Por Leonardo Sakamoto.
Seria fabuloso se alguma seleção perdesse os pontos que conquistou em campo ou fosse desclassificada da Copa do Mundo caso sua torcida presente no estádio apelasse para a homofobia, transfobia ou racismo.
Isso teria o potencial de repercutir em partidas de campeonatos internacionais, nacionais ou regionais em todo o planeta pelos próximos anos e décadas.
É claro que esses crimes continuariam a acontecer e muitas federações ainda fariam vistas grossas ou mesmo dariam apoio de forma velada ao preconceito.
Mas seria uma indicação de que há coisas que não podem e não devem ser toleradas.
– Cadê minha liberdade de expressão?
– Ah, mas que radicalismo!
– Deixa o povo se divertir.
– É só brincadeira.
– É só futebol.
Não, não é só futebol. Porque futebol é grande demais para ser só futebol. É também espelho da sociedade que somos e farol daquele que desejamos ser. E quando futebol é palco para agressão da dignidade, não é apenas um determinado grupo, mas toda a sociedade que é atacada.
E não importa se são dez, cem ou mil que gritaram. Diante de homofobia e racismo, o silêncio por parte dos outros torcedores é sim conivência.
Comer banana jogada no estádio é uma reação válida para um jogador que sofreu uma agressão, mas não muda as coisas em escala maior. Pois não #somostodosmacados – lema que faz uma crítica vazia, funcionando muito mais como modinha oportunista do que ajudando na conscientização sobre as causas e as consequências do preconceito. Pelo contrário, #somostodosridículos.
Isso não ajuda a acabar com racismo, apenas coloca pó e base nele. Mas ajudaagência de publicidade a faturar um Leão em Cannes. E, transformado em hit, é ótimo para tentar vender saídas cosméticas para problemas estruturais.
Coisa que quem usa o discurso da mudança para manter tudo como sempre foi adora fazer.
Sabemos que dizer que alguém é “gay” ou “lésbica” em uma sociedade heteronormativa e machista pode carregar uma montanha de intenções negativas. O significado não é apenas a orientação sexual, mas todo um pacote de comportamentos fora do padrão que foram equivocadamente imputados a esses grupos ao longo do tempo.
O que não é aleatório, mas sim uma forma de separar o certo e o errado, o quem manda e quem obedece, ditados pelo grupo hegemônico. Como as piadas, que existem em profusão para rir de gays, travestis, negros, mulheres, terreiros, pobres, imigrantes e raramente caçoam de pessoas ricas ou famílias de comerciais de margarina na TV.
Torcedores de futebol, quando entoam coros chamando determinados jogadores de “bicha”, que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser “bicha” é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo.
Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o jogador (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo.
Fazendo um paralelo simples: um estádio inteiro gritando que um jogador negro é “negro” não é simples observação da realidade, mas quer passar um recado cuja intenção não é das melhores. Assume uma conotação diferente do significa original da palavra, com um significado bem distante de gritar que um jogador branco é “branco”. Pois sabemos bem que certas sociedades dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo é presente em muitos lugares.
Em resumo: se não sabe brincar, não vá ao estádio. Ou, estando lá, não abra a boca.
Foto: Reprodução.
Fonte: Geledes.