Por Carlos Fernandes.
O grupo Abril entrou nessa quarta (15) com um pedido de recuperação judicial junto à justiça de São Paulo. Trata-se de um dispositivo legal que visa socorrer empresas com situações financeiras falimentares.
Segundo nota oficial do grupo, as dívidas englobadas nesse processo somam a importância de R$ 1,6 bilhão. Mas não é tudo.
Segundo Marcos Haaland, da consultoria Alvarez & Marsal, que assumiu o controle, ainda existem outros passivos que, por características próprias, devem seguir outras formas de negociações com os seus credores.
Estamos falando, portanto, de uma verdadeira fortuna em dívidas acumuladas ao longo dos últimos anos pelos herdeiros de Roberto Civita.
E na ruína que vai se transformando o que outrora já representou um grande império, o sofrimento maior fica a cargo, como sempre, do elo mais fraco da corrente: os trabalhadores.
Os 800 funcionários já demitidos pelo que eles chamam de “reorganização” da empresa agora se juntam aos outros 13 milhões de brasileiros desempregados.
No país em que o IBGE acaba de divulgar que o número de trabalhadores subutilizados bateu a porta das 27,6 milhões de almas – das quais 4,8 milhões já nem sequer se animam mais de procurar um emprego – a Abril se transforma num pequeno exemplo do que acontece no “paraíso capitalista” do qual eles tanto pregaram.
Não são os únicos, obviamente, mas são um dos principais expoentes de uma espécie exótica de liberais capitalistas que viveram a vida toda às custas de verbas públicas pregando, para os outros, a ladainha do “Estado mínimo”.
Seja pelos incentivos fiscais dos papéis das revistas, seja pelas vultuosas verbas governamentais de políticos amigos (e dos governos petistas), não fosse o Estado, a situação seria incalculavelmente pior.
E aqui reside um fato curioso.
Ferrenhos combatentes do petismo, jamais perceberam que o completo e cruel abandono do Estado ao seu povo, deixando-os à mercê da tão famosa mão invisível do mercado, os tornariam, eles próprios, também vítimas.
Chega a ser inacreditável que uma empresa cujo produto visa primordialmente o mercado de varejo onde o cidadão comum é o seu consumidor final, não perceba que fragilizado o trabalhador, fragilizado também estará o seu negócio.
Para explicar como o grupo chegou a esse ponto, Haaland citou alguns números. Diz ele:
“Do total de investimentos em publicidade das grandes empresas em 2010, uma fatia de 8,4% era dirigida para revistas. Essa participação caiu para 3% em 2017. O número de pontos de venda de mídia impressa, como as bancas, diminuiu de 24 000 para 15 000 de 2014 a 2017. A circulação de revistas, no mesmo período, baixou de 444 milhões de exemplares por ano para 217 milhões. E a venda de assinaturas recuou 60%, de 90 milhões para 38 milhões, enquanto a venda de exemplares avulsos se reduziu quase a um terço do que foi: de 173 milhões para 63 milhões.”
É óbvio que o impacto da democratização da internet teve um efeito devastador na mídia impressa. Mas sozinha não explica como um poderoso grupo como a Abril tenha chegado a esse ponto em tão pouco tempo.
Repare o leitor que nas palavras de Haaland, as coisas pioraram drasticamente para o grupo a partir de 2014. Justamente quando o jornalismo de guerra que praticaram se aprofundou para desestabilizar o governo reeleito de Dilma Rousseff.
Daí em diante, quase tudo só veio a piorar. “Quase” porque uma vez derrubada Dilma e assumido Temer, as verbas de publicidade do governo começaram a jorrar.
Em contrapartida, porém, na mesma medida que aumentavam as verbas do governo, diminuíam as verbas de seu consumidor final, o malfadado brasileiro, por assim dizer.
Em 2017, com o Brasil flagelado pelo golpe de 2016, no qual o grupo Abril teve participação permanente, foram registrados os seus maiorees déficits.
Não se trata de carma. Trata-se tão somente de ciência econômica. O Grupo Abril foi vítima do capitalismo de compadrio que tanto pediu para o Brasil.