Hora do Povo.- John Pilger, jornalista australiano radicado no Reino Unido, autor de diversos livros e filmes com denúncias contundentes dos crimes do imperialismo em várias partes do mundo, nos brinda com esse artigo de denúncia da bomba, publicado originalmente no Consortium News, sobre os 78 anos da destruição de Hiroshima. Republicamos o texto neste 6 de agosto por sua importância e atualidade.
Ele chama o episódio macabro de 6 de agosto de 1945 de “assassinato em massa”, que foi premeditado pelo governo norte-americano. Pilger lembra que os crimes contra as populações indefesas das Ilhas Marshal continuaram a ser cometidos mesmo depois de encerrada a guerra, com os testes nucleares levados a cabo pelas autoridades da Casa Branca. O jornalista alerta ainda, em seu artigo, para a nova “empreitada guerreira”, agora contra a potência asiática representada pela China Socialista.
Outra Hiroshima aproxima-se. Se não a travarmos já
Por John Pilger.
Hiroshima e Nagasaki foram atos de assassínato em massa premeditados que deram início a uma arma de criminalidade intrínseca. Foram justificados por mentiras que constituem o fundamento da propaganda de guerra dos EUA no século XXI, lançando um novo inimigo e alvo – a China.
Quando em 1967 fui pela primeira vez a Hiroshima, a sombra sobre os degraus ainda estava ali. Era uma impressão quase perfeita de um ser humano em descanso: pernas estendidas, cabeça inclinada, uma mão ao seu lado enquanto aguardava a abertura de um banco.
Às oito e quinze na manhã de 6 de Agosto de 1945, ela e a sua silhueta foram queimadas no granito.
Olhei para a sombra durante uma hora ou mais, depois desci até ao rio onde os sobreviventes ainda viviam em barracas.
Encontrei um homem chamado Yukio, cujo tórax fora gravado com o padrão da camisa que estava usando quando a bomba atômica foi lançada.
Ele descreveu um enorme clarão sobre a cidade, “uma luz azulada, algo como um curto-circuito elétrico”, após o qual o vento soprou como um tornado e caiu chuva negra. “Fui atirado ao chão e reparei que apenas os caules das minhas flores tinham ficado. Tudo estava parado e silencioso e, quando me levantei, havia pessoas nuas, sem nada dizer. Algumas delas não tinham pele nem cabelo. Eu tinha a certeza de estar morto”.
Nove anos mais tarde, voltei a procurá-lo e ele havia morrido de leucemia.
Só um repórter, Wilfred Burchett, um australiano, enfrentou a perigosa jornada até Hiroshima no rescaldo imediato do bombardeio atômico, desafiando as autoridades de ocupação Aliadas, as quais controlavam o “pacote da imprensa”.
“Escrevo isto como uma advertência ao mundo”, relatou Burchett no London Daily Express de Londres em 5 de Setembro de 1945. Sentado nos escombros com a sua máquina de escrever Baby Hermes, descreveu as enfermarias do hospital cheias de pessoas sem lesões visíveis que estavam morrendo do que ele denominou “uma praga atômica”.
Por isso, a sua credencial de imprensa foi retirada, ele foi posto no pelourinho e enlameado. O seu testemunho da verdade nunca foi perdoado.
O bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki foi um ato de assassinato em massa premeditado em massa que desencadeou uma arma de criminalidade intrínseca. Ela foi justificada pelas mentiras que constituem a base da propaganda de guerra da América no século XXI, lançando um novo inimigo e alvo – a China.
Durante os 75 anos desde Hiroshima, a mentira mais duradoura é que a bomba atômica foi lançada para acabar com a guerra no Pacífico e poupar vidas.
“Mesmo sem os ataques por bombardeio atômico”, concluiu o United States Strategic Bombing Survey de 1946, “a supremacia aérea sobre o Japão poderia ter exercido pressão suficiente para provocar a rendição incondicional e evitar a necessidade de invasão. “Com base numa investigação pormenorizada de todos os fatos e apoiada pelo testemunho dos líderes japoneses sobreviventes envolvidos, é opinião do Inquérito que … o Japão ter-se-ia rendido mesmo se as bombas atômicas não tivessem sido lançadas, mesmo se a Rússia não tivesse entrado na guerra [contra o Japão] e mesmo se nenhuma invasão tivesse sido planejada ou contemplada”.
