Carta aberta à população de Santa Catarina


    Sobre os grandes empreendimentos projetados e em apoio à Campanha de amor à Ilha de Santa Catarina

    Durante os dias 13 e 14 de outubro de 2010, nós professores/as,
    pesquisadores/as e estudantes das universidades catarinenses (UDESC,
    UFSC, UNISUL, UNIVALI), nos reunimos com participantes de movimentos
    comunitários, pescadores, maricultores, ambientalistas e cidadãos
    preocupados com o futuro da cidade e do estado, no III Seminário
    InterUniversitário para discutir diversos aspectos relacionados ao
    Projeto de Construção do Estaleiro OSX (Grupo Empresarial do
    bilionário Eike Batista) em Biguaçu, bem como ao Projeto da Fosfateira
    no município de Anitapólis (SC), vinculado hoje ao grupo da empresa
    Vale do Rio Doce.

    O encontro reuniu cerca de 500 pessoas, dentre as quais pesquisadores
    das áreas de biologia, oceanografia, sociologia, geografia,
    arquitetura e urbanismo, direito, jornalismo, serviço social,
    antropologia, entre outras com o objetivo de conhecer mais
    profundamente os dois projetos (Fosfateira em Anitápolis e Estaleiro
    OSX em Biguaçu) e os possíveis impactos ambientais, sociais e
    econômicos que poderiam gerar.

    Chegamos à conclusão que a situação é muito grave e que temos que unir
    todos os esforços para que enfrentemos esta situação, pois as
    consequências, mesmo em curto prazo, serão irreparáveis para todo
    território catarinense.

    É importante esclarecer que quando empresas propõem projetos de grande
    monta, como estes é obrigatório a elaboração de Estudo de Impacto
    Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA esclarecendo
    os impactos e as formas previstas pela empresa para amenizá-los.

    No caso destes dois empreendimentos a mesma empresa, CARUSO JUNIOR,
    foi contratada para a elaboração dos mencionados estudos. Ambos os
    relatórios afirmam a viabilidade dos projetos e que estes  não
    causariam grandes impactos ambientais nas regiões onde se instalariam.

    No Seminário mencionado, ao contrário dos Relatórios da empresa,
    constatamos várias irregularidades técnicas contidas Relatórios com
    estudos que contradizem as conclusões dos EIAs-RIMAs.

    Em primeiro lugar, é fundamental mencionar o parecer elaborado pelo
    Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) –
    órgão federal de proteção ao meio ambiente, que desaconselha a
    autorização para construção do empreendimento. Resulta curioso que um
    dos técnicos que elaborou este Relatório foi destituído do seu cargo,
    exatamente porque o Relatório do ICMBio contraria o Relatório da
    Empresa de Consultoria contratada pelo Estaleiro OSX. Repudiamos
    energicamente este fato no seio de um órgão federal.

    Em segundo lugar, no seminário foram apresentados pareceres técnicos,
    elaborados de forma independente por pesquisadores capacitados que
    mostram que os Relatórios da empresa Caruso Junior apresentam lacunas
    e erros gritantes. No relatório referente ao projeto de estaleiro, por
    exemplo, foram catalogadas 52 espécies de peixes que viveriam na
    região afetada pelo empreendimento. Destas espécies, 47 foram escritas
    com nomes errados, duas são típicas de água doce (que sequer vivem em
    águas salgadas como a da região onde o Estaleiro pretende se instalar)
    e não constam peixes como a Anchova, tão comuns nas mesas dos
    pescadores e dos moradores da região.

    No caso da Fosfateira de Anitápolis um parecer técnico elaborado pelo
    Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Tubarão e Complexo Lagunar, em
    suas conclusões listou 14(quatorze) motivos pelos quais entende que o
    projeto não deva ser licenciado identificando inúmeras inconsistências
    no Estudo de Impacto Ambiental. Entre os vários pontos que
    considerados críticos no empreendimento, podemos citar a
    interferência/impactos no leito do Rio dos Pinheiros, causado pela
    modificação do seu curso em função de barramento antrópico, seja pela
    barragem de captação de água ou pelas barragens de rejeitos que são
    projetadas para serem executadas a partir, inclusive, do eixo do Rio
    dos Pinheiros, tendo seus lagos/lâminas d’água e de rejeitos cobrindo
    ou atingindo suas margens em uma grande extensão de área de vegetação
    nativa. Esta seria  sumariamente suprimida, o que culminaria em
    diversos impactos de grande relevância em que afetariam, caso
    implantado o projeto,  significativamente as propriedades físicas,
    químicas e, por consequência, alterações biológicas com reflexos
    negativos para a saúde humana. .

    Na defesa destes empreendimentos é destacada a possibilidade de gerar
    desenvolvimento e empregos para a região onde se instalam. Entretanto,
    estas promessas – os maiores atrativos para convencer à população
    devem ser  muito bem contextualizadas e analisadas criticamente.

    No caso do Projeto do Estaleiro OSX , cerca de  12.500 pessoas ,
    segundo dados da EPAGRI , vivem hoje, da pesca e da maricultura, no
    litoral,destas, 3500 diretamente,  assim como outros tantas famílias
    de agricultores vivem da agricultura ecológica e do eco-turismo. Estas
    pessoas teriam suas ocupações ameaçadas, bem como sua qualidade de
    vida e cultura modificadas drástica e irreversivelmente.

    As políticas públicas e as decisões dos governos local, estadual e
    federal deveriam em sua essência proteger/salvaguardar os empregos e
    ocupações já existentes assim como o nosso patrimônio ambiental, como
    manda a constituição. Ao mesmo tempo, deveriam estimular o bem estar
    de toda a população, em respeito a sua cultura e a sua identidade.

