Por Fernanda Forgerini, Opera Mundi.
A abertura de inquérito da Polícia Federal, contra Breno Altman, jornalista e fundador de Opera Mundi, parece ter bastidores contraditórios. A decisão tomada pelo procurador Maurício Fabretti, do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP), requerendo essa medida, atropelou entendimento anteriormente fixado por sua colega Cintia Melo Damasceno Martins, do Rio de Janeiro, ordenando o arquivamento de investigação com igual teor.
O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ), em 16 de outubro de 2023, registrou manifestação do empresário Thiago Costa Mourão, denunciando “discurso de ódio e racista por parte do jornalista Breno Altman contra os judeus, chamando-os de ratos, clara alusão ao nazismo”, conforme consta da Notícia de Fato 1.30.001.004703/2023-15. A suposta prova desse episódio seria uma postagem do jornalista na rede X, ex-Twitter, com a seguinte afirmação:
“Podemos não gostar do Hamas, discordando de suas políticas e métodos. Mas essa organização é parte decisiva da resistência palestina contra o Estado colonial de Israel. Relembrando o ditado chinês, nesse momento não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos”.
Procurado por Opera Mundi, o reclamante, de 37 anos, afirmou não ter vínculo com a CONIB e que fez a denúncia contra o jornalista por entender que havia “teor antissemita” na postagem citada.
O acusado esclareceu, por diversas vezes, que o provérbio chinês serviu como alegoria sobre o papel do Hamas na insurgência contra o colonialismo israelense: apesar das críticas que se possa ter a essa organização, segundo o jornalista, seria inegável seu protagonismo no conflito.
De origem judaica, com vários ascendentes assassinados pelo regime nazista, Altman rechaça a comparação com a propaganda dos seguidores de Hitler: “não passa de manobra para carimbar como antissemita qualquer crítica ao sionismo e ao Estado de Israel”.
Pedido de arquivamento
No dia 31 de outubro, a procuradora fluminense rechaçou a abertura de investigação, concluindo que o jornalista não teria cometido qualquer crime de racismo. “A discriminação preconizada na norma penal guarda relação com o objetivo de anular ou restringir direitos humanos e liberdades fundamentais nos diversos campos ou domínios da vida em sociedade, o que não se configura no trecho postado por Breno Altman”, segundo está escrito em documento intitulado “Promoção de arquivamento”, PR-RJ-Manifestação-43731/2023.
Cintia Martins ainda destacou que “o autor da referida postagem utiliza-se de uma metáfora […], de forma que o termo ‘ratos’ não é atribuído como característica a determinado indivíduo ou raça, mas sim parte de um ditado popular, conforme o próprio autor da postagem pontua”. Seu despacho finaliza “pela necessidade de não requisitar a instauração de inquérito policial neste caso, visto que está ausente o dolo do jornalista Breno Altman. Não estando evidente esse dolo, torna-se afastada a tipicidade do crime de racismo previsto na Lei 7.716/1989. Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal o devido arquivamento do presente feito, em consonância com o artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal”.
Segundo a lei processual penal brasileira, ocorrendo o arquivamento da investigação pelo Ministério Público, seguido de homologação judicial, apenas um órgão colegiado revisional da própria Procuradoria-Geral da República poderia determinar o seguimento do inquérito, com a designação de um novo procurador.
Acusação repetida
A CONIB, porém, mesmo com o pedido de arquivamento da investigação no Rio de Janeiro, apresentou ao MPF de São Paulo, no dia 7 de novembro, uma notícia-crime sobre os mesmos fatos, além de protocolar medida cautelar na Justiça Federal do estado demandando a suspensão das mídias sociais do jornalista e, “sob pena de prisão”, sua proibição de “participar em lives, vídeos ou manifestações que tenham o mesmo cunho e objetivo de intolerância”.
O procurador paulista sorteado para o caso, Maurício Fabretti, solicitou ao juiz Silvio Gemaque, no dia 21 de novembro, a remessa dos autos, do Rio de Janeiro para São Paulo, com o intuito de averiguar a competência, o que foi deferido um dia depois. Agindo com presteza, obteve a transferência do processo antes que a Justiça Federal do Rio homologasse a decisão da procuradora que tinha refutado a investigação.
Segundo o advogado criminalista Rômulo Garzillo, porém, por conta da nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal brasileiro, o arquivamento de uma investigação criminal não mais dependeria de homologação judicial.
A Opera Mundi, Garzillo afirmou: “quando há o arquivamento pelo MPF, somente se pode rediscutir o caso se houver novos fatos ou elementos de prova a serem apurados”. No caso da notícia-crime contra o jornalista, a organização israelita utilizou os mesmos fatos, sem novos elementos probatórios, para abrir nova investigação em São Paulo.
“O argumento de que não houve homologação ainda, e que então o juiz poderia reabrir a investigação, não prospera. Quem dá a última palavra sobre o arquivamento é sempre o MPF”, explica o advogado. “Somente havendo recurso da vítima ou do representante legal, no prazo de 30 dias, o colegiado do MPF poderia decidir pelo desarquivamento.”
Nesse sentido, ainda de acordo com Garzillo, o juiz que liberou a remessa de cópias dos autos do Rio de Janeiro poderia, “no máximo, havendo alguma teratologia [decisão absurda, que contraria a própria lógica do ordenamento jurídico, fere mortalmente o bom senso e despreza as normas jurídicas estabelecidas], remeter os autos já arquivados para reanálise do órgão ministerial.”
Para o criminalista, medidas de controle sobre arquivamento são de competência do Ministério Público, e não do Poder Judiciário. A decisão de mudar o foro do caso de Breno Altman, no entanto, não passou por nenhum colegiado do Ministério Público, o que poderia representar um trâmite irregular.
Cautelar encampada
Com os autos transferidos, de toda maneira, no dia 27 de novembro o procurador Fabretti, em nome do Ministério Público, encampou a medida cautelar, substituindo a CONIB, já que a entidade não tem legitimidade para esse tipo de procedimento legal. Mas endossou apenas parte dos pedidos, reconhecendo que “a suspensão das contas do requerido […] seria providência que afetaria de forma exagerada a liberdade de expressão, […] podendo caracterizar até mesmo uma censura prévia”. Contrariando a procuradora fluminense, no entanto, requisitou à PF a instauração de inquérito policial contra o jornalista.
Em 29 de novembro, a juíza substituta da 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Maria Carolina Akel Ayoub, declarou-se competente para apreciar o caso. Determinou, em seguida, às plataformas X (ex-Twitter) e Meta, a retirada de postagens escritas por Breno Altman.
O jornalista, que não foi ouvido em nenhuma das etapas até agora ou sequer intimado, recebeu e-mail da rede X, no dia 22 de dezembro, informando que a Polícia Federal havia requisitado seus dados para abertura de inquérito policial.