Mercado de trabalho melhorou nos últimos anos. O desafio é como garantir um crescimento que sustente essa expansão
Por Vitor Nuzzi.*
Os indicadores do mercado de trabalho nos últimos anos não deixam dúvida quanto à melhoria de cenário. O emprego formal, do qual se dizia estar em extinção nos anos 1990, se recuperou. Os salários cresceram acima da inflação. As taxas de desemprego, ainda que limitadas a algumas regiões metropolitanas, chegaram aos menores níveis históricos. Essas são as boas notícias. A questão, agora, é como garantir que esses avanços se sustentem. Isso passa, necessariamente, por crescimento, investimento e qualificação.
Nos três primeiros anos de governo Dilma, o Brasil criou 4,9 milhões de empregos formais. Só em 2013, foram 1,5 milhão, concentrados, principalmente, em serviços (559 mil) e administração pública (403 mil). O rendimento médio real, descontada a inflação, cresceu 3,18% em relação ao ano anterior. O avanço da renda é contínuo.
Se for considerado o período 2003-2013, que abrange os dois mandatos de Lula e o atual, são 20 milhões de vagas formais, entre CLT e estatutários. De 1995 a 2002 – gestão Fernando Henrique Cardoso –, foram 5 milhões. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, mostram ainda mão de obra mais escolarizada (1,1 milhão de empregos foram criados em 2013, entre trabalhadores com ensino médio completo) e madura (na faixa de 30 a 39 anos). Mas o ritmo do mercado formal caiu drasticamente nos últimos meses. Em julho, foram criados apenas 12 mil vagas.
Os números de pesquisas mensais do IBGE mostram taxas médias de desemprego em torno de 5% – no início da série histórica, a partir de 2002, essas taxas chegavam a 13%. No período mais recente, o nível baixo se manteve, principalmente, porque houve redução da procura de trabalho. Em outras palavras, menos gente procurou emprego, o que provocou menor pressão na taxa. Esse movimento também foi detectado na pesquisa feita mensalmente pelo Dieese e pela Fundação Seade. Segundo o coordenador de análise do Seade, Alexandre Loloian, o mercado vem “andando de lado”, embora continue exibindo resultados razoáveis.
A preocupação maior se concentra no setor industrial. Só em São Paulo, a estimativa da Federação das Indústrias (Fiesp) é de fechamento de 100 mil vagas este ano. Mas a entidade lembra que as dificuldades não são novas – a participação da indústria de transformação no PIB, hoje em torno de 13%, era de 25%, em média, no período 1973-1992. “Estamos falando de décadas, de muitos governos e muitas responsabilidades”, diz o diretor da Fiesp Paulo Francini.
Acordos
As negociações salariais têm assegurado reajustes acima da inflação, segundo mostra levantamento sistemático feito pelo Dieese. Em 2013, por exemplo, 87% de quase 700 acordos pesquisados tiveram aumento acima do INPC-IBGE. Foi menos do que em 2012 (95%) e com índices um pouco menores, em parte por uma pressão maior da inflação. Mas a tendência segue positiva.
Pelo último dado disponível, divulgado em agosto, 93% dos acordos no primeiro semestre deste ano tiveram ganho real – quase metade entre um e dois pontos percentuais acima do INPC. Para o Dieese, contribuíram para o bom resultado um ímpeto menor da inflação e a permanência do desemprego em níveis baixos. Para o segundo semestre, a expectativa também é de bons resultados, mas o técnico Airton Santos alerta para possíveis dificuldades no médio prazo. “O que está pegando no Brasil agora é o crescimento.”
O economista Cláudio Dedecca, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), considera que o país teve recomposição do segmento formal e evolução favorável da renda, especialmente pela política de valorização do salário mínimo. Por outro lado, não combateu alguns gargalos.
“Poderíamos ter realizado uma estratégia mais consistente em termos de nossa estrutura produtiva”, afirma o pesquisador. “Nós chancelamos um mercado de trabalho que tem um setor terciário exacerbado, um perfil de baixa qualificação e uma economia com baixo nível de competitividade.” Para ele, o Plano Brasil Maior, de política industrial, foi uma iniciativa correta, mas limitada. “Faltou clareza por parte do governo.” Além de planejamento estratégico, diz Dedecca.
