Por. Patricia Fachin
Se o Projeto de Lei que institui regras para a mineração em Terras Indígenas – TI, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no início do mês passado, for aprovado pelo Congresso, praticamente todas as TI serão exploradas. Segundo Bruno Milanez, “existem mais de 4.300 processos minerários incidindo sobre TIs, dos quais 87,5% se concentram no Pará, Amazonas e Roraima”. A região, diz, é considerada a “atual fronteira mineral no Brasil”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, o engenheiro explica que a Constituição de 88 é ambígua em relação à mineração em TI, porque, de um lado, afirma que os recursos minerais são bens da União, mas, de outro, determina que cabe aos povos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo e dos rios que se encontram nas terras tradicionalmente ocupadas.
Na avaliação do engenheiro, a mineração em TI é indesejada por conta dos efeitos que pode gerar na vida das comunidades. “A questão chave desse processo é que a degradação ambiental causada pela extração mineral (desmatamento, poluição dos rios, degradação da paisagem, inviabilidade da caça e da pesca) inviabiliza a manutenção das práticas tradicionais de subsistência e os povos indígenas se tornam cada vez mais dependentes da economia mineral. Uma vez que a reserva mineral se exaure, não há alternativa de sobrevivência para esses povos”, argumenta.
Autor do estudo intitulado “A fumaça dos minérios: experiências internacionais de mineração em Terras Indígenas”, publicado recentemente, Milanez explica como se deu o processo de mineração em TI na Austrália, Canadá e EUA e quais os impactos dos empreendimentos para as comunidades. “O que as pesquisas indicam é que nesses países o que se procurou fazer, principalmente, foi adequar os povos indígenas às operações e não avaliar como uma operação de mineração poderia se ajustar ao modo de vida indígena. Assim, o que se vê é a desestruturação de sociedades que vivem há milênios em um determinado território, para dar lugar a projetos econômicos com uma expectativa de duração de poucas décadas”, relata.
Bruno Milanez é graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar e doutor em Política Ambiental pela Lincoln University. Leciona na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em fevereiro deste ano, o presidente Bolsonaro assinou o Projeto de Lei que autoriza a exploração mineral, produção de petróleo, gás e geração de energia elétrica em terras indígenas, o qual será analisado pelo Congresso. Como o senhor avalia o PL e o contexto em que ele é proposto?
Bruno Milanez – O processo de demarcação de Terras Indígenas – TIs já vinha sendo freado nos últimos anos no país. De acordo com dados compilados pelo Instituto Socioambiental – ISA, em termos de número de homologação de TIs, passamos de 145 no governo FHC para 87 no mandato do Lula, 21 durante o período Dilma e apenas uma durante a administração Temer. Ainda segundo o ISA, o Brasil tem um total de 486 TIs homologadas ou reservadas; por outro lado, há 237 terras em alguma etapa do processo de demarcação. Isso sem contar aquelas cujo processo de identificação não foi iniciado. O país ainda tem um longo caminho a percorrer para diminuir, ao menos nesse aspecto, as injustiças históricas que foram impostas aos povos indígenas.
Ao mesmo tempo, olhando para os governos passados, nenhum foi tão abertamente contrário à demarcação de TIs quanto Jair Bolsonaro. Desde o período da campanha eleitoral, seus discursos demonstravam sua posição contrária aos direitos territoriais dos povos indígenas. Desafiando a Constituição Federal, que estabelece que compete à União demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas, ele afirmava que não teria “um centímetro quadrado demarcado”.
IHU On-Line – O que a Constituição de 1988 determina sobre a mineração em terras indígenas?
Bruno Milanez – Essa pergunta exige uma resposta longa e difícil; posso fornecer alguns elementos, mas toda a sua complexidade seria melhor apresentada por alguém com formação em Direito. Existem ambiguidades e contradições na redação da Constituição, particularmente porque não se encarou a atividade mineral a partir de uma perspectiva de Rede de Produção e, provavelmente, o tema demandará longos debates nos tribunais.