Durante os 75 anos desde Hiroshima, a mentira mais duradoura é que a bomba atômica foi lançada para acabar com a guerra no Pacífico e poupar vidas
Os Arquivos Nacionais em Washington contêm documentadas tentativas de paz por parte dos japoneses já em 1943. A nenhuma foi dado seguimento. Um telegrama enviado em 5 de Maio de 1945 pelo embaixador da Alemanha em Tóquio e interceptado pelos EUA deixou claro que os japoneses estavam desesperados a rogar por paz, incluindo “capitulação mesmo se os termos fossem duros”. Nada foi feito.
O secretário da Guerra dos EUA, Henry Stimson, disse ao presidente Truman que estava “temeroso” de que a US Air Force tivesse bombardeado tanto o Japão que a nova arma não seria capaz de “mostrar a sua força”. Stimson admitiu mais tarde que “nenhum esforço foi feito e nenhum foi seriamente considerado, para conseguir a rendição simplesmente a fim de não ter de usar a bomba [atômica]”.
Os colegas de política externa de Stimson – olhando mais adiante para a era do pós-guerra que estavam então a moldar “à nossa imagem”, como o famoso planejador da Guerra Fria, George Kennan, afirmou – deixaram claro estarem ansiosos “por intimidar os russos com a bomba [atômica] que mantinham ostensivamente a tiracolo”. O general Leslie Groves, diretor do Projeto Manhattan que fabricou a bomba atômica, testemunhou: “Nunca houve qualquer ilusão da minha parte de que a Rússia era nossa inimiga e que o projeto foi conduzido com base nisso”.
No dia seguinte à destruição de Hiroshima, o presidente Harry Truman manifestou a sua satisfação com o “sucesso esmagador” do “experimento”.
O “experimento” continuou muito depois de a guerra terminar. Entre 1946 e 1958, os Estados Unidos explodiram 67 bombas nucleares nas Ilhas Marshall no Pacífico: o equivalente a mais do que uma Hiroshima todos os dias durante 12 anos.
No dia seguinte à destruição de Hiroshima, o presidente Harry Truman manifestou a sua satisfação com o “sucesso esmagador” do “experimento”
As consequências humanas e ambientais foram catastróficas. Durante a filmagem do meu documentário, The Coming War on China, fretei um pequeno avião e voei para o Atoll de Bikini, nas Ilhas Marshall. Foi ali que os Estados Unidos explodiram a primeira Bomba de Hidrogênio do mundo. Ali a terra permanece envenenada. Meus sapatos foram registados como “inseguros” no meu contador Geiger. Palmeiras erguiam-se em formações que não eram deste mundo. Não havia pássaros.
Caminhei através da selva até ao bunker de betão onde, às 6h45 da manhã de 1 de Março de 1954, foi premido o botão. O sol, que já se havia levantado, levantou-se novamente e vaporizou uma ilha inteira na laguna, deixando um vasto buraco negro, que visto do ar é um espetáculo ameaçador: um vazio mortal num lugar de beleza.
A precipitação radioativa propagou-se rapidamente e “inesperadamente”. A história oficial afirma que “o vento mudou subitamente”. Foi a primeira de muitas mentiras, como revelam documentos desclassificados e os testemunhos das vítimas.
Gene Curbow, meteorologista designado para monitorizar o local do teste, disse: “Eles sabiam para onde iria a precipitação radioativa. Mesmo no dia do disparo, ainda tinham oportunidade de evacuar pessoas, mas [as pessoas] não foram evacuadas; eu não fui evacuado… Os Estados Unidos precisavam de algumas cobaias para estudar que efeitos a radiação fariam”.
Tal como Hiroshima, o segredo das Ilhas Marshall foi uma experiência calculada sobre as vidas de um grande número de pessoas. Este foi o Projeto 4.1, que começou como um estudo científico de ratos e se tornou uma experiência sobre “seres humanos expostos à radiação de uma arma nuclear”.
Os ilhéus das Marshall que encontrei em 2015 – tal como os sobreviventes de Hiroshima que entrevistei nas décadas de 1960 e 1970 – sofriam de um conjunto de lesões, habitualmente lesões da tiroide; milhares já haviam morrido. Abortos e natimortos eram comuns; os bebês que viviam estavam muitas vezes horrivelmente deformados.
