSUL, seja pelo projeto da UNASUL, pela tentativa de criação da Universidade do MERCOSUL, canal que seria imprescindível para a geração de conhecimento no Bloco que se pretende muito mais que união aduaneira, um corredor de livre circulação de pessoas com suas culturas e olhares sobre a existência; a existência de tal instituição geraria a cultura do saber em rede, partindo-se do pressuposto de que o conhecimento transforma, mas que, infelizmente, não vingou, de fato, por conta das diferenças nos sistemas educacionais entre os países envolvidos, diferenças estas que, de per se, já corroboram que o sonho de integração ainda não ocorreu nem em vias mínimas. No entanto, a luta por uma integração, ainda que tenha fracassado no plano burocrático no que tange aos emperramentos de sistemas díspares de produção de saberes, ganhou força com a criação de um centro de pesquisa, extensão e ensino na fronteira, com o aval da nação brasileira, que, como potência econômica em consolidação na região, criou a UNILA, uma Instituição comprometida com a integração latino-americana, a partir de fundos e investimentos somente brasileiros, mas que, mesmo assim, recebe estudantes de países do MERCOSUL, principalmente, da Argentina, Uruguai e Paraguai, com o objetivo precípuo de proporcionar o encontro de povos, línguas, culturas e aprender com isso.

Diante de uma instituição universitária em vias de consolidação na Fronteira Trinacional, a construção da integração pode ocorrer para além da noção de Estado, ou seja, por meio da própria sociedade, a partir da construção da identidade cultural latino-americana brasileira nas práticas e saberes na universidade. Por meio do discurso, novas perspectivas e percepções sobre o ser latino-americano em operação se remodelam e se constroem a partir do contato com o outro em regiões fronteiriças. Essa mudança de visão cultural constrói a identidade latino-americana brasileira propiciadora de uma visão de necessidade em torno da integração como alternativa para o desenvolvimento em conjunto, em coletivo, por meio de soluções em parceria.

Enfim, a Unila, pela localização geopolítica de aprendizagem, cruza saberes do continente na confluência de povos e possibilita a construção e constituição de novas identidades, dentre elas, a de ser latino-americano e esse é um dos caminhos para a integração.

Elissandro dos Santos Santana é colunista da área socioambiental, tradutor e colaborador do Portal Desacato e especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais.

Imagem: Revistapeabiru.

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