Mães de todas as cores piam (nos ninhos e na parada LGBT). Por Vanessa Ibrahim.

Por Vanessa Ibrahim.

A semana começa com o dia abrindo seus olhos enquanto um passarinho fechava os seus pela última vez, após a queda no canteiro de espécies exóticas do residencial. Nesta janela que ontem ouviu festa, hoje todas as aves do mundo parecem cantar adeus.

Os pais já tinham se despedido no dia anterior, fui testemunha dos olhares perdidos no ninho. A mãe ainda desceu, rondou em busca de alimento ou respostas. Mas quando caiu a noite deve ter sido convencida a partir, sobreviver. Não sem receber meu julgamento ao encontrar sua filha convalescendo – uma menina – assim me garantiu a minha mais nova. Juntas aquecemos, oferecemos um ninho adotivo e tentamos como último recurso uma oração. Porém, não há palavras suficientes para reter uma aurora.

Acordei com um ronco no útero para flagrar a morte sob a penumbra. Quando o sol se instalou definitivamente no céu, eu me perguntei, com o pequeno corpo nas mãos, para onde voam as almas e as mães.

Na véspera, ouvira uma mãe defender o direito à vida dos filhos homossexuais, empunhando um microfone em frente a milhares de pessoas. “A gente vê vocês saindo de casa sem saber se irão voltar”. As bandeiras coloridas flamejavam e meu coração apertou como minhas mãos ao guidão da bicicleta, pensando nos tantos ninhos vazios. Lembrei daqueles que oprimem e matam, cujos ouvidos poderiam ser atingidos também por aquelas palavras maternas, ainda que buscassem refúgio nas paredes do apartamento, da igreja da esquina ou do quartel ali na outra quadra. A fugaz proteção dos porões que já ouviram tantas outras mães torturadas, como a que viu o filho crucificado e para quem rezamos ontem à noite. Ou aquela a quem o filho dedicou livro e filme campeão de bilheteria, que lutou pela memória do marido assassinado pela ditadura e morreu sem memória. Marias.

As mães piam do alto dos galhos, dos trios elétricos, das telas de cinema. Ainda que o canto se perca entre os barulhos da manhã apressada pelos ônibus que já começaram a circular. Eu perdoo aquela que não pôde velar com a força da outra que está levantando para deixar o filho na creche e trabalhar nesta segunda-feira. Oculto o cadáver com pena da infância que ainda sonha com o natal, choro escondido como Eunice e pio sobre estas linhas prometendo que ainda é possível voar.

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