A precipitação radioativa propagou-se rapidamente e “inesperadamente”. A história oficial afirma que “o vento mudou subitamente”. Foi a primeira de muitas mentiras, como revelam documentos desclassificados e os testemunhos das vítimas.
Ao contrário de Bikini, o atol vizinho de Rongelap não foi evacuado durante o teste de Bomba H. Diretamente na direção do vento de Bikini, os céus de Rongelap escureceram e choveu o que a princípio pareciam ser flocos de novo. Alimentos e água ficaram contaminados; e a população caiu vítima de doenças. Isto é verdade ainda hoje.
Encontrei Nerje Joseph, que me mostrou uma fotografia sua de quando era criança em Rongelap. Ela tinha terríveis queimaduras faciais e grande parte do seu cabelo estava ausente. “Estávamos a banhar-nos no poço no dia em que explodiu a bomba”, disse ela. “Um pó branco começou a cair do céu. Consegui apanhar o pó. Usamos como sabão para lavar o nosso cabelo. Poucos dias depois, meu cabelo começou a cair”.
“Alguns de nós estavam em agonia”, disse Lemoyo Abon. Outros tinham diarreia. Estávamos terrificados. Pensamos que deveria ser o fim do mundo”.
A filmagem do arquivo oficial dos EUA que incluí no meu filme refere-se aos ilhéus como “selvagens dóceis”. Depois da explosão, um responsável da Agência de Energia Atômica dos EUA foi visto a jactar-se de que Rongelap “é de longe o lugar mais contaminado da terra”, acrescentando: “será interessante obter uma medida da absorção humana quando pessoas vivem num ambiente contaminado”.
Cientistas americanos, incluindo médicos, construíram carreiras distintas estudando a “absorção humana”. Lá estão eles a cintilar no filme, nas suas batas brancas, atentos às suas pranchetas. Quando um ilhéu morreu na sua adolescência, a sua família recebeu um cartão de simpatia do cientista que o estudou.
“Baker Shot”, parte da Operação Crossroads, um dos testes nucleares dos EUA no Atol de Bikini, em1946
Fiz reportagens de cinco pontos de impacto (“ground zeros”) através do mundo – no Japão, nas Ilhas Marshal, em Nevada, na Polinésia e em Maralinga, na Austrália. Ainda mais do que a minha experiência como correspondente de guerra, isto ensinou-me acerca da crueldade e imoralidade de uma grande potência: ou seja, a potência imperial, cujo cinismo é o verdadeiro inimigo da humanidade.
Isto atingiu-me à força quando filmei no Ground Zero de Taranaki, em Maralinga, no deserto australiano. Numa cratera semelhante a um prato estava um obelisco sobre o qual estava inscrito: “Uma arma atômica britânica explodiu aqui a 9 de Outubro de 1957”. Na borda da cratera estava este sinal:
AVISO: PERIGO DE RADIAÇÃO
Os níveis de radiação durante algumas centenas de metros em torno deste ponto podem estar acima daqueles considerados seguros para ocupação permanente
Tanto quanto a vista podia alcançar, e mais além, o terreno estava irradiado. Plutônio bruto espalhado como pó de talco: o plutônio é tão perigoso para os humanos que um terço de um miligrama dá 50 por cento de probabilidades de câncer.
Memorial a britânicos que morreram após testes nucleares em Maralinga.
As únicas pessoas que poderiam ter visto o sinal eram indígenas australianos, para os quais não havia nenhum aviso. Segundo um relato oficial, se tivessem sorte “eram enxotados como coelhos”.
Hoje, uma campanha de propaganda sem precedentes está nos enxotando a todos como coelhos. Não pretendemos questionar a torrente diária da retórica anti-chinesa, a qual está rapidamente ultrapassando a torrente da retórica anti-russa. Qualquer coisa chinesa é ruim, anátema, uma ameaça: Wuhan… Huawei. Quão confuso é isto quando o “nosso” líder mais vilipendiado diz isso.
A fase atual desta campanha começou não com Trump, mas com Barack Obama, o qual em 2011 foi à Austrália para declarar a maior acumulação de forças navais americanas na região da Ásia-Pacífico desde a Segunda Guerra Mundial. Subitamente, a China era uma “ameaça”. Isto era um disparate, naturalmente. O que era ameaçado era a incontestada visão psicopática da América como a nação mais rica, mais bem sucedida, mais “indispensável”.
