Por Paula Guimarães
O Brasil pediu perdão às vítimas da ditadura no segundo dia do I Congresso Internacional dos Direitos Humanos. A Caravana da Justiça, realizada na tarde da última terça-feira (28/10), avaliou cinco pedidos de anistia política de vítimas que sofreram violências físicas e psicológicas durante o período do golpe militar no Brasil. É a terceira vez a Comissão de Anistia realiza a sessão pública itinerante em Santa Catarina, todas no Cesusc.
Antes de iniciar a sessão, o Coletivo Verdade, Memória e Justiça resgatou a história e os sentimentos dos atores sociais perseguidos durante a ditadura no Brasil numa apresentação cênica. “A gente quer viver a liberdade. A gente quer viver felicidade”, ao samba de Gonzaguinha, o público foi chamado a se juntar às personagens para cantar a liberdade.
De acordo com Paulo Abrão Pires Junior, Secretário Nacional de Justiça e Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o movimento nacional pela verdade, memória e justiça é uma agenda que aponta para a não repetição das atrocidades, cometidas pela ditadura, no futuro. “Nós temos muitos brasileiros que ainda não receberam a reparação econômica e moral. Ainda há muito que fazer em matéria de justiça de transição, e isso depende de forte mobilização social”, afirma.
Abrão lembrou que assim como no Brasil, os demais países latino-americanos sofreram ditaduras. Chile, Peru, Guatemala, El salvador e Argentina já estão avançando quando se trata de punição aos responsáveis. “E que isso nos una ainda mais. Deve ser construída uma zona livre dos crimes contra a humanidade. Essa é a luta que empregamos no nosso país. Esses crimes são imprescritíveis e não passíveis de anistia”, assinala.
A sessão
O relato feito pelas vítimas nos requerimentos foi lido pelos conselheiros. Na sequência, cada anistiando pode falar um pouco sobre a sua história e o que representava aquele momento. Ao final, os conselheiros fizeram sua avaliação sobre o deferimento ou não do pedido. Dos cinco processos, quatro foram deferidos. Um dos requerimentos foi indeferido por falta de documentação que comprovasse os fatos relatados. A cada deferimento, o anistiado era aplaudido de pé e recebia uma rosa amarela como pedido de desculpas do governo brasileiro.
Magno de Carvalho Costa foi o primeiro anistiado da Caravana. Ele viveu cinco anos na clandestinidade, mas ainda se considerava um clandestino pois aguardava o deferimento da anistia. “É um absurdo o que vivemos no Brasil com a impunidade de milhares de torturadores, depois de 50 anos do golpe. Bem diferente da realidade dos países que nos cercam. Aqui implantaram uma lei que anistia tanto quem lutou contra a ditadura quanto os responsáveis por ela. Hoje, os responsáveis não só continuam impunes, mas exercendo cargos públicos. O Brasil ainda paga caro por isso, com a tortura de jovens negros e pobres nas periferias”, afirma o anistiado.
Aristides Umbelino da Costa Junior estava muito emocionado ao relatar a perseguição que sofreu durante o período de exceção. Com 17 anos, ele foi preso por fazer parte do Movimento Novembrada no estado e sofreu tortura psicológica. “Quando fui preso, eu tinha a certeza de que esse dia (do pedido de desculpas) iria chegar”.
Eliete Barleze também ficou sensibilizada com a sessão e depois de muita emoção conseguiu falar. “Passa um filme na minha cabeça nesse momento. Só o fato de existir a Comissão da Verdade já é um grande avanço. Eu não fiz nada, sou só uma vítima. Eu não esperava que fosse assim, mas agora dá para acreditar na justiça. O povo está vendo toda essa realidade”, afirma.
A advogada Rosângela de Souza, integrante do Coletivo de Memória Verdade e Justiça de SC, lembrou que muitos colegas foram perseguidos e outros tantos lutaram em defesa dos perseguidos. “Só com justiça podemos impedir esse tipo de violação; que ainda acontece contra explorados e oprimidos na nossa sociedade. O Brasil tem que fazer justiça, a exemplo da Argentina e do que esperamos que aconteça no Chile”, opinou.
Para Marize Lippel da Comissão Estadual da Verdade, a luta pelo estado de direito torna-se ainda mais necessária para a memória nacional sobre a resistência. “Queremos o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia. Para que jamais se esqueça e para que nunca mais aconteça”, finalizou.
Fotos: Paula Guimarães e Ana Lucena