Tiganá Santana, Entrevista. Por Flávio Carvalho.

Por Flávio Carvalho, sociólogo e escritor.

Já se nasce no jogo, a Capoeira do Pensamento de Tiganá, em Barcelona.

Amadou Bocar, um senegalês com quem tive oportunidade de trabalhar em Barcelona, ensinou-me a lidar melhor, na vida, com a conjunção alternativa OU. Principalmente, vindo de um país cheio de complementaridades, como o Brasil.

Foi Gilberto Gil que definiu o nosso país como o do “isso E aquilo”; e não como do “isso OU aquilo”.

Violão, por exemplo, é instrumento de corda ou de percussão?

O músico e filósofo brasileiro Tiganá Santana, na minha opinião, vai na mesma boa linha.

Foi aquele senegalês quem me orientou também a questionar se a base da filosofia ocidental não seria outra, se – além da matriz europeia e da primazia grega – houvesse buscado outras leituras, como as africanas, principalmente.

Leiam esta deliciosa entrevista com o Tiganá, das melhores coisas que eu escutei nos últimos tempos. Ele estará em Barcelona, em turnê internacional (Espanha, Portugal e Suécia).

E, além disso, fará uma conversa especial, online, “Caros Amigos”, neste domingo, 25 de Junho, com o nosso querido Jean Wyllys.

Em todas as entrevistas mais recentes, pedi sugestão de nomes recomendados pelos entrevistados, no final. Chico César fez uma lista imensa, maior que a entrevista. Luedji Luna fez questão de indicar somente artistas negras. Tiganá fez diferente.

Eu, portanto, me atrevo a recomendar: integrem na sua vida Tiganá E Tiganá. Ou, não.

Ele, eu recomendo.

Além disso, dou um toque importante. O acompanha no show, ao Tiganá, o meu amigo Mû MBana. Prestem atençao neste nome. Sigam-o pelas redes. Acompanhem o seu talento. Mû, da Guiné Bissau, esteve no Brasil, recentemente. De onde eu acho que ele realmente sempre foi.

A minha interlocução com o mundo. Não diria que se trata de uma contraposição, propriamente, em relação aos batuques e percussões fortes, mas de outra perspectiva negra para se ler o mundo e apresentar-se a ele”, Tiganá Santana, em entrevista à Revista Caros Amigos.

Com agradecimentos à Ana Bárbara e a Nits de Brasil. Aquele abraço.

1. Tudo bem, Tiganá? Como está sendo o seu dia? Como foi? Como será?

Em geral, me dou muito bem com a vida que experiencio! Os dias são essa vida se dando… são bons mesmo quando não são!

2. Você estudou violão clássico. Logo criou estrutura própria. Quem são e foram as suas e os seus mestres musicais? “O Houve circunda-se”. Reverencie, por favor.

Foram diversos e diversas. Nem gosto muito de elencar essas pessoas, pois me faltarão nomes à memória… Mas vamos lá: De casa, o meu avô músico (que está chegando aos 98 anos de vida), os violões do tio Jorge e tio Luiz, a voz da minha mãe, o pandeiro e o berimbau do meu pai, as músicas dos Candomblés; de fora de casa, Pixinguinha, Caymmi, João Gilberto, Clementina de Jesus, D.Ivone Lara, Elizeth Cardoso, músicas tantas do mundo afora (de várias áfricas, ásias, américas).

3. Conhece o Flamenco, sim? Bases musicais africanas reconhecíveis?

Conheço como ouvinte admirador o Flamenco, mas não como pesquisador. Precisaria estudar para lhe dizer com maior assertividade com bases musicais de qual África o Flamenco se encontra. E isto no cruzamento, por exemplo, com os referenciais árabes naturalmente.

4. Violão é corda ou percussão? Esta pergunta é uma provocação.

Não me parece haver exatamente um “ou” na sua questão. Corda pode ser percussão.

5. Luedji Luna me comentou, aqui em Barcelona, que não gosta de falar de racismo o tempo todo. Mas que se sente na obrigação. O que me dizes?