Segundo a Constituição, os recursos minerais são bens da União; ela ainda define a necessidade de uma lei que estabeleça as condições específicas do aproveitamento mineral, quando ele ocorrer em TIs. Ao mesmo tempo, o texto constitucional afirma que tal aproveitamento somente pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades e assegurada a sua participação nos resultados de lavra.
Por outro lado, também é definido pela Constituição que cabe aos Povos Indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo e dos rios que se encontram nas terras tradicionalmente ocupadas. Ela ainda anula atos que autorizem a exploração de tais riquezas, excluindo situações de relevante interesse público, de acordo com lei complementar.
Parte do imbróglio jurídico se dá pelo fato de empresas mineradoras necessitarem, para explorar os minérios, construir estradas, alojamentos, aeroportos, ferrovias, pilhas de estéril, barragens de rejeito, estações de captação de água etc. Muitos dos PLs apresentados ao Congresso, assim como aquele elaborado pelo atual governo, tratam de Lei Ordinária e se debruçam exclusivamente sobre o aproveitamento mineral. Por outro lado, eles deixam de lado toda a questão associada à infraestrutura de apoio e ao uso das riquezas hídricas e do solo, pois isso precisaria ser definido por Lei Complementar. É importante frisar que procedimentos para aprovação de Lei Complementar são distintos daqueles exigidos por uma Lei Ordinária.
Um outro problema que já foi identificado no PL apresentado pelo governo refere-se ao fato de ele retirar do Congresso o poder de autorizar a extração mineral em TIs. Segundo o texto, se o Congresso não se manifestar proibindo um determinado projeto mineral em um prazo estipulado, o projeto se tornaria automaticamente autorizado. Essa determinação iria contra o que foi estabelecido pela Constituição.
IHU On-Line – No seu estudo intitulado “A fumaça dos minérios: experiências internacionais de mineração em Terras Indígenas”, o senhor menciona que desde a promulgação da Constituição de 1988 houve diferentes tentativas de legalizar a mineração em terras indígenas, e desde aquela época já foram apresentados ao menos 20 Projetos de Lei sobre o tema. Pode nos dar alguns exemplos desses PLs? Em que aspectos eles se aproximam ou se diferenciam do PL assinado pelo presidente Bolsonaro?
Bruno Milanez – Os PLs específicos sobre mineração que identifiquei tramitando na Câmara dos Deputados têm o mesmo vício de origem: não foram devidamente discutidos com os Povos Indígenas. Esses PLs consistem em mais uma tentativa de pessoas não indígenas imporem sua vontade sobre os Povos Indígenas sem respeitar seu direito de elaborar as prioridades e estratégias para o seu desenvolvimento; algo que é definido pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Sem entrar em detalhes sobre cada um dos PLs mencionados, eles são variações sobre o mesmo tema e tentam regulamentar o artigo nº 231 da Constituição. Entre outras coisas, eles se propõem a definir quando e como os Povos Indígenas seriam consultados, qual seria o percentual da participação nos resultados de lavra, que instituição seria responsável por gerenciar esses recursos e o que ocorreria com os pedidos de pesquisa e lavra já feitos.
A única proposta que identifiquei que se distingue é a proposta do Estatuto dos Povos Indígenas, elaborada pela Comissão Nacional de Política Indigenista e concluída em 2009. Essa proposta, que foi discutida com representações de diferentes Povos Indígenas, tem um capítulo inteiro sobre mineração em TIs. Porém o governo federal, em vez de adotar esse documento como ponto de partida, optou por ignorar o debate acumulado e apresentar um PL baseado na sua visão de como deveria se dar a exploração mineral em TIs.
IHU On-Line – Em quais terras indígenas ou em que percentual das terras indígenas há possibilidade de exploração mineral?
Bruno Milanez – Cerca de 98% da área de TIs demarcadas se localiza na Região Amazônica. Como é aí que se encontra a atual fronteira mineral no Brasil, existe grande sobreposição entre as áreas demarcadas e os requerimentos de direito mineral. Em quase todas as TIs há algum tipo de interesse mineral; existem mais de 4.300 processos minerários incidindo sobre TIs, dos quais 87,5% se concentram no Pará, Amazonas e Roraima.