    No entanto, o que vemos no caso da Fosfateira e do Estaleiro OSX são
    medidas gestadas pelo Estado com objetivo único e exclusivo de atender
    e defender aos interesses empresariais, desconsiderando os interesses
    coletivos da população local. Os grandes empreendimentos passam por
    cima de toda a legislação, contando com apoio do sistema político para
    alterar Códigos e Leis, revelando a desigualdade no tratamento de
    mega-empreendedores e pequenos produtores familiares. É revelador
    neste ponto o fato de que, na área afetada pelo estaleiro, anos atrás,
    foi negada a permissão de pesca artesanal, em razão de ser esta uma
    área de proteção ambiental.

    Restou evidenciado no seminário que as comunidades agricultoras,
    pescadores, maricultores e os moradores das regiões diretamente
    atingidas não foram consultados de forma correta e adequada, com amplo
    conhecimento dos impactos e das implicações das obras, como sugerem as
    leis de Planejamento Urbano, desconsiderando os saberes tradicionais e
    os direitos culturais que estas comunidades detêm e que as
    caracterizam.

    Neste sentido, é necessário contestar a forma autoritária, apressada e
    enganosa com que o processo está sendo conduzido pelos órgãos
    competentes do poder público. Não é possível concordar com isto: é
    fundamental que a sociedade decida seu futuro, de forma participativa
    fundada em estudos científico-técnicos, nos conhecimentos tradicionais
    dos moradores e na prudência no uso dos recursos naturais.

    Chamamos atenção para o fato de que está em curso no litoral de Santa
    Catarina o Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro elaborado
    também por uma empresa de consultoria, a AMBIENS, em conjunto com a
    Secretaria Estadual de Planejamento de Santa Catarina. Este tem como
    finalidade elaborar o Diagnóstico Ambiental do litoral catarinense a
    ainda o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro – ZEEC. Os resultados
    técnicos destes produtos são de natureza amadora, tecnocrática e de
    qualidade duvidosa, pois não refletem a realidade socioambiental e
    econômica da zona costeira de Santa Catarina. Os relatórios
    apresentados pela empresa possuem dados defasados, inconsistentes e
    com qualidade técnica analítica e interpretativa inexistentes. O mesmo
    não possui visão de longo prazo e não traduz os anseios da sociedade
    costeira catarinense, pois a proposta do Zoneamento Costeiro é baseada
    num sistema de participação manipulativa, passiva e funcional.
    Coincidentemente, para o litoral Central de Santa Catarina o
    zoneamento referenda para o município de Biguaçu a instalação do
    estaleiro por meio da criação de uma Zona Portuária e Retroportuária
    baseada somente no Plano Diretor de Biguaçu, sendo este instituído em
    2009, ou seja, durante a execução do EIA do estaleiro OSX no
    município. Nos produtos apresentados pela empresa AMBIENS sequer
    existem análises estratégicas sobre os impactos sociais, ambientais e
    econômicos em escala local e regional decorrentes de empreendimentos
    de grande porte, como é o caso do estaleiro OSX. Destaca-se que a
    qualidade dos produtos da empresa AMBIENS também é estendido para todo
    o litoral de Santa Catarina. Portanto, é necessário exigirmos
    urgentemente transparência, seriedade técnica e democratização na
    gestão do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (GERCO)
    transformado hoje, infelizmente, antes em uma espécie de empresa de
    promoção de investimentos, do que em um instrumento de planejamento
    criterioso dos recursos naturais do litoral do Estado.

    É fundamental, no caso de Florianópolis, a retomada do processo do
    Plano Diretor Participativo e da discussão aprofundada acerca do uso
    da costa, das águas e dos recursos econômicos, culturais e ambientais
    afetados pelos empreendimentos propostos.

    Acreditamos que existem outras formas de gerar trabalho e desenvolver
    um estado como Santa Catarina. Manter os empregos gerados hoje já é
    uma das maneiras de preservar a cultura e a identidade locais. Não
    precisamos de projetos que beneficiam uma minoria e que desconsideram
    a população local e suas atividades. Não precisamos de empresas que
    querem somente tirar seus lucros e quando estes diminuem, simplesmente
    mudam-se de lugar num piscar de olhos, deixando para trás um rastro de
    problemas que terão que ser administrados por nosso filhos e netos.

    Não há medidas compensatórias que possam diminuir o impacto destes
    projetos! Somos, por tudo isso, contrários a instalação do estaleiro
    OSX, em Biguaçu, bem como da Fosfateira, em Anitápolis.

    Temos hoje, elaborado pelas mãos da população no processo do Plano
    Diretor Participativo, propostas de desenvolvimento econômica,
    cultural e ambientalmente sustentável, onde o crescimento econômico
    seja posto a serviço da sociedade. É necessário garantir os espaços
    que viabilizam a participação popular nos municípios, nas áreas
    costeiras, nas unidades de conservação.

    Temos cientistas, técnicos, pesquisadores verdadeiramente preocupados
    com os destinos sociais de seus saberes, e comprometidos com as
    propostas de desenvolvimento com preservação da qualidade de vida e da
    preservação do meio ambiente.

    Queremos que as autoridades que estão à frente dos poderes públicos
    apóiem projetos de desenvolvimento do Estado guiados não por
    interesses imediatos, mas por interesses maiores de um futuro
    sustentável que nasce das mãos do povo catarinense pensando nas
    futuras gerações.

    Comitê InterUniversitário  de pesquisadores  e docentes da

    UDESC, UFSC, UNISUL, UNIVALI

    Imagem: ecoblogconsciencia.blogspot.com

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.