Entendo, a partir do que a querida Luedji coloca, que o racismo, embora acabe por nos “definir” nas sociedades racistas (o que nos obriga, conscientes, a tratarmos do assunto-experiência continuamente, pois há que mudar, há que, inegociavelmente, morrer/matar o mundo racista), não nos define na nossa experiência alargada de existir.

6. Chico César, por outro lado, também aqui, nesta cidade, numa entrevista, revelou-me um segredo: há perguntas que ele gostaria que lhe fizessem (pois é disso que quer falar). Quais perguntas você gostaria de tentar responder?

Sobre criar, existir, viver, morrer, voar…

7. Fale-me das suas andanças, nacionais e internacionais, por favor. E das diferenças entre seus espetáculos, em territórios diferentes, se possível.

Foram e têm sido acontecimentos que enriquecem a minha experiência de vida e de estabelecimento de relações. Tenho enorme satisfação pelo fato de públicos que dividem e não dividem culturas comigo poderem se relacionar com minha música imergindo no que produzo (e nesse sentido, de modos equivalentes, até onde posso identificar).

8. Um filósofo brasileiro lê muitos livros – até mesmo os mais libertários – desde uma perspectiva indissociavelmente colonialista. É possível, hoje, no Brasil, construir uma nova dimensão filosófica a partir de novas bases?

Esta pergunta não é simples e nem sei mesmo se há para ela alguma resposta. É preciso perguntar, por exemplo, sobre o que seria essa nova dimensão filosófica, bem como o que seriam novas bases.

9. Expectativa e esperança são duas palavras próximas, mas ao mesmo tempo complementares. Uma e outra, para o nosso país, hoje, na sua percepção…

Expectativa nenhuma nem em relação ao Brasil nem em relação a nenhum outro território. Esperança em relação às forças de vida, que apresentam a sua dinâmica própria, as transmutações, o que se destrói e constrói, sem que se decifre linearmente o que seja viver (no Brasil ou em qualquer lugar). As coisas são simultaneamente encantadoras e terríveis, e a nossa dança transita constantemente nesse paradoxo.

10. Barcelona? Catalunha? Espanha? Europa? Comentas algo? Gostarias?

Histórias difíceis, histórias e presenças próprias desses territórios, colonialidade acesa, algum questionamento dessa colonialidade cujos tentáculos se regeneram, e paisagens lindíssimas. Lugares interessantes, alguns amigos que nelas vivem. A Espanha é um belo país e, assim como o Brasil e todo o universo colonial, precisa pensar sobre racismo, sobre as suas práticas racistas (como, aliás, se viu recentemente com o episódio do jogador de futebol Vinícius Jr.).

11. Salvador, Bahia, Brasil, América Latina? Igual que na questão anterior…

Territórios que me formaram, informaram, deformaram, e que, assim como colocado na questão anterior, precisam encarar o seu racismo, a sua pletora de problemas para pessoas que lá vivem. São lugares reais (não há aqui romantismos). Há beleza e encanto também, ao lado do que pode ser absurdamente indignante.

12. Como anda hoje (atemporal?) a capoeira do Seu pensamento?

Em trânsito; sem se fixar numa tendência, eixo ou corrente. Tenho tentado que ela se movimente com meu corpo e com como a vida me faz dançar.

13. O que Não podemos esperar da sua vinda, do seu trabalho, em Barcelona? E o que, Sim, podemos esperar?

Não se pode esperar que eu “faça” música sem querer fazer (para o público, exibirei o que sou ao lado dos músicos e amigos Leonardo Mendes, Ldson Galter e Mû Mbana). Podemos esperar música, que será tratada como a grande protagonista do nosso “enredo”.

14. Brasileiro no exterior com mania de ficar pedindo sugestão de bons artistas na nossa terrinha. Podemos acabar assim, esta conversinha?

Agora você me pegou… não sei bem ir por aí, não, meu caro!

Deixo um grande abraço e os meus mais sinceros agradecimentos.

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