Por Elenira Vilela, para Desacato.info.
As aulas estão voltando. Vamos conversar sobre educação?
Sabe aquela personagem que é a que “pode nos salvar, pode nos redimir”, mas também é a que é “boa de apanhar e boa de cuspir” (Chico Buarque)? Então, a educação é assim.
Em qualquer discurso de projeto de futuro do Brasil, seja ele eleitoral, jornalístico, empresarial ou cultural ou na fila do mercado, alguém vai dizer que a educação é tudo, é o centro, é o futuro, é a base, é a coisa mais importante.
Se alguma coisa não está funcionando é a educação que vai resolver. Pode ser na conscientização sobre o pagamento de impostos, o trânsito, a violência, a saúde… Todo mundo adora dizer que a educação é que vai resolver.
Mas tem um problema: queremos que a educação resolva todos os problemas, mas não lhe damos nada. Queremos soluções a partir da educação, mas o que a sociedade brasileira – especialmente a classe dominante brasileira, mas de alguma maneira também o povo – oferece para a educação?
Investimento em estrutura e em profissionais? Não. Escolas fechando ou caindo aos pedaços, sem equipamentos mínimos, profissionais mau remunerados, desvalorizados socialmente, sem nenhuma estrutura e recentemente perseguidos por coisas despropositados como o projeto de escola com mordaça, cujo nome oficial é escola sem partido.
Tempo? Não, os estudantes brasileiros tem umas das menores jornadas escolares do mundo. Pouco mais de 4 horas, para ensinar toda a base do conhecimento científico e tecnológico, as principais linguagens, dar acesso às principais formas de arte e ainda ser pilar de formação moral e ética, isso sem falar de todos os penduricalhos.
Respeito? Não. Profissionais sofrem violências, todo dia alguém diz que o que é ensinado nas escolas é ultrapassado e desnecessário, pais acham super normal seus filhos faltarem aulas por qualquer coisa, várias pessoas enxergam a escola como um depósito e adoram dizer o que devia ser feito ao seu filho, independente do que é planejado pelas pessoas que constroem a educação brasileira todos os dias. Ou dizemos para o filho fazer de qualquer jeito o que foi proposto porque afinal “eu nunca resolvi uma equação do segundo grau” ou não sei pra que aprendi o nome das briófitas, demonstrando desprezo pelo que está sendo ensinado, sem refletir sobre o que a formação significa e como essas coisas contribuem ou não pra essa formação.
Claro que a educação brasileira tem problemas graves, mas quase ninguém quer ajudar a resolver. Além de ainda termos mais de 8% da população analfabeta, temos alguns dos maiores índices de analfabetismo funcional (pessoas que não conseguem escrever coisas simples como um bilhete ou interpretar textos que leem). Temos resultados baixíssimos em relação aos princípios da ciência e dos conhecimentos básicos de Matemática em qualquer avaliação nacional ou internacional.
Se nosso povo está indo pra escola e saindo de lá sem saber direito ler, compreender o que lê, fazer cálculos e raciocínio lógico, sem hábitos de leitura e de vivências artísticas e científicas mais elaboradas, essa educação que tem dificuldade de dar conta da base é que vai resolver questões sociais como empreendedorismo e gravidez na adolescência?
O discurso usa a educação como panaceia para todos os males, mas raramente passa do discurso.
Olha um exemplo: todo político se acha no direito de fazer um projeto para colocar alguma coisa no currículo escolar, já notaram? Pode ser educação ambiental, fiscal, pela paz… pode ser aula de yoga ou empreendedorismo.
Mas já pensaram o quão isso é problemático?
Primeiro porque os projetos costumam dizer o que deve ser incluído sem dizer como formar professores para fazer isso, sem dizer de onde vem as condições objetivas para aquilo ser tirado do papel.
Mais grave: claro que a população pode e deve interferir nas escolas. Ao mesmo tempo o currículo não é uma colcha de retalhos, não é um amontoado de coisas aleatórias, o currículo é um documento balizador para uma formação geral básica e científica, humanista e artística.
Esse currículo precisa ser construído politicamente: que formação queremos dar às nossas crianças e jovens. Mas ao mesmo tempo precisa ter base técnica: pessoas que entendem profundamente do processo formativo e tornam concreto o desejo político da sociedade em um todo articulado e coordenado de conhecimentos, vivências e habilidades a serem desenvolvidas na formação.
Claro que pra tudo isso há belas exceções, como a Rede Federal de Educação ou a iniciativa do Dr. Miguel Nicollelis para provar que é o investimento em profissionais com muita formação e boas condições de trabalho, além da valorização social e concreta da educação que fazem a diferença. Isso depois de um ciclo de governos Lula e Dilma que fizeram muitos investimentos que garantiram a melhoria da qualidade, com concursos, aumento da rede e grande quantia de recursos para pesquisa, extensão, infraestrutura e formação de profissionais. Tudo profundamente ameaçado pelo corte materializado na Emenda Constitucional do Teto de Gastos que não tira um centavo dos banqueiros, mas tira muito – quase tudo – da educação e produção científica. E muita gente achou normal cortar recursos da educação.
Como naquela anedota do filho que vamos deixar para o mundo ao invés do mundo que vamos deixar para os filhos, da próxima vez que for falar sobre educação, ao invés de dizer o que deveria ser feito nas escolas e universidades, que tal você pensar o que você está fazendo pela educação? Como você fortalece sua importância e ajuda a defender a que tem e conquistar o que precisa ser melhorado?
Apoiar profissionais que lutam por condições de trabalho e respeito é uma das maneiras mais importantes, mesmo quando as greves nos trazem alguns problemas. Defender a educação pública dos ataques que vem sofrendo também. Valorizar o trabalho desenvolvido, com espaço para crítica, mas não para pitacos sem fundamento, é ótimo também.
A educação é realmente fundamental, mas somente se aos educadores forem dadas condições de trabalho e se a sociedade valorizar o saber e não somente a aquisição de pobres diplomas que representam pouco ou nada.
Defender a educação tem que ser um compromisso de cada um de nós! Todos os dias!
#PelaEducaçãoEuLuto
#EducaçãoNãoRimaComLucro
#RevogaçãoDaEC95
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Elenira Vilela é professora e sindicalista.
Texto rico, didático e muito necessário. Parabéns, Elenira!