Por Marco Piva.
Fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br
No início do século XXI, o embate era nítido. De um lado, os defensores da globalização a qualquer custo; de outro, aqueles que acreditavam que “um outro mundo é possível”. Geograficamente, Davos, na Suíça, e Porto Alegre, no sul brasileiro, explicitavam a enorme distância entre essas duas ideias.
Quatorze anos depois, o Fórum Social Temático, uma atividade militante bianual, entre um Fórum Social Mundial e outro, acontece na mesma Porto Alegre, mas sem o mesmo comparecimento de outras edições, que agitavam corações e mentes mundo afora. Para se ter uma ideia, na edição de 2003, quando Lula marcou presença na condição de presidente eleito, o centro de imprensa credenciou mais de 2.300 jornalistas de diferentes veículos locais e globais. Hoje, as informações sobre o Fórum Social Mundial se resumem a sites e blogues ligados às questões que comovem os movimentos sociais e ambientais, mas carecem de ampla participação. A próxima edição do Fórum Social Mundial em 2015, na Tunísia, dirá se a articulação global mantem força suficiente para enfrentar os grandes temas mundiais.
Já Davos, parece ter crescido em número e importância. São quase 40 chefes de estado e de governo que darão o ar da graça nas montanhas geladas da Suíça, além de uma centena de CEOs das maiores multinacionais do mundo, especialmente do sistema financeiro. Dilma Rousseff é a segunda presidente brasileira a comparecer – sucede Lula, que pretendeu levar a Davos, em 2003, a mensagem de Porto Alegre.
Mas essa vitalidade de Davos, que ganha as páginas dos principais jornais e revistas de economia do planeta, tem mais a ver com a contradição de base que um encontro desse tipo promove. Alertados pela desigualdade galopante em boa parte do mundo, já há anos os organizadores se debruçam sobre estatísticas que, de alguma forma, sensibilizem os investidores e os donos do capital a mudarem suas estratégias de ganho total e permanente. Na prática, é uma espécie de cruzada para que governos e empresas entendam que pobreza não combina com desenvolvimento social e, a médio prazo, se pode estar produzindo uma bomba relógio global.
Não é à toa que até o Papa Francisco enviou uma mensagem aos organizadores pedindo que os participantes do Fórum reflitam sobre as consequências de um sistema injusto como o capitalismo. Já Dilma Rousseff vai falar sobre aquilo que acredita, ou seja, dos avanços sociais de seu governo e da mão sempre estendida para os investimentos externos. Aliás, apesar do tom pessimista que cerca os analistas econômicos em relação ao Brasil, repercutidos diária e incansavelmente pela grande imprensa verde-amarela, o certo é que o país não está tão mal na fita.
Com a palavra, Stephen Rose, diretor da LatinCo, empresa britânica que auxilia instituições europeias a investir no Brasil e presença constante em Davos: “O pessimismo com o Brasil é um pouco exagerado, mas investidores estão certos em questionar a capacidade do governo de trabalhar com a iniciativa privada. O problema maior é que todo mundo fala em pessimismo o tempo todo. Para as pessoas que estão interessadas em investir, que é o meu negócio, isso é o que fica”. Porém, ele acredita que os investidores internacionais estão abertos a mudar de opinião. “Eu acho que há o começo do sinal de mudanças. Há o começo de um pequeno otimismo no Brasil”, diz. “Há pessoas indo a Davos que pensam: ‘será que o pessimismo atual não é exagerado?'”.
Para Irene Mia, diretora de América Latina e Caribe da consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), “o fato de Dilma ir a Davos é bastante importante. É um sinal de um certo desespero do Brasil de dizer ao mundo que o país está aberto para negócios e que há bom potencial para investimentos. E sendo sincero, ainda há muitas oportunidades”.
Por outro lado, as expectativas criadas pelas grandes manifestações de rua de junho passado, parecem sonolentas diante da magnitude que alcançaram naquele momento onde tudo era possível de se reivindicar, à esquerda e à direita. Assim, a realização de um Fórum Social Temático revela que a sociedade civil e, principalmente, os movimentos organizados andaram mais devagar do que os organizadores de Davos, mais preocupados agora em buscar saídas onde ofereçam os dedos mas não percam as mãos. A mesma mão invisível do mercado.