Por Brigada 21 de Junho (Brigadas Populares de Santa Catarina). Aproveitando o começo do semestre, a Brigada 21 de Junho, estrutura de base das Brigadas Populares, expressa sua visão sobre a situação da universidade brasileira, em especial a UFSC, e tenta apontar perspectivas para a construção de um projeto de universidade pautado nos problemas com que se defronta o povo brasileiro e superar a crise das esquerdas.
A universidade necessária
A universidade é muito importante para as Brigadas Populares: acreditamos que ela é fundamental dentro de um projeto de nação socialista. É o espaço onde temos mais possibilidade de desenvolver tecnologia e ciência para o desenvolvimento autônomo do país, necessário para o rompimento com o capitalismo dependente. Sendo assim é uma das instituições sem as quais não se poderá lançar as bases históricas e materiais para a consolidação do socialismo no país.
No entanto, sendo reflexo das contradições existentes na sociedade brasileira, nossa universidade passa longe do ideal. As políticas produtivistas da CAPES/Cnpq, a modernização reflexa e a lógica elitista que orienta o acesso ao ensino superior, a departamentalização do conhecimento, o colonialismo cultural, são todos reflexos do capitalismo dependente brasileiro. Se queremos nos consolidar como nação soberana, não podemos adotar a preguiçosa solução de importar os modelos dos países centrais, mas criar uma instituição tão original e irrepetível quanto é a própria sociedade brasileira. Acreditamos que deve ser democrática internamente e estar em estreito diálogo com as necessidades do povo brasileiro, conectada às massas trabalhadoras, as únicas forças capazes de enfrentar o imperialismo e fazer valer os interesses nacionais.
É preciso uma reforma universitária, que rompa com os moldes burgueses. Não se trata de um esforço apenas “reformista”, no sentido de mudar a universidade sem ter que peitar o capitalismo (isso é a própria lógica da modernização reflexa que faz), mas revolucionário, pois age em direção à superação das relações de poder existentes ao colocar uma ferramenta tão valiosa nas mãos do povo brasileiro, a serviço da libertação nacional e do socialismo.
A universidade brasileira hoje
Para nós, o governo petista não se propôs a mudar as contradições vividas pelo povo brasileiro, pelo contrário: junto com a expansão da quantidade de vagas promoveu a expansão da dependência tecnológica, da política dos centros de excelência e uma educação tecnocrata e produtivista, que visa apenas a atualização da força de trabalho. Está condizente com o momento do capitalismo dependente do país, que ao passar por um processo de atualização tecnológica, o faz sem romper a dependência externa que o caracteriza. Ao mesmo tempo, a expansão encabeçada pelo Reuni proporcionou a uma parcela da população acesso ao ensino superior há muito tempo impensável, dando cores a um sonho de mobilidade social que, analisado de perto, não passa de uma falácia: a maior parte dos formados nas instituições de nível superior não elevaram seus rendimentos em mais de 20%, que vem diminuindo em função das elevadas taxas de compressão salarial no capitalismo brasileiro.
Entretanto, observamos que o consenso de classes do governo PT esgotou todas suas possibilidades e, ao mesmo tempo, uma conjuntura mundial desfavorável faz com que sua política de governo esteja seriamente ameaçada. Ao se deparar com este cenário, o governo de Dilma Rousseff opta pelo empresariado brasileiro em detrimento o povo trabalhador, aplicando severas medidas de austeridade nos direitos trabalhistas, previdenciários e na educação. A ameaça do corte de 30% das verbas disponíveis para o MEC assusta o lado mais fraco da corda, os estudantes. As poucas medidas de permanência dentro das universidades serão as primeiras atingidas, já que as grandes pesquisas que enriquecem os bolsos dos empresários não serão cortadas. Diante da escassez de verbas, cria-se o cenário perfeito para a apresentação e implementação de alternativas privatizantes que busquem o financiamento privado enquanto solução para a universidade, fazendo com que os interesses do capital financeiro ditem a pesquisa, extensão e ensino brasileiros (como exemplo temos a EBSERH e a proposta de contratação de professores por OS da CAPES [http://bit.ly/1aY4p0k ]).
A UFSC
Nossa universidade não se afasta da conjuntura nacional e apresenta os entraves comuns às outras universidades brasileiras: pesquisas que só favorecem o setor privado, pouca ligação com os anseios do povo brasileiro, desprezo pelas ciências básicas, um ensino bancário manualesco e eurocêntrico, uma extensão feita apenas para cumprir horas no PAAD e uma administração feita por oligarcas que há anos atuam em benefício de seus próprios interesses e de seus grupos políticos. Dentro deste cenário, analisamos alguns atores que se movem constantemente: a atual reitoria, o grupo da velha direita, a gestão Dias Melhores, o movimento estudantil de esquerda e os sindicatos.
Definimos por atual reitoria o grupo que aglutina-se em torno da reitora Roselane Neckel. Sua gestão encontra-se muito enfraquecida e isolada, após decepcionar grande parte dos seus apoiadores. Professores pesquisadores que possuíam interesses menos escusos que os da direita conservadora não se viram contemplados com a gestão, assim como os estudantes que a elegeram com a esperança de que esta fizesse uma administração voltada aos interesses estudantis, verdadeiramente crítica e posicionada frente aos desmandos do governo federal e da oligarquia que toma a UFSC – nada além do contrário disto ocorreu. Seu último reduto de apoiadores encontra-se no CFH. Este grupo ainda se apoia em um teórico ideal republicano da boa gestão dos recursos e nestes períodos de recessão tendem a querer crescer a partir da ideia de que supostamente foi realizado o melhor possível com os recursos escassos disponibilizados pelo governo.
