Pela primeira vez conversas com governo colombiano avançam em pontos estratégicos para o fim do conflito
Por Vitor Taveira.
Em 27 de maio de 1964, um ataque do exército colombiano contra a região de Marquetália, onde camponeses armados desenvolviam uma zona independente do Estado, marca a criação das FARC (Forcas Armadas Revolucionárias da Colômbia). Cinquenta anos depois, a guerrilha mais antiga das Américas ainda se encontra ativa, apesar de negociar há pouco mais de um ano um acordo de paz com o governo colombiano em Havana, Cuba.
Três dos seis pontos em debate já foram acordados, referentes à questão agrária, à participação política e ao combate ao narcotráfico. “Agora há que discutir a saída deste conflito, o que inclui a reparação das vítimas, o acordo para entrega de armas e o estabelecimento dos mecanismos de referendar os acordos e dar início a uma nova fase de democratização”, afirma Carlos Medina, professor da Universidade Nacional da Colômbia e pesquisador da história das guerrilhas.
Depois de vários fracassos anteriores, analistas afirmam que os diálogos atuais são mais bem estruturados, com uma agenda clara e uma disposição declarada entre ambas partes. Antes, “as FARC reivindicaram a solução política desde que desaparecessem os problemas que originaram o conflito. O fracasso dessas negociações aconteceu pela negativa dos governos de turno, pressionados pela classe dominante colombiana, pelos EUA e pelo militarismo, em aceitar essas mudanças estruturais, como a reforma agrária e a abertura democrática. Se sentavam na mesa buscando que a guerrilha entregasse as armas em troca de nada”, critica Carlos Lozano, membro da direção nacional do PCC (Partido Comunista Colombiano) e diretor do jornal Voz.
A pressão de setores militares e da extrema direita liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe contra os diálogos de paz – especialmente no atual período eleitoral – é outro tema delicado. “Esperamos que o governo siga entendendo a necessidade de uma saída política e não ceda a essas forças”, diz Lozano, que acredita que a política de altos investimentos militares contrainsurgentes implementada nos oito anos de governo de Uribe debilitou, mas não pôde derrotar a guerrilha, o que revela o fracasso da via militar como solução do conflito.
Outra fragilidade apontada pelo líder comunista reside na incapacidade dos setores democráticos e progressistas de criarem uma frente ampla para a paz, que pressione por mudanças e exija que governo e guerrilha não se levantem da mesa de negociações até que o acordo pleno seja concluído.
Conquistas e apoio popular
Álvaro Villarraba, pesquisador do Centro Nacional de Memória Histórica, ressalta que, embora tenham o rechaço da maioria da população, as FARC possuem apoio especialmente entre “setores camponeses e sociais de áreas rurais remotas e urbanas deprimidas”, onde fazem parte da “base social”.
A falta de presença do Estado permitiu que guerrilha e paramilitares ocupassem esses espaços e impusessem seu controle militar, jurídico, político e econômico. “Quando o Estado consegue entrar e controlar essas áreas, mudam as relações de poder e o comportamento da população em relação ao ator armado que está lá. É muito difícil para a população se comportar de forma distinta ao ator de forca que atua em seu território”, diz o professor.
Carlos Medina acredita que um efeito positivo do movimento insurgente foi conseguir chamar a atenção do Estado para territórios antes esquecidos.
[Villarraba: FARC fazem parte da “base social”]
A criação das Zonas de Reserva Camponesa foram um avanço importante para o campo, na opinião de Lozano, que “não foram impostas pelas FARC mas se estabeleceram graças à organização e suporte político importante encontrado na guerrilha”.
O efeito da existência da luta armada para a esquerda democrática também gera opiniões distintas. Para Villarraba, os ativistas e movimentos sociais sofrem interferência da guerrilha e também estigmatização por parte dos paramilitares e agentes estatais, constituindo um fator de risco e um obstáculo para o desenvolvimento da esquerda democrática.
No entanto, para Lozano, se não fosse a existência do movimento insurgente, provavelmente o movimento popular e a esquerda democrática já haveria sido aniquilada pela violência política existente no país.
O deputado Iván Cepeda explica o apoio que os insurgentes possuem em certos territórios. “Para algumas populações, a guerrilha representou a resistência a políticas governamentais, como projetos de exploração da riqueza natural. Mas a guerra nunca será fator de desenvolvimento: ela é a destruição do entorno social e natural. Por isso, a Colômbia deve alcançar a paz por meio de um acordo dialogado”.
Causas do conflito
Segundo Cepeda, os dois principais fatores que levaram à criação das FARC e de outras guerrilhas ainda não foram resolvidos: reforma agrária e falta de liberdade política. “A Colômbia é um país com alto índice de desigualdade. Um por cento dos proprietários possuem 50% das terras. No outro extremo, há uma massa camponesa, indígena e de afrodescendentes que vive na miséria e ainda sofre com a expulsão de suas terras por conta da violência”, sublinha.
O outro ponto se relaciona com a biografia de Cepeda. Seu pai, Manuel Cepeda, era senador da República pela União Patriotica (UP), partido criado a partir de uma trégua entre o governo e as FARC, quando foi assassinado por paramilitares em 1994. A corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado colombiano como cúmplice do crime. Prestes a assumir o cargo de senador em julho, Iván vive sobre constantes ameaças.
Lozano corrobora a análise de Cepeda. “Essas causas não só nunca desapareceram como se aprofundaram ainda ao longo desses 50 anos por conta de uma classe dominante mesquinha que se negou a fazer estas reformas de caráter burguês, como a reforma agrária e abertura política para a participação das agrupações de esquerda”, afirma, relembrando o chamado “genocídio político” da UP, que teve entre 3 mil e 5 mil militantes assassinados nos anos 80 e 90, segundo estimativas.
A questão agrária e a participação política foram justamente os dois primeiros pontos discutidos na atual mesa de diálogo. Também já foi fechado o acordo sobre drogas ilícitas. Ainda estão pendentes outros três temas de ressarcimento das vítimas, da finalização do conflito e entrega de armas e da implementação, verificação e referendação dos acordos. Os pontos parciais já acertados só terão validade caso o acordo completo seja efetivado.
Para o dirigente comunista, o reconhecimento do caráter político dos movimentos insurgentes e sua inserção na política legal, deixando a luta armada, é fundamental. “As guerrilhas colombianas são uma realidade e precisam ser levadas em conta para as mudanças políticas, econômicas e sociais”, diz Lozano. “Uma lição que o país aprendeu em meio à tragédia e o horror da guerra é a necessidade de mudança, de democracia, da construção de um novo momento na vida nacional”, completa.
Fonte: Opera Mundi.