Ele identifica um cenário mais difícil para o futuro. “Claramente nossa restrição em termos de emprego se ampliou. As dificuldades do mercado de trabalho refletem as da nossa estrutura produtiva. O setor terciário é insuficiente para dar sustentação a um crescimento mais robusto.” Para Dedecca, o Brasil não aproveitou um momento favorável, pré-crise. Poderia ter pensado mais em estratégias de médio e longo prazo, por exemplo. E elevar a qualificação da força de trabalho – nessa questão, considera que o sistema público de emprego que vinha se esboçando terminou “desmontado” por razões políticas.
Mas “não é o apocalipse”, acrescenta o professor, que identifica “posições conservadoras se armando em torno do mercado financeiro”. A implementação de medidas com esse viés embutiriam um risco de recessão. “Qualquer política conservadora vai significar menos crescimento.”
O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, vê como grande questão para o país a sustentação do crescimento. “E como esse crescimento rebate positivamente sobre o mercado de trabalho, que se expandiu nos últimos anos, além de já sentir efeitos positivos da redução da taxa de natalidade e da entrada mais tardia de jovens.” O economista atribui esse segundo movimento, entre outros fatores, à melhoria da renda familiar, que diminui a necessidade de outros membros da família ingressarem no mercado, e também à maior oferta de vagas públicas no ensino superior e técnico. Mas ele alerta que o país precisa se preparar, porque em algum momento parte da população economicamente ativa (PEA) tentará entrar no mercado de trabalho, o que exigirá maior abertura de vagas.
“A questão é como fazer o próximo passo”, diz Clemente. “Você não tem mais 40 milhões de miseráveis para colocar no mercado de consumo. Esse movimento não se repete. Colocar esses 40 milhões como trabalhadores qualificados leva mais tempo. Fazer isso é muito mais complexo.” É necessário, aponta, expandir a capacidade produtiva e manter políticas de transferência de renda. Nesse sentido, ele avalia que a política de valorização do salário mínimo trouxe “efeito virtuoso” para o mercado interno – e continua sendo fundamental pelo efeito de redução de desigualdades.
O diretor também identifica risco em caso de implementação de certas “opções políticas”, que se traduzem como “medidas impopulares” que possam atingir o mercado de trabalho. “Reduzir o custo do trabalho pelo salário ou ajustar a macroeconomia pela redução do emprego aumenta a demanda. Se a demanda não cresce, você não tem como sustentar o crescimento”, observa.
Três contra um
As centrais sindicais se queixam que o atual governo foi menos receptivo às reivindicações do que o anterior. Insistem no atendimento de itens considerados básicos, como a redução da jornada de trabalho e o fim do fator previdenciário. Mas segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), várias leis aprovadas no período recente garantiram avanços trabalhistas.
Levantamento do Diap cita diversas medidas em temas como teletrabalho, ensino técnico, aviso prévio, correção da tabela do Imposto de Renda, manutenção da política do salário mínimo, isenção de IR para pagamentos de participação nos lucros ou resultados (PLR) de até R$ 6 mil e combate ao trabalho escravo, entre outros.
Diretor do Diap, o analista político Antônio Augusto de Queiroz vê risco real de retrocesso se a bancada trabalhista no Parlamento não for ampliada. “Tem projeto de tudo quanto é gosto para prejudicar os trabalhadores. Esse é o grande desafio. A investida patronal a partir do ano que vem contra os trabalhadores será assustadora.” Hoje, a bancada empresarial é três vezes maior que a dos trabalhadores (273 parlamentares a 91).
Um dos temas que deve retornar “com força” ao debate é o Projeto de Lei 4.330, sobre terceirização da mão de obra. O PL é combatido pelos sindicalistas e visto como prioritário por entidades empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria.
*Da RBA
Fonte: Rede Brasil Atual