Já a velha direita, por falta de nome melhor, diferencia-se da atual reitoria principalmente pelo uso do bem público para seus interesses privados. “Donos” de grandes laboratórios, fazem parcerias monstruosas com a iniciativa privada através de fundações e vez ou outra são descobertos escândalos com os mesmos nomes envolvidos. Tem uma forte influência entre os TAEs mais antigos da universidade, criando fortes laços pessoais com estes através de efetivações e trocas de favores. Dentro deste grupo observamos algumas discordâncias, como o grupo que compõe o HU, que algumas vezes já insinuou articulações para lançar uma chapa própria para a Reitoria, embora sempre terminando em unidade com o resto da velha direita. Outro ponto importante em relação a este grupo são as relações estabelecidas com a mídia local, que rotineiramente faz matérias que favorecem suas atividades (matérias em favor da Ebserh, sobre a Edu Vieira, contra o Levante do Bosque).
No movimento sindical, a APUFSC se comporta, muitas vezes, como a ferramenta dos professores conservadores, da velha direita, sem mobilizar ou fazer quaisquer lutas. A seção do ANDES tenta retomar a mobilização na classe professoral, mas tem um número de filiados e influência muito pequena para conseguir algo no momento. O SINTUFSC, com sua direção governista, tenta se manter parado, mas, pressionado pela base, acaba tocando greves. Além disso, há um claro desgaste entre TAEs e o resto da comunidade universitária, muitas vezes causado por paralisações com pouca adesão e baixa mobilização. Na contramão, existem alguns TAEs comprometidos com a militância e a melhora da universidade, grupo que vem se consolidando e aumentando influência – conquistando as cadeiras no CUn, por exemplo -, e uma articulação entre esse setor e o movimento estudantil se faz necessária. Dentro da oposição do SINTUFSC há uma influência do grupo político que lançou as candidatura Irineu/Righi à Reitoria nas últimas eleições. Apoiados nos setores críticos do movimento sindical e estudantil, é possível que tal grupo consiga dar um grau maior de politização às próximas eleições da Reitoria, aproveitando a decepção gerada nas esquerdas pela gestão Roselane Neckel, um desafio que ainda está por ser construído.
O grupo político que ocupa a gestão do DCE Luiz Travassos há dois anos (“Novos Rumos”, 2013-2014, e “Dias Melhores”, 2014-2015), dirigido pela UJS – a juventude do PCdoB -, conta com apoio de vários Centros Acadêmicos da UFSC, além das Empresas Juniores e Atléticas, estas duas últimas convertidas num poderoso instrumento de articulação que permitiu uma reeleição com larga vantagem sobre as chapas concorrentes. Fazem uma política institucional, burocrática, que não tem compromisso com a mobilização das massas estudantis e, consequentemente, não enfrentam os problemas estruturais da educação universitária brasileira, apenas satisfazendo demandas pontuais, grande parte delas vindas de seus grupos apoiadores. Atuam sempre no sentido de reforçar as políticas do Governo Federal para a educação, cuidando para não desagradar sua base estudantil nas EJs e Atléticas, setores que embora tenham um conhecido ranço com as gestões petistas, são filhos ingratos destas na medida que reproduzem suas políticas de empreendedorismo e esporte de alto rendimento. Possuem aliados poderosos, como a velha direita e entidades como a UNE e UCE, o que os dá um poder muito grande de mobilização quando necessário para manter seus interesses, como, por exemplo, em dia de votações.
Ao mesmo tempo, o Movimento Estudantil não tem sido capaz de superar os desafios colocados por uma gestão do DCE baseada na desmobilização, numa reitoria que se elegeu em defesa dos estudantes sem nunca defendê-los de fato e de um grande descolamento entre ME e os estudantes da UFSC. As mobilizações tem se dado de maneira esparsa e localizada, sem capacidade de conquistar grandes vitórias ou tocar de fato o cotidiano dos estudantes. A política de auto-construção das organizações, a escolha de pautas afastadas da realidade estudantil como prioritárias, o uso indiscriminado do “militantês”, de uma linguagem alienígena para maior parte do estudantado: são todas práticas que seguem isolando o ME de suas bases. Um dos inúmeros reflexos disto ficou claro na última eleição do DCE, onde a Dias Melhores/UJS fez mais da metade dos votos, mesmo concorrendo contra três chapas de esquerda. Grande parte do centros acadêmicos encontram-se afastados das salas de aulas, com dificuldade de comunicação com seus estudantes.
Para consolidar uma atuação consequente e agir no sentido de criar uma universidade libertadora, acreditamos na superação destes limites por parte da esquerda, na criação de instrumentos políticos com inserção na vida cotidiana do estudante, na utilização de uma linguagem criativa, que aproxime as massas da esquerda. É preciso, constantemente, rever com radicalidade nossas práticas, para se manter atualizado em relação às demandas das bases e conseguir politizá-las. Sem esse passo de humildade, sem encarar o nível real de consciência dos estudantes, sem deixar de impor às bases programas abstratos, mas construir com elas um projeto de universidade baseado nas necessidades do país, sem isso a esquerda nunca vai sair do estado de mediocridade e crise que se encontra.
Por um movimento estudantil libertador!
Pela produção de conhecimento crítico!
Pela Universidade Necessária!
Pátria Livre! Venceremos!