Chile: projeto de lei quer mudar nomes de ruas e proibir homenagens a militares

Por Victor Farinelli.

Um projeto de lei apresentado nesta semana no Congresso chileno quer proibir a realização no país de homenagens ou exaltações de qualquer tipo à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) em eventos ou espaços públicos de responsabilidade do Estado.

A medida, proposta pela deputada comunista e ex-líder estudantil Karol Cariola na última terça-feira (02/12), causou controvérsia na cena política nacional tanto pelo conteúdo do diploma, quanto pelo nome: ’Ninguna calle llevará tu nombre’ (nenhuma rua terá seu nome). O documento apresentado pela parlamentar traz uma lista de locais públicos cujos nomes homenageiam pessoas, datas ou fazem referência elogiosa ao período ditatorial.

Ativistas foram ao prédio do Congresso apoiar à apresentação do projeto de lei ‘Nenhuma rua terá seu nome’:

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A iniciativa da deputada chilena é semelhante à recomendação que a CNV brasileira (Comissão Nacional da Verdade) fez ao apresentar o relatório final à presidente Dilma Rousseff, na quarta-feira passada (10/12). O órgão brasileiro quer rebatizar obras públicas do país que carreguem o nome de presidentes militares ou pessoas envolvidas com torturas, desaparecimentos e outras violações contra os direitos humanos no período.

Medidas semelhantes, porém pontuais, já foram adotadas no Chile anteriormente — como a mudança de nome, realizada no ano passado, da Avenida 11 de Setembro na capital Santiago, referência ao dia em que se consumou o golpe contra Salvador Allende. Entretanto, o projeto de Cariola é o primeiro a pretender unificar e institucionalizar a mudança de política.

Espalhadas pelo país, ainda existem mais de vinte ruas e avenidas com o mesmo nome, além das centenas de outras localidades que carregam a estirpe do ditador Augusto Pinochet, de outros membros da Junta Militar, ou até mesmo da viúva do “generalíssimo”, Lucía Hiriart de Pinochet.

“Se o Estado reconhece que o governo do ditador perseguiu e assassinou milhares de compatriotas, não podemos aceitar que a Rodovia Austral se chame Augusto Pinochet. Se o Exército fez um mea culpa, dez anos atrás, pelos crimes cometidos, não podemos manter na Escola Militar uma biblioteca com o nome do ditador que ordenou esses crimes”, continua a parlamentar, citando dois casos específicos, considerados os mais controversos da iniciativa.

 Caso da Rodovia Austral

Procuradas por Opera Mundi, fontes ligadas ao Exército chileno e autoridades de províncias austrais do país, dizem que entre os militares existe uma forte resistência ao “rebatismo” de bens públicos.

Sobretudo no caso da Rodovia Austral, a relutância é mais forte ainda. Isto, por causa da história da via. Ainda sem ter sido concluído, o projeto inicial da rodovia pretende fazer a conexão terrestre definitiva da região sul do país — fazendo com que as províncias de Aysén e Magallanes sejam enfim acessíveis por terra, e não apenas por via aérea ou marítima, como ocorre hoje. No entanto, os 1.240 quilômetros pavimentados que existem foram feitos na era Pinochet com mão de obra militar, e não através de uma construtora ou empreiteira. Por este motivo, as Forças Armadas insistem que o nome faça referência a algum símbolo da instituição militar daquela época.

Igualmente emblemático é o caso da única escultura pública que homenageia um integrante da Junta Militar. Na entrada do Museu Marítimo Nacional, na cidade de Valparaíso, há uma estátua em tamanho natural [na foto à direita] do almirante José Toríbio Merino, representante da Marinha na Junta, que cumpriu o papel de porta-voz durante a ditadura. Desde 2011, existe uma campanha na cidade de Valparaíso pedindo a sua retirada.

Eventos públicos

É importante observar que, pelo texto do projeto, somente as instâncias de responsabilidade ligada ao Estado estariam sujeitas à proibição. Desta forma, eventos que fazem apologia à ditadura, mas que sejam realizados por entes privados, continuariam a ser permitidos — a exemplo de uma manifestação, ocorrida em junho de 2012, por um grupo de simpatizantes da ditadura.

Por outro lado, órgãos públicos não poderão realizar iniciativas semelhantes, caso a lei seja promulgada. Ficariam banidas iniciativas públicas como a da prefeitura da comuna de Providência, em novembro de 2011, que sediou um encontro com ex-militares em apoio ao brigadeiro Miguel Krassnoff, ex-chefe da DINA (serviço secreto da ditadura) e cumpre a pena de prisão perpétua por violações aos direitos humanos.

Reações políticas

Apesar de ter vivido recentemente um processo de discussão interna sobre o seu apoio ao golpe, a UDI, maior partido da direita chilena, liderou as críticas à nova proposta. O porta-voz da legenda, deputado Javier Macaya, classificou o projeto como “totalitário e baseado em ideias norte-coreanas”. E continuou: “talvez na China de Mao ou na Alemanha de Hitler pudéssemos ver algo similar”.

Por sua parte, o senador Iván Moreira, conhecido por ser um dos políticos mais próximos a Pinochet em seus últimos anos de vida, afirmou que apoiaria a proposta “se o outro lado também for punido, e acabemos com todas as homenagens a Salvador Allende nas ruas e avenidas do Chile”.

Já a professora Lorena Pizarro, presidente da AFDD (Agrupação de Familiares de Detidos Desaparecidos), elogiou a iniciativa e o fato de que o documento fala em proibir não só os nomes militares ligados à ditadura como também os nomes civis, como o do jurista e senador Jaime Guzmán, autor da Constituição de 1980, vigente até hoje. “O Chile vem relativizando o terrorismo de Estado desde o fim da ditadura, chegou a hora de estabelecer uma coerência na forma em que condenamos o que aconteceu”, comentou.

Fonte: Ópera Mundi.

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