Fascismo incultural. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

No livro “A filosofia explica Bolsonaro”, o professor Paulo Ghiraldelli Júnior aponta que, apesar de não existir o chamado “marxismo cultural”, há outro movimento, numa tendência ideológica oposta, em que estão os seguidores de Olavo Carvalho, entre outros grandes “pensadores contemporâneos”. Trata-se do “fascismo incultural”.

Diferentemente de outras épocas, em que os conservadores mais radicais, a despeito de suas ideias distorcidas e preconceituosas, pelo menos tinham certo apreço pelo conhecimento e pelos livros; no presente contexto, os adeptos do fascismo incultural são inerentemente anti-intelectuais. E, o que é pior, têm orgulho disso. Não têm o mínimo pudor em demonstrar sua estupidez em público.

Eles querem que seus preceitos e devaneios dominem todos os âmbitos da vida pública. Assim, fazem exatamente aquilo que acusam a esquerda: buscam a hegemonia total. O projeto do fascismo incultural para o Estado brasileiro é implantar uma ditadura fundamentalista neopentecostal (naquilo que conhecemos por teologia do domínio). Ironicamente, nessa lógica, religiosos que realmente colocam em prática os ensinamentos dos Evangelhos, como o padre Júlio Lancellotti, são perseguidos. Em contrapartida, vendilhões do templo, pneus de caminhão e um falso Messias são idolatrados.

Nas relações internacionais, o objetivo do fascismo incultural é a completa submissão aos Estados Unidos e a aproximação com Israel, um “país cristão como nós”. O fato de os judeus não aceitarem Jesus como o Messias, é claro, não vem ao caso. Isso é questão de opinião! Também há o combate ao globalismo, projeto de dominação global comando pelo anteriormente citado marxismo cultural.

Um dos principais mantras do fascismo incultural é a “defesa da liberdade”. Mas isso não significa defender direitos democráticos da população ou a liberdade de expressão de adversários políticos, pois não raro há tentativas de calar posicionamentos contrários. A “liberdade”, nesse caso, é a liberdade de agredir física e verbalmente qualquer mulher, negro, indígena, pobre, homossexual ou esquerdista.

Já a cosmologia do fascismo incultural é bem simples; está calcada na revelação daquilo que a Nasa e outras agências espaciais tentam esconder do cidadão comum: a Terra é plana. Aliás, lembrando o que foi dito há pouco, conhecimento é questão de opinião; não de estudo (haja vista que fascismo incultural é sinônimo de ódio à universidade, aos livros e ao pensamento crítico).

Vacinas não são eficientes. É minha opinião! Cloroquina pode ser usada para tratamento precoce da Covid-19. É minha opinião! O novo coronavírus foi criado pela China para dominar o mundo. É minha opinião! Nazismo é de esquerda. É minha opinião! A Venezuela é uma ditadura comunista. É minha opinião!

Para o sistema de ensino, o modelo ideal do fascismo incultural é escola cívico-militar, onde não há ideologia de gênero, pedagogia petista de Paulo Freire, doutrinação comunista, banheiro unissex, distribuição de kit gay e mamadeira erótica, teoria da evolução ou qualquer outro tipo de pensamento cientificista. Desse modo, podem ser transmitidos apenas os valores da tradicional família cristã brasileira, ou seja, qualquer tipo de preconceito contra alguma minoria.

Manifestações de fascismo incultural também podem ser encontradas em frente a quartéis país afora, reuniões de pessoas com a camisa da CBF, para-brisas de caminhões, congressos de conservadores, algumas motociatas, movimentos de jovens “liberais”, na redação de um conhecido grupo de comunicação paulista e cultos onde fiéis fazem arminhas com as mãos.

Porém, o espaço privilegiado do fascismo incultural, como não poderia deixar de ser, é o grupo de WhatsApp, onde é produzido seu principal combustível: as fake news. Por lá não há limites para a ignorância humana e o patriota pode se manter “bem informado”, sem as manipulações da extrema imprensa comunista, como a Foice de São Paulo e Globo Lixo.

Bolsonaro fez a transposição do Rio São Francisco. A última eleição presidencial foi fraudada para que o mito não fosse eleito. Vivemos em uma ditadura comunista. Lula morreu e um sósia governa o Brasil. O PT fechou igrejas. Petistas infiltrados atacaram as sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023. A cantora Lady Gaga é funcionária do Tribunal Penal Internacional de Haia. Há plantações de maconha em universidades públicas. Israel cancelou contrato para fornecimento de aparelho contra o câncer depois da fala de Lula comparando as ações sionistas em Gaza com a matança de judeus por Hitler. Os terroristas do Hamas decapitaram quarenta bebês. E por aí vai! Haja viés da confirmação.

Infelizmente, como aponta o dito popular, tudo isso seria muito cômico, se não fosse demasiadamente trágico.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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