O que nunca esteve em causa foram suas proezas como valentão – com mais de 30 membros das Nações Unidas sofrendo alguma espécie de sanções americanas e um rastro de sangue a correr por indefesos países bombardeados, com governos derrubados, com eleições interferidas e recursos saqueados.
A declaração de Obama ficou conhecida como o “pivô para a Ásia”. Uma de suas principais defensoras foi a sua secretária de Estado, Hillary Clinton, a qual, como revelou a WikiLeaks, queria renomear o Oceano Pacífico como “o Mar Americano”.
Enquanto Clinton nunca ocultou o seu belicismo, Obama era um maestro do marketing. “Afirmo claramente e com convicção”, disse o novo presidente em 2009, “que o compromisso da América é buscar a paz e a segurança de um mundo sem armas nucleares”.
Obama aumentou os gastos com ogivas nucleares mais rapidamente do que qualquer presidente desde o fim da Guerra Fria. Uma arma nuclear “utilizável” foi desenvolvida. Conhecida como B61 Modelo 12, significa, segundo o general James Cartwright, ex-vice-presidente do Estado-Maior Conjunto, que “tornar a arma menor [torna o seu uso] mais pensável”.
O alvo é a China. Hoje, mais de 400 bases militares americanas quase circundam a China com mísseis, bombardeiros, navios de guerra e armas nucleares. Do norte da Austrália, passando pelo Pacífico, ao sudeste asiático, ao Japão e à Coreia, passando pela Eurásia, ao Afeganistão e à Índia, as bases formam, como me disse um estrategista americano, “o laço perfeito”.
Um estudo da RAND Corporation – a qual, desde o Vietnã, tem planejado guerras dos EUA – intitula-se Guerra com a China: Considerando muito bem o impensável (War with China: Thinking Through the Unthinkable). Encomendado pelo US Army, os autores evocam o berro infame do seu estrategista chefe da Guerra Fria, Herman Kahn – “pensar o impensável”. O livro de Kahn, Sobre a Guerra Termonuclear (On Thermonuclear War), elaborava um plano para uma guerra nuclear “vencível”.
O alvo é a China. Hoje, mais de 400 bases militares americanas quase circundam a China com mísseis, bombardeiros, navios de guerra e armas nucleares
A visão apocalíptica de Kahn é partilhada pelo secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, um fanático evangélico que acredita no “êxtase do Fim” (“rapture of the End”). Ele talvez seja o mais perigoso dos homens vivos. “Eu era diretor da CIA”, gabava-se ele, “Nós mentimos, trapaceamos, roubamos. Era como se tivéssemos cursos de treino completos”. A obsessão de Pompeo é a China.
A etapa final do extremismo de Pompeo raramente, se é que alguma vez, é discutida na mídia anglo-americana, onde os mitos e falsificações acerca da China são o cardápio corrente, bem como as mentiras sobre o Iraque. Um racismo virulento é o sub-texto desta propaganda. Classificados como “amarelos”, muito embora fossem brancos, os chineses são o único grupo étnico que foi banido por uma “lei de exclusão” de entrar nos Estados Unidos, por serem chineses. A cultura popular declarou-os sinistros, inconfiáveis, “dissimulados”, depravados, doentes, imorais.
Uma revista australiana, The Bulletin, dedicou-se a promover o medo do “perigo amarelo” como se toda a Ásia estivesse prestes a cair sobre as colônias apenas de brancos pela força da gravidade.
Como escreve o historiador Martin Powers, reconhecer a modernidade da China, a sua moralidade laica e as “contribuições ao ameaçado pensamento liberal confrontam a Europa, de modo a tornar-se necessário suprimir o papel da China no debate do Século das Luzes …. Durante séculos, a ameaça da China ao mito da superioridade ocidental tornou-a um alvo fácil como chamariz racial”.
No Sydney Morning Herald, o incansável inimigo da China, Peter Hartcher, descreveu aqueles que espalham influência chinesa na Austrália como “ratos, moscas, mosquitos e pardais”. Hartcher, que cita favoravelmente o demagogo americano Steve Bannon, gosta de interpretar os “sonhos” da atual elite chinesa, dos quais ele aparentemente tem conhecimento privado. Estes são inspirados por nostalgias do “Mandato do Céu” de 2.000 anos atrás. Ad nauseam.
