Solidariedade e olho vivo na crise econômica, política e social da Argentina. Por José Álvaro Cardoso

O candidato da extrema direita propõe converter o Banco Central argentino (BCRA) em uma espécie de filial do Banco Central estadunidense. Uma das principais propostas do candidato é dolarizar completamente a economia argentina e - palavras suas - o Banco Central.

Imagem: Javier Milei, candidato da ultradireita na Argentina. (Yahoo foto).

Por José Álvaro Cardoso.

Em pleno processo eleitoral, a Argentina atravessa grave crise econômica e político-social. O índice de preços ao consumidor apresentou crescimento de 12,7% em setembro, em relação a agosto, segundo informações do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), desta quinta- feira, 12. Em 12 meses a inflação chegou em 138,3%, em um preocupante processo de espiral de preços (a alta anual de agosto foi de 124,4%). Nesta
semana, a cotação do dólar blue, o câmbio paralelo, que serve de referência para transações no cotidiano da economia, superou os 1.000 pesos pela primeira vez.

O processo de desvalorização da moeda nacional está sendo extremamente abrupto, especialmente nas últimas semanas. A crise inflacionária é muito forte, a dívida do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI) é muito expressiva, e a seca, registrada como a maior da história, fez a Argentina perder 20% do valor das exportações neste ano.

Como se tudo isso fosse pouco, o candidato da extrema direita, Javier Milei, o grande vencedor da PASO, vem aparecendo bem nas pesquisas, juntamente com o candidato peronista, Sérgio Massa. O candidato da extrema direita propõe converter o Banco Central argentino (BCRA) em uma espécie de filial do Banco Central estadunidense. Uma das principais propostas do candidato é dolarizar completamente a economia argentina e – palavras suas – o Banco Central. Além disso, Milei tem sinalizado que, se eleito, vai acabar com todos os direitos sociais e trabalhistas da população.

O acirramento da corrida por dólares nesta semana, inclusive, teve como fator imediato uma entrevista do candidato, na segunda-feira, 09, na qual afirmou que o peso “é uma moeda que não vale nem excrementos, esses lixos não valem nem como adubo”. O candidato tem como carros chefes de seu programa de governo liquidar o peso e dolarizar a economia, isto é, tornar o dólar a moeda oficial da Argentina. A proposta esbarra num detalhe nada trivial: a Argentina não tem dólares, justamente por isso tem um grande endividamento com o FMI, contraído no governo, de Maurício Macri.

O empréstimo com o FMI tomado originalmente pela Argentina durante o governo de Macri foi de US$ 57 bilhões, o maior da história do Fundo. No entanto, ao assumir a presidência, no final de 2019, o presidente Alberto Fernández renunciou às parcelas pendentes, renegociando-as em 2021 em um acordo total de US$ 44 bilhões. Obviamente, a Argentina também não poderáemitir dólares, a fonte principal da moeda é o comércio exterior, ou seja, basicamente os valores obtidos nas exportações de commodities agrícolas e minerais. A Argentina, como costuma diagnosticar o atual ministro da economia (o próprio candidato Sérgio Massa), tem o considerável problema de consumir mais dólares do que aqueles que consegue “produzir”, isto é, os que acumula através de seu comércio exterior.

O risco da extrema direita vencer as eleições é somente um dos problemas dos argentinos. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), o índice de pobreza chegou a 40,1% no primeiro semestre de 2023, número que significa 18 milhões de pessoas (em uma população estimada em 46,8 milhões) e 4,8 milhões de casas. Segundo o Observatório da Dívida Social Argentina, da Universidade Católica Argentina (UCA), entre as crianças até 14 anos, a pobreza chega a 56%. Conforme o Observatório, desde 2008 a pobreza no país é de cerca de 28% da população, sendo que as transferências governamentais para os pobres têm um efeito importante, mas paliativo, evitando apenas que morram de fome.

Segundo projeções do Centro Latino-americano e Caribenho de Demografia (CELADE), a janela demográfica da Argentina ocorreu entre 2015 e 2020, período no qual a população de 60 anos e mais teria superado os 15% e a de menos de 15 anos seria inferior aos 30%. A partir destes dados, a projeção dos especialistas é que o índice de dependência aumente
significativamente nos próximos anos, em função do incremento da população idosa do país.

Não faltam motivos para os brasileiros acompanharmos os acontecimentos econômicos e eleitorais no país vizinho, com redobrada atenção. Além da imprescindível solidariedade com a população vizinha, a Argentina é um dos mais importantes parceiros políticos e econômicos do Brasil. Não é possível projetarmos um país forte do ponto de vista econômico, social e geopolítico, sem uma forte parceria com os vizinhos da América do Sul. Talvez de forma especial com Argentina que, somada com o Brasil, perfaz um bloco que corresponde a dois terços do território, da população, e do PIB da América do Sul.

José Álvaro Cardoso é economista e coordenador do DIEESE/SC. Também é colunista do Jornal dos Trabalhadores e Trabalhadoras – JTT, no Portal Desacato.

 

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