Determinar onde a situação é mais crítica depende da ótica adotada. Novamente utilizando dados do ISA, vemos que na TI Yanomami (RR, AM) são 449 processos minerários, na TI Menkragnoti (PA, MT) 374, e na TI Baú (PA) 214. Os dados sugerem a quantidade de pessoas e empresas interessadas em entrar nesses territórios. Por outro lado, se olhamos a realidade das TIs Baú, Rio Paru d’Este (PA) e Xikrin do Cateté (PA), vemos o grau de vulnerabilidade desses povos e a pouca preocupação do Estado em garantir seus direitos; nessas TIs os pedidos de direitos minerários equivalem a 100% de sua extensão.
IHU On-Line – Como tem se dado o debate técnico, acadêmico e político sobre a mineração em terras indígenas no Brasil?
Bruno Milanez – Infelizmente o debate ainda tem se dado de forma muito teórica e carece de embasamento empírico. Em sua grande maioria, os estudos publicados no Brasil deixam de lado a análise e se limitam a uma perspectiva normativa. Assim, em vez de estudar como esses processos ocorreram e quais impactos geraram nos países latino-americanos ou naqueles de tradição Anglo-saxã, esses estudos focam em dizer como acreditam que a norma brasileira deveria ser. Alguns têm uma visão primordialmente doméstica e se baseiam na comparação das propostas existentes de legislação; já aqueles que olham para os outros países, normalmente, se restringem a uma leitura das leis existentes e não avaliam seus reais efeitos sobre os diferentes povos indígenas.
IHU On-Line – Os defensores dos direitos indígenas sempre argumentam que os empreendimentos que podem gerar impacto às comunidades indígenas precisam levar em conta a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, segundo a qual os indígenas devem ser consultados acerca dos empreendimentos. Por que, no seu estudo, o senhor pontua que “a simples adoção nominal do preceito de Consentimento Prévio não parece ser suficiente para garantir que os Povos Indígenas exerçam de forma efetiva o seu poder de veto sobre projetos de extração mineral”? Novos mecanismos são necessários? Em que sentido?
Bruno Milanez – O direito à Consulta Prévia, sem o poder de veto, é o que vem sendo implementado nos demais países e gerado os impactos negativos e os conflitos que já mencionei. Tanto a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, quanto a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas já foram além da questão da Consulta Prévia e propõem a necessidade do Consentimento Prévio.
Porém, mesmo essa ideia de Consentimento Prévio já foi cooptada e adulterada. Por exemplo, a Internatinal Finance Corporation – IFC, entidade do sistema Banco Mundial, defende a necessidade de Consentimento Prévio, mas afirma que o consentimento não requer unanimidade. Isso vai de encontro à tradição de muitos povos indígenas, em que as decisões exigem consenso; ainda possui grande risco de gerar disputas internas dentro das comunidades. Da mesma forma, o International Council on Mining & Metals – ICMM, a associação global das corporações mineradoras, afirma defender o Consentimento Prévio, mas ressalva que, quando um acordo não é alcançado, o governo deve decidir.
Dessa forma, meu alerta é para o fato de que ter uma lei que apenas mencione a necessidade do Consentimento Prévio não parece mais ser suficiente. É importante também atentar qual o poder associado a esse Consentimento e em que condições ele deverá ser alcançado. Caso contrário, existem brechas para que o Consentimento se torne apenas uma palavra vazia.
IHU On-Line – No estudo, o senhor faz uma comparação entre os processos de negociação e os impactos criados por atividades de extração mineral em terras indígenas em três países: Austrália, Canadá e EUA. Por quais razões argumenta que a regulamentação da mineração em terras indígenas, como sugere o presidente Bolsonaro, acaba por gerar mais prejuízos do que benefícios para os indígenas?
Bruno Milanez – Essa não é uma constatação minha, mas sim dos trabalhos que analisei. Em termos gerais, o que as pesquisas indicam é que nesses países o que se procurou fazer, principalmente, foi adequar os povos indígenas às operações e não avaliar como uma operação de mineração poderia se ajustar ao modo de vida indígena. Assim, o que se vê é a desestruturação de sociedades que vivem há milênios em um determinado território, para dar lugar a projetos econômicos com uma expectativa de duração de poucas décadas.
