Por Douglas Belchior. Acompanhei os debates e entrevistas dos presidenciáveis, com especial atenção ao desta última quinta feira (02/10) na Rede Globo.
Tenho várias impressões sobre cada um dos candidatos e candidatas. Meu voto e apoio está definido neste primeiro turno – em Luciana Genro, do Psol. Poderia elencar aqui os motivos, mas quero me ater a algo que me provoca muito mais: a maneira como os candidatos e candidatas tratam (ou não) da questão racial no Brasil.
Ao fim do último debate, ficou muito forte uma impressão – agora constatação – que percebi nos discursos e não-discursos de todos eles e elas. E me lembrei de um dos textos de Jaime Amparo, quando cita Franz Fanon e recupera uma de suas ideias, sobre a impossibilidade negra no mundo social. Para Fanon, nós negras e negros habitamos uma zona chamada “a zona do não-ser”. Somos, por assim dizer, civilmente/socialmente mortos e é essa morte ontológica.
Foi assim que me senti, enquanto negro, diante da elaboração, das ideias, dos programas e do discurso partidário de todos eles e elas: Não sendo. Não existindo. Invisibilizado. E quando lembrado, estigmatizado.
Pergunto aos mais velhos: qual foi a última vez ou o último período em que o debate sobre racismo foi tão presente e evidente no Brasil? Talvez no auge do debate sobre cotas raciais há uns 10 anos? No centenário da abolição, em 1988? Na transição do trabalho escravo para o trabalho livre no final do século 19?
Nosso país tem sido sistematicamente denunciado pelo movimento negro e até pela ONU por seu racismo estrutural e institucionalizado. A mesma ONU que já orientou o Brasil a dar fim à policia militar por contra da prática violentamente racista de suas ações.
Para se ter uma ideia, só em São Paulo, de 2002 para 2011 houve um aumento de 24% de morte de jovens negros, um crescimento de 11.321 para 13.405. Com esse diferencial, a vitimização de jovens negros passa de 71% em 2002 para 237%. A violência nos três primeiros meses de 2014 em comparação a 2013 apresentou um aumento de 206% do número de pessoas mortas por policiais em serviço. 100 em cada 100 mil pessoas de com idade entre 19 e 26 anos morreram de forma violenta em 2012.
Negros são os principais alvos destas mortes: morreram proporcionalmente 146 vezes mais negros que brancos em 2012. No período entre 2002 e 2012 o índice de mortes negras em comparação com a de brancos, mais que duplicou. Entre 2002 e 2012, os homicídios que vitimaram jovens brancos caiu 32,3%, enquanto que os homicídios de jovens negros aumentou 32,4%.
Casos como o de Amarildo, DG, Douglas e Cláudia se reproduzem e ocupam o espaço do debate público; Os casos de racismo no futebol e a postura de super-ídolos do esporte mais popular do país polemizam o assunto; a maior rede de TV do país emplaca um programa de estigmatização racista e machista em pleno horário nobre; as redes sociais fervem; as manifestações e declarações racistas proliferam; a presidenta da república chega a convocar uma reunião para tratar do tema; os movimentos reagem e organizam uma marcha de denúncia do racismo e do genocídio que reune mais de 60 mil pessoas em todo país. E ainda assim não somos assunto! Não existimos no que diz respeito ao debate sobre o projeto de nação que os candidatos defendem.
Nenhum deles e delas colocou o racismo como tema a ser tratado. Nos discursos, o “negro” só apareceu quando se falou em segurança pública, violência, encarceramento e mortes e ainda assim, de maneira tímida, sorrateira e quase sempre através da candidata do Psol. Dilma, vidraça, gasta o tempo se defendendo e Marina, a única negra dentre todas e todos, tocou ainda menos no assunto. Eduardo Jorge, é verde. E os demais defendem explicitamente projetos racistas. Todos, eu disse todos os candidatos e candidatas, inclusive a minha, ou não abordaram ou só o fizeram com esse viés. E com muita timidez.
Ou seja, a população negra não existe do ponto de vista dos direitos sociais, humanos ou da economia. Assim como no senso comum, estão presentes no imaginário dos presidenciáveis, apenas no lugar de sempre: como alvo das armas do estado, seja no discurso da repressão, seja no discurso da reação: o lugar social do negro é o mesmo, sempre a partir da ótica do olhar branco.
Negros são a maioria do povo brasileiro, são maioria da classe trabalhadora e logo, a maioria da mão de obra de força produtiva do país. Por consequência, são maioria dentre os responsáveis pela geração da riqueza nacional aliás, como sempre foi, desde a invasão europeia. Mulheres negras são a maioria entre as mulheres brasileiras. E ainda assim, não há sequer referências às políticas de promoção da igualdade, que dirá quanto à reparação histórica e ao enfrentamento ao racismo e ao genocídio.
Nenhum partido e nenhum candidato a presidência, nesse sentido, nos faz sentir representados.
Uma lástima! Uma tristeza. E muita raiva.
Triste, mas verdade. O racismo brasileiro é foda!
É preciso enegrecer a política!
Foto: Reprodução/Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato