Por Douglas F. Kovaleski, para Desacato. info.
No texto dessa semana volto a falar da crise do capitalismo, dessa vez com o auxílio de alguns conceitos de Lênin, vou trabalhar a relação entre Estado e a crise. Não se pode aceitar que os revolucionários de esquerda justifiquem sua compreensão em torno do avanço dos governos conservadores pelo fenômeno das fake News, como muitos companheiros ditos de esquerda têm argumentado. Há uma base material para o avanço da direita, e ela se assenta na compreensão do Estado na manutenção do capitalismo agora em profunda crise.
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Para Marx e Lênin, o Estado é fruto da impossibilidade de conciliação entre as classes em luta. O Estado aparece especialmente onde os antagonismos de classe são de impossível apaziguamento. Nesse aspecto, vale trazer um elemento bem marcado na obra “O Estado e a Revolução” de Lênin, que defende que a aparente conciliação das classes é fundamental para o capitalismo. Aflorar os antagonismos inerentes ao Estado é papel dos revolucionários socialistas.
O Estado não existiu sempre, ele surge apenas quando ocorre certo grau de desenvolvimento econômico capitalista e a divisão da sociedade em classes vem à tona. Ele só é necessário por conta dessa divisão e sobrevive como terreno de disputa na política, e como um reflexo da correlação de forças da luta de classes, hora com a burguesia mais poderosa, hora com ela menos poderosa, situação em que ela tende a negociar mais com os representantes do povo.
Leia mais: A crise estrutural do capitalismo, parte I.
Com base nisso, pode-se afirmar que a democracia que conhecemos, a democracia burguesa, terá um posicionamento geral mais ou menos “democrático”, ou aberto ao diálogo e respeitoso aos direitos humanos, sociais e à própria cidadania, de acordo com a correlação de forças na luta entre burguesia e proletariado. É o mesmo que afirmar que quando a classe trabalhadora está menos organizada, com menos representantes no parlamento, com militância escassa, baixa capacidade de protesto e de greves, a burguesia deita e rola, chamando direitos humanos de mimimi. No pólo oposto, quando a classe trabalhadora está mais organizada, é possível avanços de direitos sociais, políticos, de cidadania.
No caso de uma crise estrutural e profunda do sistema como a que estamos vivenciando, observa-se uma necessidade do capital em aumentar a exploração e para isso é necessário desorganização entre os debaixo. Essa desorganização é promovida nos dias de hoje pela precarização das condições de trabalho, pois quem não tem tempo de fazer outra coisa além de trabalhar, procurar emprego ou ficar disponível para ser chamado pelo patrão, não se organiza em sindicatos, organizações comunitárias, ou outras formas coletivas de atuação. O discurso do trabalho terceirizado, pejotizado ou uberizado sustenta-se numa intensa e constante campanha midiática, que vende a narrativa de que o trabalhador é o único culpado pelo seu fracasso. Devido a isso, a classe trabalhadora, em muitos espaços sociais nesse início de milênio, não se reconhece como classe, pois os trabalhadores se consideram empreendedores, cabendo aos revolucionários alertar seus companheiros de classe para tal armadilha.
Essa ideologia da meritocracia e da competitividade inclui no seu cerne um outro discurso que desvaloriza amplamente os sindicatos, os partidos políticos e toda a organização política que se proponha discutir temas importantes no sentido da organização coletiva e do planejamento. Essa ideologia apoiada pelo Toyotismo dificulta em muito a organização da classe trabalhadora e dá espaço aos movimentos de direita para seu crescimento.
Nos momentos de crise, as contradições do capitalismo se exacerbam e a burguesia tende a pressionar material e ideologicamente todo seu aparato de Estado no sentido contrário à democracia burguesa, no sentido do pensamento conservador e de direita. É o modo de governo que serve à burguesia nesse momento. Além disso, no momento de crise os capitalistas estão em guerra entre si. O sistema concorrencial e competitivo do capitalismo não permite que a fraternidade reine entre eles. É a deixa para o proletariado tomar o poder. Na crise ainda, percebe-se uma piora nas condições de vida dos trabalhadores e agitações constantes entre a massa, que muitas vezes não tem organização. É nesse momento que os militantes de esquerda precisam fazer propaganda, desmentindo a burguesia e fazendo formação em temas políticos, para qualificar a luta.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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