A Europa adormecida em seus próprios dilemas. Por Vijay Prashad.

Imagem de TheAndrasBarta em Pixabay

Por Vijay Prashad.

No dia 19 de março de 2024, o chefe das forças terrestres da França, general Pierre Schill, publicou um artigo no jornal Le Monde, com um título conciso: “O Exército está pronto”. Schill iniciou sua carreira durante as aventuras ultramarinas da França na República Centro-Africana, Chade, Costa do Marfim e Somália. Nesse artigo, o general Schill escreveu que suas tropas estão “prontas” para qualquer confronto e que ele poderia mobilizar 60 mil dos 121 mil soldados da França em um mês para qualquer conflito. Ele citou a antiga frase em latim – “se você quer paz, prepare-se para a guerra” – e depois escreveu: “As fontes de crise estão se multiplicando e trazem consigo o risco de se agravarem ou se estenderem”. O general Schill não mencionou o nome de nenhum país, mas ficou claro que sua referência era à Ucrânia, já que seu artigo foi publicado pouco mais de duas semanas após o presidente francês Emmanuel Macron afirmar, em 27 de fevereiro, que as tropas da OTAN poderiam ter de entrar na Ucrânia.

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Poucas horas depois de Macron fazer sua indelicada declaração, o conselheiro de Segurança Nacional do presidente dos EUA, John Kirby, disse: “Não haverá tropas dos EUA em solo em um papel de combate na Ucrânia”. Foi uma declaração direta e clara. A visão dos Estados Unidos é pessimista, com o apoio à Ucrânia diminuindo muito rapidamente. Desde 2022, os EUA forneceram mais de 75 bilhões de dólares em ajuda à Ucrânia (47 bilhões em ajuda militar), de longe a assistência mais importante para o país durante sua guerra contra a Rússia. No entanto, nos últimos meses, o financiamento dos EUA – especialmente a assistência militar – tem sido retido no Congresso dos EUA por republicanos de direita que se opõem à concessão de mais dinheiro à Ucrânia (o que é menos uma posição sobre a geopolítica e mais a afirmação de uma nova atitude dos EUA de que outros, como os europeus, devem arcar com o ônus desses conflitos). Enquanto o Senado dos EUA aprovou uma verba de 60 bilhões de dólares para a Ucrânia, a Câmara dos Deputados dos EUA só permitiu que 300 milhões fossem aprovados. Em Kiev, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, implorou ao governo ucraniano que “acreditasse nos Estados Unidos”. “Fornecemos um enorme apoio e continuaremos a fazê-lo todos os dias e de todas as maneiras que pudermos”, disse ele. Mas esse apoio não será necessariamente no mesmo nível do primeiro ano da guerra.

O congelamento da Europa

No dia 1º de fevereiro, os líderes da União Europeia concordaram em fornecer à Ucrânia 50 bilhões de euros em “subsídios e empréstimos altamente condicionados”. Esse dinheiro é para possibilitar que o governo ucraniano “pague salários, pensões e forneça serviços públicos básicos”. Ele não será destinado diretamente para suporte militar, que começou a desmoronar em todos os setores e provocou novos tipos de discussões no mundo da política europeia. Na Alemanha, por exemplo, o líder do Partido Social Democrata (SDP) no parlamento, Wolf Mützenich, foi criticado pelos partidos de direita por usar a palavra “congelar” em relação ao apoio militar à Ucrânia. O governo ucraniano estava ansioso para adquirir mísseis de cruzeiro de longo alcance Taurus da Alemanha, mas o governo alemão hesitou em fornecê-los. Essa hesitação e o uso da palavra “congelar” por Mützenich criaram uma crise política na Alemanha.

De fato, esse debate alemão em torno de novas vendas de armas para a Ucrânia se espelha em quase todos os países europeus que têm fornecido armas para a guerra contra a Rússia. Até agora, os dados das pesquisas de opinião em todo o continente mostram grandes maiorias contra a continuidade da guerra e, portanto, contra a continuidade do armamento da Ucrânia para essa guerra. Uma pesquisa realizada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores em fevereiro mostra que “uma média de apenas 10% dos europeus em doze países acredita que a Ucrânia vencerá”. “A opinião predominante em alguns países”, escreveram os analistas da pesquisa, “é que a Europa deveria se espelhar nos EUA, que limitam seu apoio à Ucrânia, fazendo o mesmo, e incentivar Kiev a fechar um acordo de paz com Moscou”. Essa visão está começando a entrar nas discussões até mesmo das forças políticas que continuam desejando armar a Ucrânia. O parlamentar do SPD, Lars Klingbeil, e seu líder, Mützenich, afirmam que as negociações precisarão ser iniciadas, embora Klingbeil tenha dito que isso não acontecerá antes das eleições norte-americanas em novembro e, até lá, como Mützenich havia dito, “acho que o mais importante agora é que [a Ucrânia] receba munição de artilharia”.

