Moradora do Complexo do Alemão é condenada em tribunal militar

protesto-RJ_alemãoSTF recusou habeas corpus e anulação do julgamento da civil, condenada a 6 meses de prisão em regime aberto

Por Rafael Zanvettor.

O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou, no dia 13 deste maio, que compete à Justiça Militar processar e julgar uma civil acusada de desacato contra militares das Forças Armadas que participavam da ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Com a decisão, acabam as esperanças da moradora do Complexo, Lea Pereira de Souza, de ter um julgamento civil e reverter sua condenação.

Corte Militar

O duro percurso da moradora começou em 2011, ao ser autuada por desacato, quando, segundo consta na petição inicial, uma tropa que ocupava a comunidade teria pedido que ela abaixasse o som de uma festa que acontecia em sua casa. Ao se recusar, ela teria desacatado os militares. Em 2013, a moradora foi condenada a seis meses de pena, a serem cumpridos em regime aberto. O processo, disponível no Superior Tribual Militar, mostra que após a condenação, a defesa da moradora entrou com pedido de habeas corpus e alegou incompetência da Justiça Militar da União para julgar uma civil, mas o pedido foi rejeitado pelo SuperiorTribunal Militar (STM).

STF

A última tentativa da moradora foi recorrer ao STF, que julgou e também recusou o recurso no dia 13. Segundo informações divulgadas pelo STF sobre o processo, o relator do habeas corpus, Luís Roberto Barroso, afirmou que “Essa é uma exceção. Embora essa seja uma função atípica, é prevista em lei, e se as Forças Armadas estão em função de segurança pública, devem ter esta proteção institucional”. No documento que fundamenta a decisão final (leia aqui, baixando o PDF), o ministro relator, Joaquim Barbosa, afirma que o pedido foi recusado pois se “justificou a competência da Justiça Militar para julgar a ação penal de origem, sobretudo porque o “crime foi praticado por civil contra militares no exercício da preservação da ordem pública (art. 9, inc. III, alínea ‘d’, do Código Penal Militar)”.

Entulho da ditadura

O artigo mencionado pelo ministro Barbosa pertence ao Código Penal Militar (CPM), criado pela ditadura através de decreto-lei de 1969, e prevê o julgamento de civis dentro do conceito de “crimes militares, em tempos de paz”, no qual se enquadraria desacato. No período no qual foi redigido o CPM quem governava o País era a Junta Militar composta pelos ministros da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, que haviam tomado o poder e preparavam o terreno para o endurecimento do regime com a posse do general Emílio Garrastazu Médici. O código é considerado por muitos historiadores como parte do projeto da linha dura do Exército para limitar ainda mais as liberdades individuais e perseguir ativistas políticos.

A decisão, apesar de considerada legítima no Judiciário, traz à tona os problemas das “heranças” da ditadura até hoje presentes e atuantes, como é o caso do CPM.

Segundo afirmou à Caros Amigos o procurador regional da República, Marlon Weichert, “do ponto de vista das obrigações internacionais do Brasil é anacrônico que um civil possa ser processado por uma corte militar, fique o entendimento do direito internacional é que os tribunais militares devem ter um uso estritamente militar, disciplinar e julgar apenas militares”.

A reportagem tentou contato com a ré através da associação de moradores do Complexo, mas ainda não obteve sucesso.

Fonte: Caros Amigos.

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