Por Conceição Lemes.
Há três meses espantei-me. Sete dos 11 vereadores petistas da Câmara Municipal de São Paulo assinaram projeto de coronel Telhada (PSDB) para homenagear a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Todos na contramão da história do partido em defesa dos direitos humanos e da luta contra a ditadura.
Pois neste domingo levei outro susto. Nesta segunda-feira 10, a Câmara Municipal concederá o título de cidadão paulistano a Joseph Blatter, presidente da Fifa, durante audiência pública sobre a Copa do Mundo e as projeções para a cidade de São Paulo.
O projeto é de autoria do vereador Reis, do PT, que, entre outras justificativas, diz:
Joseph Blatter, um dos mais versáteis e experientes nomes da diplomacia esportiva internacional, tem um compromisso total com o trabalho pelo futebol, pela FIFA e pelos jovens do mundo inteiro. Ciente das realizações do suíço, o Comitê Olímpico Internacional o nomeou como o seu 104º membro durante a 109ª sessão do organismo, em Seul, em 20 de junho de 2007.
Há muitos anos, o suíço vem se envolvendo em uma série de projetos humanitários, já que acredita que o futebol também tem uma grande responsabilidade diante da sociedade.
Bem, atentem ao convite, distribuído pelo próprio vereador Reis. Vários parlamentares do PT participarão do evento.
Da mesa prevista para a homenagem a Blatter, estará José Maria Marin, atualmente presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Um insulto à Comissão da Verdade da Casa — Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog.
Marin, segundo a Frente Nacional de Torcedores, é o mentor da prisão do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em outubro de 1975, nas dependências do DOI-Codi, à rua Tutoia, São Paulo.
Marin, então deputado estadual pela Arena, o partido da ditadura, era conhecido por proferir discursos inflamados contra a esquerda.
O mais notório foi publicado em 9 de outubro de 1975 no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Marin subiu à tribuna para criticar a ausência da TV Cultura na cobertura de evento da Arena e pedir providências do Estado contra a TV Cultura, “a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nessa casa, mas principalmente nos lares paulistanos”.
Esse discurso é conhecido como uma das causas que levaram à prisão e morte do Vlado, como era chamado pelos colegas, que na época o Jornalismo da TV Cultura.
“Marin não apenas incitou ações de violência contra os jornalistas que se opunham à ditadura brasileira, como também pediu o reconhecimento do exemplar trabalho executado pelos torturadores, sequestradores e assassinos daquele período”, observa o também jornalista Ivo Herzog, filho de Vlado, em texto publicado aqui.
Ironicamente, há 13 dias, a mesma Câmara Municipal, que agora faz salamaleques a Marin, ouviu na sua Comissão da Verdade o depoimento de Silvaldo Leung Vieira, autor da emblemática foto de Vlado morto.
Uma imagem forjada – Herzog com os pés no chão e as pernas dobradas — com o objetivo de provar que o jornalista, militante do Partido Comunista Brasileiro, havia cometido suicídio.
O efeito, porém, foi inverso: a foto virou um instrumento de denúncia das torturas na ditadura militar. Foi uma das primeiras provas anexadas aos processos que, na Justiça, iriam demonstrar que o suicídio fora forjado para ocultar torturas, a causa real da morte.
“Não me senti cúmplice, mas me senti muito mal”, disse Vieira, santista radicado em Los Angeles (EUA), que se arrepende do que fez. “Eu poderia ter sobrevivido de outras formas.”
Vieira teve certeza, desde o início, que não se tratava de “encontro de cadáver”, como os militares do DOI-Codi disseram, e sim de uma cena montada, e comentou isso com colegas e familiares na época.
Segundo Vieira, desde o início, os militares deixaram claro que se tratava de uma tarefa sigilosa, tanto que ele não pode se movimentar pela sala em que estava o corpo do jornalista, nem fotografar outras dependências do DOI-Codi.
A propósito. Já que Marin estará na Casa, que tal a Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog chamá-lo para depor sobre a morte de Vlado?
Fonte: Viomundo.