Para combater este “mandato”, o governo australiano de Scott Morrison encomendou a um dos países mais seguros do mundo, cujo principal parceiro comercial é a China, mísseis americanos no valor de centenas de milhares de milhões de dólares que podem ser disparados contra a China.
O gotejamento já é evidente. Num país historicamente marcado pelo racismo violento contra asiáticos, australianos de ascendência chinesa formaram um grupo vigilante para proteger os entregadores em motocicleta. Vídeos telefônicos mostram um entregador esmurrado na cara e um casal chinês abusado racialmente num supermercado. Entre Abril e Junho, houve quase 400 ataques racistas contra australianos de origem asiática.
“Nós não somos seu inimigo”, disse-me um estrategista de alto nível na China, “mas se vocês [no Ocidente] decidirem que somos, devemos nos preparar sem demora”. O arsenal da China é pequeno em comparação com o dos Estados Unidos, mas está a crescer rapidamente, especialmente o desenvolvimento de mísseis marítimos concebidos para destruir frotas de navios.
“Pela primeira vez”, escreveu Gregory Kulacki, da Union of Concerned Scientists, a “China está discutindo colocar seus mísseis nucleares em alerta máximo de modo a que possam ser lançados rapidamente diante do aviso de um ataque… Isto seria uma mudança significativa e perigosa na política chinesa…”
Em Washington, conheci Amitai Etzioni, ilustre professor de assuntos internacionais da Universidade George Washington, que escreveu que estava planejado um “ataque cego à China”, “com ataques que poderiam ser erroneamente percebidos [pelos chineses] como tentativas preventivas de excluir suas armas nucleares, encurralando-os assim num terrível dilema de utilizá-las ou perdê-las [que levaria] à guerra nuclear”.
“Pela primeira vez”, escreveu Gregory Kulacki, da Union of Concerned Scientists, a “China está discutindo colocar seus mísseis nucleares em alerta máximo de modo a que possam ser lançados rapidamente diante do aviso de um ataque
Em 2019, os EUA encenaram seu maior exercício militar único desde a Guerra Fria, grande parte dele em alto segredo. Uma armada de navios e bombardeiros de longo alcance ensaiou um “Air-Sea Battle Concept for China” (ASB) bloqueando vias marítimas no Estreito de Malaca e cortando o acesso da China ao petróleo, ao gás e a outras matérias-primas do Médio Oriente e da África.
É o medo de um tal bloqueio que fez a China desenvolver a sua Iniciativa Belt and Road ao longo da antiga Rota da Seda para a Europa e construir urgentemente pistas de aterragem estratégicas em recifes e ilhotas disputadas nas Ilhas Spratly.
Em Xangai, conheci Lijia Zhang, uma jornalista e romancista de Pequim, típica de uma nova classe de personalidades independentes. Seu livro mais vendido tem o título irônico de Socialismo é ótimo! (Socialism Is Great!) Tendo crescido na caótica e brutal Revolução Cultural, ela viajou e viveu nos EUA e na Europa. “Muitos americanos imaginam”, disse ela, “que o povo chinês vive uma vida miserável, reprimida e sem qualquer liberdade. A [ideia do] perigo amarelo nunca os abandonou… Eles não fazem ideia de que há cerca de 500 milhões de pessoas sendo retiradas da pobreza, e alguns diriam que são 600 milhões”.
As conquistas épicas da China moderna, sua derrota da pobreza em massa e o orgulho e contentamento do seu povo (medido por pesquisadores americanos como a Pew) são voluntariamente desconhecidos ou mal compreendidos no Ocidente. Isto por si só é uma confirmação do lamentável estado do jornalismo ocidental e do abandono da reportagem honesta.
O lado negro repressivo da China e do que gostamos de chamar o seu “autoritarismo” são a fachada que nos permitem ver quase exclusivamente. É como se fôssemos alimentados com histórias intermináveis do malvado super-vilão Dr. Fu Manchu. E é hora de perguntarmos porquê: antes que seja demasiado tarde para impedir a próxima Hiroshima.
03 de agosto de 2020
Artigo publicado originalmente no Consortium News
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