A questão chave desse processo é que a degradação ambiental causada pela extração mineral (desmatamento, poluição dos rios, degradação da paisagem, inviabilidade da caça e da pesca) inviabiliza a manutenção das práticas tradicionais de subsistência e os povos indígenas se tornam cada vez mais dependentes da economia mineral. Uma vez que a reserva mineral se exaure, não há alternativa de sobrevivência para esses povos.
IHU On-Line – Como foi feito esse estudo e como ocorre tanto o processo de negociação entre governos, empresas e indígenas, quanto a formulação e a operacionalização desses acordos em cada um desses países?
Bruno Milanez – O estudo foi baseado exclusivamente na revisão bibliográfica de pesquisas desenvolvidas nesses países sobre o tema. Idealmente ela deveria ter sido complementada pela coleta de dados primários, porém o tempo exíguo para realizá-la (devido à urgência do debate) e a escassez de financiamento para pesquisa científica no país impediram a realização de viagens de campo.
Ao longo do estudo, procuro contextualizar um pouco a história de ocupação de cada um dos países e como isso influenciou a evolução dos arranjos institucionais em cada um deles. Apesar de suas especificidades e por terem passado por etapas jurídicas diferenciadas, os três países se encontram hoje em um estágio no qual, de forma geral, empresas mineradoras têm acesso garantido aos recursos minerais existentes nas TIs, sendo permitido aos povos indígenas negociar diretamente com as mineradoras as circunstâncias nas quais essa extração irá ocorrer. Portanto, o que existe essencialmente é o direito de consulta, não havendo a possibilidade de recusa dos projetos.
Além disso, o que se vê é que o ambiente de negociação é consideravelmente desigual e favorece de forma desproporcional as empresas mineradoras. Não é incomum que acordos possuam cláusulas de confidencialidade, que impedem que povos indígenas estruturem conjuntamente sua posição, mesmo quando lidando com a mesma mineradora. Ainda há cláusulas que proíbem a crítica pública contra as empresas, criando um ambiente de aparente consentimento. Outra prática identificada é a cooptação de lideranças indígenas para intermediar as negociações.
As mineradoras também lançam mão de estratégias sofisticadas para reduzir a oposição. Considerando as lutas por reconhecimento de seus direitos, os povos indígenas nesses países valorizam consideravelmente sua autonomia e soberania. Há casos de empresas que têm se valido disso, criando fóruns de discussão específicos com esses povos, e indicando representantes indígenas para ocupar cargos em Conselhos, mesmo que esses representantes não tenham poder de interferir de fato nas decisões. Essa participação simbólica criaria um sentimento de que seus direitos estão sendo respeitados e diminuiria a resistência aos projetos.
IHU On-Line – Quais foram as consequências desse processo em cada um dos países estudados?
Bruno Milanez – A lista dos impactos socioambientais da extração mineral nos países estudados é bastante extensa. Em termos gerais eles podem ser organizados em impactos de curto prazo e impactos de longo prazo.
Em termos de curto prazo, uma questão que vem chamando a atenção dos povos indígenas diz respeito às barragens de rejeito. Em 2014, ocorreu o rompimento da barragem de Mount Polley, que se localizava no território tradicional da Nação Secwepemc (na Colúmbia Britânica, Canadá). Esse rompimento lançou rejeitos da mineração de ouro e cobre no Lago Quesnel, comprometendo o abastecimento e a pesca dos povos que lá vivem. Outro impacto imediato que muito é discutido nesses países é o aumento da violência. Como muitos dos projetos ocorrem em áreas remotas, os trabalhadores vivem em alojamentos onde não é incomum o abuso de álcool e drogas. O aumento da exposição a essas substâncias é um risco para os povos indígenas, além da ocorrência de práticas racistas e de atos violentos contra mulheres indígenas.