Militares, e não o clima

Não importa se será Donald Trump ou Joe Biden quem vencerá a eleição presidencial dos EUA em novembro. De qualquer forma, as opiniões de Trump sobre os gastos militares europeus já prevaleceram nos Estados Unidos. Os republicanos estão exigindo que o financiamento dos EUA para a Ucrânia seja reduzido e que os europeus preencham a lacuna, aumentando seus próprios gastos militares. Esse último ponto será difícil, pois muitos estados europeus têm limites de endividamento; se eles aumentarem os gastos militares, isso será feito às custas de programas sociais preciosos. Os dados das pesquisas de opinião da própria OTAN mostram uma falta de interesse da população europeia em uma mudança dos gastos sociais para os militares.

Um problema ainda maior para a Europa é o fato de seus países estarem reduzindo os investimentos relacionados ao clima e aumentando os investimentos relacionados à defesa. O Banco Europeu de Investimento (criado em 2019) está, conforme reportou o Financial Times, “sob pressão para financiar mais projetos no setor de armamentos”, enquanto o Fundo Europeu de Soberania – criado em 2022 para promover a industrialização na Europa – vai se voltar para o apoio às indústrias militares. Os gastos militares, em outras palavras, superarão os compromissos com investimentos climáticos e investimentos para reconstruir a base industrial da Europa. Em 2023, dois terços do orçamento total da OTAN, de 1,2 trilhão de euros, eram dos Estados Unidos, o que é o dobro do que a União Europeia, o Reino Unido e a Noruega gastaram em suas Forças Armadas. A pressão de Trump para que os países europeus gastem até 2% de seu PIB em seus exércitos definirá a agenda mesmo que ele venha a perder a eleição presidencial.

Podem destruir países, mas não podem vencer guerras

Apesar de toda a fanfarronice europeia sobre derrotar a Rússia, avaliações sóbrias dos exércitos europeus mostram que os países europeus simplesmente não têm a capacidade militar terrestre para lutar em uma guerra direta contra a Rússia, muito menos para se defender adequadamente. Uma investigação do Wall Street Journal sobre a situação militar europeia levou à manchete surpreendente de “Cresce o alarme sobre Forças Armadas enfraquecidas e arsenais vazios na Europa”. Os jornalistas apontaram que o exército britânico tem apenas 150 tanques e “talvez uma dúzia de peças de artilharia de longo alcance em condições de uso”, enquanto a França tem “menos de 90 peças de artilharia pesada” e o exército alemão “tem munição suficiente para dois dias de batalha”. Se forem atacados, eles contam com poucos sistemas de defesa aérea.

A Europa tem contado com os Estados Unidos para fazer os bombardeios e combates pesados desde a década de 1950, inclusive nas recentes guerras no Afeganistão e no Iraque. Devido ao aterrorizante poder de fogo dos EUA, esses países do Norte Global são capazes de destruir países, mas não conseguiram vencer nenhuma guerra. É essa atitude que gera cautela em países como a China e a Rússia, que sabem que, apesar da impossibilidade de uma vitória militar do Norte Global contra eles, não há razão para que esses países – liderados pelos Estados Unidos – não arrisquem o Armageddom, porque têm a força militar para isso.

Essa atitude dos Estados Unidos – espelhada nas capitais europeias – produz mais um exemplo da arrogância e da prepotência do Norte Global: a recusa em sequer considerar negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Para Macron, falar emcoisas como a possibilidade de a OTAN enviar tropas para a Ucrânia não é apenas perigoso, mas também prejudica a credibilidade do Norte Global. A OTAN foi derrotada no Afeganistão. É improvável que ela obtenha grandes ganhos contra a Rússia.

 Este artigo foi produzido para a Globetrotter e traduzido por Raul Chiliani para a Revista OperaVijay Prashad é um historiador indiano, editor e jornalista. É redator e correspondente principal do Globetrotter. Também é editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de vinte livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus últimos livros lançados foram Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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