Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.
A crise econômica, política e social instalada no mundo tem como causa fundamental a etapa do ciclo da crise de capitalismo. Essa crise cíclica compreendida no contexto da crise estrutural do capitalismo, segundo Istvan Meszaros, não advém da mágica ou do humor dos “mercados”, mas de um fato que está na estrutura do modo capitalista de produção: a gradativa redução do valor das mercadorias, valor esse medido jamais em reais, euros ou dólares, mas na materialidade do trabalho humano, por horas, minutos, segundos. Essa redução do valor das mercadorias, estabelecida em um processo concorrencial típico do sistema, traz consigo uma série de consequências, dentre elas a redução dos lucros da burguesia, instalando-se assim a crise do capitalismo. Não é a primeira vez que falo disso nessa coluna, pois a pandemia tenta chamar a atenção para si e inocentar o capitalismo.
Desempenho do país em dezembro e indicadores anuais de 2019 mostram que Brasil já estava em desaceleração, antes da chegada do Covid-19. A previsão do FMI para a atividade econômica em 2020 é de queda de 5,3%, com o desemprego batendo em 14,7%. Ou seja, só piorou o que já estava ruim.
No final do ano passado, de acordo com relatório da Confederação Nacional da Indústria, 41% das empresas se encontravam em recessão. Os investimentos em máquinas, construção civil e pesquisa caíram 3,3% no quarto trimestre de 2019, diante de retração esperada de 1,9%. O desempenho da agropecuária registrou o pior desempenho anual do setor desde 2016 (-5,2%).
Outros indicadores do mês de dezembro também mostraram que a economia estava em franca desaceleração. Segundo a CNI, 44% da indústria de transformação fechou 2019 em recessão. As vendas de Natal também caíram, frustrando a expectativa dos grandes varejistas. Ainda em dezembro, o setor de serviços teve queda de 0,4%. Atenho-me aqui aos dados brasileiros, mas com variações, o quadro se repete para os restante do mundo.
O coronavírus, fabricado ou não, vem sendo usado para enturvecer o olhar dos desatentos, pois acham que o cenário trágico que vivemos deve-se exclusivamente a um fenômeno biológico. A pandemia é muito severa e devemos ficar em casa e tomar todas as medidas para nos prevenirmos, contudo precisamos fazer isso com muita consciência política e clareza da complexidade do momento que vivemos.
A pandemia transformou-se em uma mercadoria de grande utilidade para o capitalismo, pois:
– coloca toda a crise econômica na conta da pandemia, aumentando a alienação das pessoas, dificultando assim que revoltas e um desnudamento da perversidade do sistema capitalista aconteçam, o que colocaria em risco a tranquilidade da burguesia.
– justifica a intensificação da precarização do trabalho com mais desemprego, que facilita a precarização, a terceirização, a uberização, o teletrabalho, o trabalho a partir de casa e a redução dos salários. Junto de tudo isso vem uma precarização tremenda da educação por meio do ensino a distância que se expandirá como nunca no pós-pandemia. Dessa forma, concretamente o capitalismo intensifica a exploração da classe que vive do trabalho para enfrentar a sua crise e quem paga a conta somos nós, outra vez.
– o que denomino aqui “crise do capitavírus”, junto com um histórico ascenso de governos de direita e extrema-direita encontra um grande inimigo comum, a democracia, e dessa forma faz todo o possível para liquidá-la. Nesse momento de crise, é fundamental retirar direitos dos trabalhadores, aumentar a violência do Estado contra as manifestações populares e calar as massas para superar a crise do capitalismo.
– o capitavírus dificulta a organização da classe, pois impossibilita os encontros reais no cotidiano do trabalho e lança uma carga de atividades de casa muito grande. Dificulta a realização de protestos e reuniões dos grupos políticos, o que enfraquece ainda mais a organização da classe.
Mais do que nunca é preciso que a classe que vive do trabalho demos respostas rápidas e bem articuladas com a conjuntura, ou corremos o risco de perder tantos direitos, liberdades e democracia, a ponto de não conseguirmos mais nos levantar e fazer a necessária derrubada do capitalismo e a construção de um modo de vida comum.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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