Dentre os impactos de longo prazo, aquele mais comumente mencionado diz respeito à contaminação e ao abandono de minas e barragens de rejeito sem as devidas ações de recuperação ambiental. Olhando para projetos iniciados há mais tempo, existem casos onde a exaustão das reservas levou ao desmonte da infraestrutura após a saída das empresas mineradoras, incluindo hospitais, o que aprofundou a depressão econômica nas regiões mineradas.
IHU On-Line – Que semelhanças e diferenças existem no modo como esses países trataram a mineração em terras indígenas em relação à maneira como essa atividade tem sido proposta no Brasil?
Bruno Milanez – Analisando de forma comparativa, o que se percebe é que a proposta apresentada em fevereiro ao Congresso Nacional muito se assemelha à Lei de Concessão Mineral Indígena, que foi adotado nos EUA em 1938. Em outras palavras, o modelo apresentado pelo governo federal nasceu velho. Além disso, é um modelo obsoleto, pois ele foi muito questionado nos EUA, tendo sido substituído há quase 40 anos, em 1982, por não atender as expectativas dos povos indígenas.
Isso não quer dizer que os modelos adotados nos países estudados sejam ideais; na verdade, eles apresentam uma série de problemas. Porém, chama a atenção o fato de o governo, em vez de tentar melhorar ou adaptar as propostas mais atuais, ter optado por um arcabouço claramente superado. Não é claro o motivo dessa escolha, ela pode ser associada a uma limitada competência dos técnicos envolvidos na elaboração da proposta, à baixa preocupação do governo em propor um modelo que beneficie os povos indígenas, à motivação de apenas criar um fato político para atender a demandas de um grupo social específico, sem a preocupação da real implementação da lei, ou a algum outro fator que não consigo enxergar no momento.
IHU On-Line – Como a experiência desses três países pode servir de referência para o Brasil tratar dessa questão?
Bruno Milanez – Como mencionei, nenhum dos casos pode ser considerado ideal e todos os países estudados apresentam problemas. Um dos elementos que os três têm em comum é a imposição dos projetos minerais aos povos indígenas, uma vez que é garantido apenas o direito de consulta e não de veto. Ao mesmo tempo, em todos os países, vemos a força da ligação que os povos indígenas têm com seu território e a sua capacidade de criar oposição e resistências aos projetos. Segundo alguns autores, a regulamentação dos acordos entre mineradoras e povos indígenas nesses países teria como um de seus objetivos garantir a segurança jurídica para os projetos. Porém, segurança jurídica não quer dizer ausência de contestação e conflitos.
Acima, eu falei um pouco dos impactos dessa imposição sobre os povos indígenas. Para as empresas, uma consequência dessa forma de regulamentação tem sido o aumento dos custos da implantação dos projetos. Existe uma ampla literatura que mostra o quanto conflitos socioambientais se traduzem em elevação de despesas para as empresas. Esses custos têm diferentes naturezas: atrasos no cronograma de implantação, dispêndios com advogados, gastos com seguro etc. Um caso famoso no Canadá ocorreu nos anos 2000, na província de Ontário, onde a empresa Platinex tentava implantar um projeto no território da Nação Kitchenuhmaykoosib Inninuwug. Depois de quase dez anos de ações na justiça, mobilizações, bloqueios, julgamentos etc., a empresa desistiu do projeto e processou o governo da Província, que acabou pagando C$ 5 milhões [de dólares canadenses] à empresa a título de compensação. Também no Canadá, outro exemplo mais recente é o do gasoduto que está sendo construído através do território da Naão Wet’suwet’em. Embora não seja diretamente relacionado à mineração, ele mostra como essas questões são complexas. Não apenas a construção do gasoduto passou por um longo período de interrupção, como o conflito gerou uma série de bloqueios de ferrovia ao redor do país em apoio ao Povo Wet’suwet’em.
Portanto, essas experiências indicam que, além dos impactos negativos sobre os povos indígenas e seus territórios, a opção de impor projetos extrativos tende a gerar longos conflitos que acabam não apenas por inviabilizar os investimentos, como também gerar elevados custos para o país como um todo. Assim, faria muito mais sentido pensar em um processo que, desde o início, dialogasse com os povos indígenas e considerasse a posição que eles têm sobre a possibilidade de atividades minerais em seus territórios.