Por Evania Reich, para Desacato.info.
O amor com sua dor de amar seria um tema apenas de romance não fosse a condição inelutável do ser humano. Por ser justamente parte do humano, a discussão do tema perpassa o tempo. Desde a filosofia antiga já se falava no amor. O banquete de Platão é provavelmente a obra primeira que aborda a significação do amor. Quando no diálogo de Platão, em torno de uma festa que estava acontecendo na casa de Alcibíades, Sócrates começa uma enquete com vários convidados, perguntando-lhes o que cada um achava que era o amor. De lá pra cá, tivemos muitas ilustrações. No romantismo alemão, um exemplo seria “o jovem Werther”, de Goethe, tirando sua própria vida ao ser abandonada pela amada. Romeu e Julieta de Shakespeare nos mostra a dor e a angústia do amor. E por aí vai. O amor sempre foi tema da literatura, da filosofia e da psicanálise, já no início de sua existência. Talvez possamos mesmo dizer que a psicanálise só se torna um conhecimento porque descobriu a dor de amar.
Freud, o pai da psicanálise, vai abordar o tema do amor, através da sua dor. Com os conceitos de luto e melancolia, Freud trata tanto da perda de um ente querido, através da morte, quanto da perda do bem-amado. No primeiro caso o sujeito sofre um processo de enlutamento, e no segundo sofre uma melancolia.
O luto da pessoa que amamos ou o abandono do amado é um dos caminhos mais exemplificadores para compreendermos a dor mental. É uma dor insuportável que nos leva “ao afastamento daquilo que constitui a atitude normal para com a vida”, diria Freud. Um desanimo profundamente penoso se instaura no sujeito que perdeu seu ente amado. Uma diminuição da autoestima quando se trata do abandono, mas também uma perda de interesse pelo mundo externo tanto pela morte física do ser amado, quanto pelo abandono.
Assim escreve Freud no texto Luto e melancolia:
“Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em autorrecriminac?a?o e autoenvilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. Esse quadro torna-se um pouco mais inteligível quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços são encontrados no luto. A perturbação da autoestima esta? ausente no luto; afora isso, porém, as características sa?o as mesmas. O luto profundo, a reação a? perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espirito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo (…)”.
Mas, o que perdemos quando nosso amor vai embora? Que perda é essa que nos causa tanta dor? O que é que no rompimento com o laço amoroso dói tanto e mergulha o eu no desespero? Por que sofremos tanto quando um ente amado morre? Além da falta física, o que nos traz tanta dor?
O psicanalista e psiquiatra Nasio, que é autor de várias obras, entre as quais o livro chamado “A dor de amar” escreve:
“O que dói não é perder o ser amado, mas continuar a amá-lo mais do que nunca mesmo sabendo-o irremediavelmente perdido. Amor e saber se separam. O “eu” fica esquartejado entre um surdo amor interior que faz o ser desaparecido reviver e a certeza de uma ausência incontestável. Essa falha entre a presença viva do outro em mim e sua ausência real é uma clivagem tão insuportável que muitas vezes tentemos reduzi-la, não moderando nosso amor, mas negando a ausência, rebelando-nos contra a realidade da falta e recusando-nos a admitir que o amado nunca mais estará presente.”
Quem de nós não sofreu a perda de um ente querido? Teve que fazer um processo de luto que muitas vezes se inicia com a própria negação da perda. Muitos negam tanto essa separação que acabam doentes. Os indivíduos precisam levar a diante suas vidas, mas a vida parece não ter mais sentido. Como se o seu mundo tivesse desabado no momento que o ser amado partiu. A dor é tão mais intensa quando nos damos conta que a sua partida revela um enraizamento com aquela pessoa que em vida talvez não tínhamos condições de medi-la. É apenas no a posteriori de sua morte que saberemos se o ser desaparecido tinha um valor insubstituível para nós.
Quando temos a ameaça de perder esse ser que para nós é insubstituível, um filho, um pai, uma mãe, um cônjuge, ou namorado, surge a angústia. Quantas vezes não nos angustiamos com a possibilidade de perder um ente amado? No entanto, se em contrapartida, uma dessas pessoas desaparece subitamente, sem ameaça prévia, não é mais angústia que surge, mas sim a dor. A dor emana da perda brutal da pessoa amada. Seja a morte física de um ser amado, seja o abandono do amor, ambos causam essa dor.
Freud nos presenteia com essa lindíssima reflexão:
“Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor”.
Portanto, o paradoxo do amor é que embora seja a condição constitutiva da natureza humana, nos traz inevitavelmente sofrimento. Quanto mais se ama, mais se sofre.
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Evânia E. Reich é doutora em Filosofia pela UFSC – Pesquisa do pós-doutorado em Filosofia Política pela UFSC.
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