Roberto Pereira D’Araujo em Correio da Cidadania
Como alguns estão cansados de saber e, talvez, outros desconheçam, a partir de 1995*, o serviço de energia elétrica no Brasil mudou radicalmente.
Além da decisão de privatizar todo o setor, frustrada pelo racionamento de 2001 e pelo desinteresse do setor privado em adquirir empresas problemáticas, a energia elétrica passou a ser vista como uma mercadoria.
Explicando a complexidade, o serviço de distribuição e entrega do kWh (quilowatt-hora) é um serviço público, mas ele se serve de um produto comprado no “mercado”, o kWh.
O modelo anterior entedia que o serviço público se inicia na geração, continua na transmissão e na distribuição. Portanto, tudo era serviço público.
Atenção! Nada a ver com ser estatal ou privado! A grande diferença é que, justamente por ser um serviço de interesse público, a rentabilidade deveria ser monitorada e investimentos já realizados amortizados e depreciados a cada período de revisão de preços. Vários estados norte-americanos ainda são regidos por esse sistema, mesmo com empresas privadas!
Como sempre, no Brasil, as regras definidas são desrespeitadas e, como a inflação antes do plano real era muito alta, as revisões tarifárias foram usadas para refrear a alta inflacionária. Evidentemente, essa intervenção causou um saldo a ser compensado, pois, de maneira torta, os consumidores receberam um subsídio indireto, pois pagavam tarifas menores do que as definidas pela regra.
Isso gerou uma Conta de Resultados a Compensar bilionária. Como a ideia dominante já era vender tudo, esse rombo foi compensado e logo usado pelo grupo favorável à venda como uma acusação de ineficiência das estatais. O total, na realidade era bem menor do que o propalado, pois o “fake” somava valores devidos da distribuição à geração com os relativos à correção das distribuidoras.
O foco do texto não é esse detalhe, mas, como havia a promessa de que, sendo a mercadoria kWh fruto de competição no mercado, todo aquele malefício do regime de serviço público seria varrido da economia brasileira.
Bem, já que há essa mudança radical de modelo e instituições promete tantas maravilhas, não seria natural querer saber o que ocorreu com as tarifas depois dessa mudança?
Não seria natural obter essa informação da agência reguladora ANEEL criada para regular o setor?
Se a resposta é positiva, aqui começa a denúncia.
O ILUMINA existe desde 1996. Sendo um grupo de especialistas que sempre criticou a forma como foi feita essa radical mudança, passou a acompanhar a evolução de preços. Para isso consultava os dados de Tarifa Média por setor publicado pela agência.
Abaixo, uma amostra da tabela então vigente.
Reparem na ordem dos setores e o total na última coluna.
A partir de 2003, com a mudança de governo, por mais que repitam ad nauseam que o modelo mudou, nenhuma alteração importante foi feita na estrutura anterior. O Mercado Livre cresceu pós-2003 e términos de contratos anteriores baseados no regime de serviço público foram implantados. Portanto, o interesse em acompanhar a evolução dos preços permanece.
Entretanto, vejam como muda a estrutura da tabela depois de 2003.
Reparem na ordem dos setores e o total como primeira coluna.
E então, vem a surpresa. A ANEEL some com todos os dados anteriores de tarifa média. Vejam as opções oferecidas atualmente.
Se a imagem estiver muito pequena, no quadro da direita, as opções de anos se iniciam em 2003. Isso significa que, quem não capturou os dados anteriores a 2003, não consegue mais.
Como o ILUMINA guardou as tabelas, como já mostramos diversas vezes, ao contrário do prometido, a tarifa só se elevou. Industria + 138% acima do IPCA, Residências + 64% acima do IPCA.
O que é grave é a omissão de dados da ANEEL. Um erro de sistema? Uma mudança de método? Nada disso é justificável.
O ILUMINA já mandou essa observação para a ANEEL diversas vezes. Sem resposta. Além disso, esses índices de explosão tarifária já foram mencionados em diversos artigos de jornal, e, se estão errados, deveriam ser objeto de contestação por parte de ANEEL.
Vejam a gravidade dessa omissão! A partir dela, é possível afirmar que a agência reguladora desse confuso e caro modelo elétrico se sente isenta de responsabilidade na divulgação de um dado essencial para avaliar se o sistema que ela regula entregou o que prometeu.
Portanto, repito o título: a desinformação é estratégica?
Nota:
* No modelo do setor elétrico brasileiro, os “bons negócios” são os fios, artigo de Roberto Pereira D’Araujo publicado em 23/12/2020.
Roberto Pereira D’Araujo é engenheiro, ex-assessor da Eletrobrás e diretor do Instituto Ilumina.