Por Tânia Maria S. de Oliveira.
Nomeações sem qualquer respeito à diversidade, extinção de ministérios e pastas condutoras de políticas públicas sensíveis e nevrálgicas, como Cultura, LGBT, Mulheres, Direitos Humanos; revogação de portarias para “readequação orçamentária” que se traduzem em cortes de programas sociais, anuncio de diminuição ao financiamento ao SUS e reforma da Previdência e, por fim uma medida provisória com programa de privatização. Esse o escopo das tomadas de decisão dos primeiros dias do governo provisório de Michel Temer.
A coesão da pauta conservadora coordenada na esfera do Poder Executivo com o Legislativo mostrou, na quarta-feira (18) sua primeira faceta: o Senador Ricardo Ferraço leu o relatório da PEC 33/2012, que trata da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Fazendo uma digressão, é preciso dizer que a tentativa de alteração da idade mínima penal vem desde o início dos anos 1990, logo após a aprovação do Estatuto da criança e do Adolescente – ECA. A chamada opinião pública e os meios de comunicação passaram a reclamar uma postura estatal frente ao incremento dos índices de violência e de criminalidade no Brasil cada vez que um menor de dezoito anos se encontrava na condição de autor de delitos. Surgiram, então, várias propostas de emenda à Constituição Federal ou Projetos de Decretos Legislativos que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Esses projetos propõem reduzir a imputabilidade penal dos atuais dezoito para dezesseis anos de idade, ou, em alguns casos, até quatorze ou doze anos, modificando assim a redação do artigo 228, da Constituição Federal.
Em julho de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 171/1993, em uma tumultuada e complexa segunda votação de uma emenda aglutinativa, decorrente de uma manobra do Presidente Eduardo Cunha 24 horas após a rejeição pelo Plenário. Vindo ao Senado, a Proposta foi apensada à PEC 33/2012 e outras três, que, a propósito, não tem seguido uma tramitação menos controversa. Seu relatório já havia sido derrotado na mesma Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado em 19 de fevereiro de 2014, tendo sido vencedor o voto em separado apresentado pelo Senador Randolfe Rodrigues. A matéria foi ao Plenário do Senado por força de recurso. Retornando à CCJ foi, de forma estranha, distribuída ao Senador Ricardo Ferraço novamente, que ora apresenta – outra vez – o mesmo relatório derrotado.
A Proposta de Emenda à Constituição de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira pretende se apresentar como alternativa às demais que a antecedem, propondo criar um incidente de desconsideração da inimputabilidade, a ser promovido privativamente pelo Ministério Público por meio de lei complementar. Ademais, estabelece o cabimento do incidente apenas nos casos dos crimes previstos no inciso XLIII, do art. 5º da Constituição Federal- tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os crimes hediondos, e múltipla reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo qualificado.
A tentativa da PEC de ser um “caminho do meio”, para utilizar as palavras escolhidas pelo Senador Ferraço, contudo, não supera suas próprias contradições.
A primeira delas é de que, no plano material, a norma inscrita no artigo 228 do texto constitucional representa uma das garantias decorrentes dos direitos assegurados aos menores e, nessa condição, integra o núcleo não modificável da Constituição – o das cláusulas pétreas -, de tal modo que qualquer tentativa do legislador infraconstitucional, ou mesmo do poder constituinte derivado, por meio de Emenda Constitucional, de reduzir a idade inicial da maioridade penal se apresenta inconstitucional.
A segunda é que o rol de crimes elencados que supostamente pretende restringir o campo de ação da PEC inclui, ao oposto, a quase totalidade das condutas pelas quais os menores de 18 anos hoje estão incluídos no sistema socioeducativo. Para se ter ideia, 27% de adolescentes cumprem medida de segurança por tráfico. São adolescentes usados para transporte de drogas e que seriam, com a alteração proposta, inseridos no sistema comum. Respondem por roubo 39% e para qualifica-lo não há a necessidade de agressão direta. Basta, por exemplo, o emprego de arma. Desse modo, desconstrói-se totalmente o embuste que a proposta busca conferir tratamento diferenciado a adolescentes que pratiquem violência atroz.
O único diferencial tangível da PEC 33/2012 diz com a oportunidade (ou seria oportunismo?) do momento político em que está sendo pautada. Em regra, esse tema sempre ganhou relevância legislativa em virtude de algum evento de violência envolvendo um menor, como resposta a um dito “clamor social”. Na hipótese atual aparece como ponto cardeal de alteração legislativa conectada com os atos do governo que se adornou do poder pela via de um golpe parlamentar, que destampou a Caixa de Pandora e, cumprindo fielmente a lição da fábula, deixa escapar uma multidão de pragas sociais capazes de atingir a sociedade inteira com os seus terríveis males.
Referências:
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA – FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública. Edição VIII. São Paulo, 2014.
Fonte: Carta Maior