O Tempo do Minuano. Por Carolina Rodrigues Costa.

Arte @maonegra

Por Carolina Rodrigues Costa.

“A natureza está indicando” – este é um dito que se ouve na Serra de Santa Catarina. Na maioria das vezes é usado para fazer “troça”, “pirraça”, “tirar um sarro”. É o mesmo que dizer: “criatura, você não enxerga um palmo na frente dos olhos”. O serrano costuma ser assim afrontoso, “faca no cano da bota”. É um jeito de ser, como tantos outros que conseguimos reconhecer em um Estado tão diverso como o nosso.

Recentemente consolidou-se uma forma de olhar os catarinenses como se fossem um povo que descende unicamente de migrantes alemães e italianos, uma grande massa de gente conservadora e com pouca, ou quase nenhuma, solidariedade com o restante do País. Eu escuto isso nas viagens e contatos com pessoas de outros Estados, mas também de muitos catarinenses que se lamentam em decorrência do nosso atual cenário político.

Eu, como serrana que sou, não me lamento. Não me lamento, nem peço desculpas, porque quando fecho os olhos, a Santa Catarina que vejo é a de Anita Garibaldi. É a Santa Catarina do Contestado e de suas gentes que ainda continuam naquelas terras do Meio Oeste e por todo o Estado. Gente cabocla, misturada assim como eu, filha de negrosindígenas e tropeiros; andejos que por estas terras passaram há muito tempo. A Santa Catarina que eu vejo é da organização dos mineiros, das grandes greves na indústria têxtil, dos movimentos rurais por dignidade: Movimento dos Sem-Terra, Movimento de Atingidos por Barragens, Movimento de Mulheres Camponesas.

Se os conservadores, os autoritários, os fascistas, reivindicam a sua Santa Catarina, eu também tenho o direito de reivindicar a minha. A minha Santa Catarina é da mesa compartilhada; do coração aberto para quem chega; da roda em torno do fogo de chão para escutar uma música e tomar um chimarrão. Este Estado não é importante porque recebeu migrantes europeus. Mas sim porque acolheu trabalhadores pobres que fugiram da miséria de seus países na esperança de uma vida melhor. O Estado que eu reconheço e defendo é este que sabe acolher a quem precisa – esta é a tradição que eu quero conservar.

Não nos esqueçamos da história, “A natureza está indicando” o caminho a seguir. Escuto esta frase como se fosse o Minuano a soprar nos meus ouvidos. O velho Minuano, vento da transformação e da revolução, o vento que espalhas as sementes. E escuto todas as músicas da fronteira, contestatórias, aportulholadas, que não respeitam os limites geográficas e políticos porque nenhuma pampa é imensa o suficiente para conter a cultura, principalmente aquela que nasce para contestar.

Eu olho para o passado e encontro histórias, trajetórias que me dão orgulho e são alimento para seguir lutando por uma vida melhor e com oportunidades para todos os trabalhadores. Mas nem por isso deixo de reconhecer as histórias que devem ser reparadas e os “jeitos de ser” que precisam ser transformados.

Há formas de se relacionar neste Estado que historicamente têm sido racistasxenófobasmachistas e discriminatórias e se mostram intoleráveis. Nós temos que falar sobre a história dos bugres e dos bugreiros; a dizimação do povo indígena e a caça das mulheres para o casamento forçado com homens brancos; as relações de trabalho sem remuneração baseadas em exploração e justiçadas por laços afetivos familiares que não se comprovam; a violência que ainda perdura nos interiores, em especial a de gênero.

Como boa materialista que sou, e a frente de um sindicato classista que olha para os trabalhadores a partir de sua vida cotidiana, eu entendo que instituição familiar é comunidade que nos dá suporte afetivo e material. Nós não precisamos carregar e defender os equívocos dos nossos antepassados a qualquer custo. É importante reconhecer os erros do passado e do presente, curar as feridas, para assim deixar um mundo melhor para aqueles que vão descender de nós. Um mundo mais justo, mais digno, com mais amorosidade e com respeito a todas as pessoas.

A natureza sempre nos indica um caminho e nos dá bons exemplos de resistência. Eu fecho os olhos e logo me transporto para a minha Serra, que nunca deixou de receber a florada da primavera, mesmo depois do mais rigoroso inverno. Hoje é 14 de julho, de 2023 e, depois de alguns dias de calor fora de época, o vento sul voltou a soprar no Desterro. É o Minuano espalhando as sementes da transformação.

Carolina Rodrigues Costa é presidenta do SINJUSC.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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