Por Cristiane Sampaio, para Brasil de Fato.
Deputadas de partidos progressistas protestaram, nesta quarta-feira (14), contra uma ofensiva do Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, de tentar enquadrar no Conselho de Ética da Câmara parlamentares mulheres que chamaram de “assassinos” os deputados que votaram a favor do marco temporal, medida aprovada pelo plenário no último dia 30.
O tema vem repercutindo desde as últimas semanas, mas ganhou maior evidência nesta quarta porque o colegiado colocou o assunto em pauta, instaurando seis representações protocoladas pelo PL contra as petistas Erika Kokay (DF) e Juliana Cardoso(SP) e as psolistas Fernanda Melchionna (RS), Célia Xakriabá (MG), Sâmia Bomfim (SP) e Talíria Petrone (RJ).
A iniciativa do PL foi formalizada em 30 de maio. O presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, enviou uma representação ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), por quebra de decoro parlamentar, e pediu a responsabilização das deputadas. A discussão que gerou o ofício ocorreu no dia 24 de maio, durante a votação do projeto do marco temporal, e envolveu as parlamentares, o deputado Zé Trovão (PL-SC) e outros oposicionistas.
“A imputação de suposto ‘genocídio’ e ‘assassinato’ de indígenas fere gravemente a honra e a reputação não apenas do deputado Zé Trovão, alvo primeiro dos impropérios destilados pelas representadas, mas de outros parlamentares que votaram em desacordo com o que acreditam as representadas”, disse o mandatário. Costa Neto afirmou que a crítica das deputadas violaria a honra dos parlamentares e afeta o que chamou de “respeitabilidade” e “credibilidade” da Casa.
“Se houve uma violência nesse dia, foi pautar esse tema [do marco temporal], que foi uma violência contra os povos indígenas e seus direitos. É uma pauta ilegal, ilegítima, que fere de morte, sim, os povos indígenas, as mulheres indígenas. Essa é uma ordem de questão que levou a muita indignação no plenário e a intervenções muito duras de todos os lados, mas que foram intervenções de opinião, e opinião é coberta pela imunidade parlamentar”, argumentou a líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), ao defender as colegas nesta quarta.
A primeira representação de Valdemar Costa Neto foi retirada pelo partido dois dias depois. Como as denúncias dirigidas ao Conselho de Ética são de caráter jurídico-político, elas precisam seguir princípios do direito, entre eles o da individualização das condutas e das penalidades, o que ficaria inviável a partir do primeiro documento, que mirava todas as seis parlamentares juntas. Depois, nesta quarta-feira (14), o líder do PL reapresentou a denúncia, desta vez de forma fragmentada em seis documentos distintos, cada um deles dirigido a uma das parlamentares. O novo formato, no entanto, não ficou imune a críticas.
As parlamentares se queixam da “seletividade” de Arthur Lira (PP-AL) e aliados, que priorizaram a iniciativa do PL em detrimento de uma série de outras denúncias que aguardam avaliação do Conselho de Ética há mais tempo. Entre elas, Talíria Petrone cita o caso de Nikolas Ferreira (PL-MG), do mesmo partido de Valdemar Costa Neto.
Um dos mais vorazes extremistas de direita na Câmara, Ferreira fez chacota com a população trans ao utilizar uma peruca na tribuna do plenário no dia 8 de março. Na ocasião, ele chegou a dizer que se sentia uma mulher trans e que, por conta disso, teria “lugar de fala”. O PSOL ingressou com uma representação contra o deputado mineiro em meados de março e o processo foi instaurado no colegiado somente em 30 de maio, mesma data em o PL protocolou a primeira representação contra as deputadas de esquerda.
“Um processo que deveria chegar no Conselho de Ética de um deputado que cometeu transfobia ficou 76 dias parado na Mesa Diretora e o Lira não encaminhou pra ser julgado, somente agora, recentemente [ele o fez]. É autoritarismo [a denúncia contra nós], incompatível com liberdades democráticas, porque aqueles que estimularam a destruição da Praça dos Três Poderes estão, até agora, sem nenhum inquérito no Conselho de Ética e por enquanto não há futuro de responsabilização. É lamentável”, comparou Talíria.
Mulheres na berlinda
Além de se queixarem de seletividade ideológica da Câmara no despacho dos processos, as parlamentares apontam outras críticas. A mais central delas diz respeito à violência política de gênero, tema que constitui uma legislação sancionada no ano passado, a Lei nº 14.192/2021, cujo objetivo é reprimir a violência contra as mulheres e assegurar a participação delas em espaços políticos.
“Sabemos que a violência é marca fulcral da política, mas a que se manifesta aqui vem junto com o racismo, o machismo, a transfobia e outras coisas”, ressaltou a deputada Duda Salabert (MG), vice-presidenta nacional do PDT. Ela lembrou que, no ranking de 187 países do mundo, o Brasil ocupa a 145ª posição em termos de participação de mulheres no parlamento. “A resposta que esta casa vai dar pra este caso é a resposta que estaremos dando ao Brasil em relação ao modelo de sociedade que nós queremos”, emendou, ao mencionar a “tradição de violência” contra as mulheres, em especial nos espaços políticos.
Ao chamar o PL do marco temporal de “criminoso”, a coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), também reagiu à iniciativa do PL e defendeu o direito de manifestação das parlamentares enquadradas pelo partido. “Que moral eles têm para falarem das nossas companheiras que se levantam indignadas por uma causa justa? Quem são eles? Essas mulheres que aqui estão – e às quais prestamos nossa solidariedade – não chegaram aqui de qualquer forma. Elas chegaram exatamente pelo compromisso que têm com a luta.”
“É bom lembrar que, das seis denunciadas, duas deputadas processadas são indígenas”, acrescentou Erika Kokay, ao se referir a Juliana Cardoso e Célia Xakriabá. As duas também se manifestaram e reagiram à decisão do Conselho de instaurar os processos. O tema incendiou a sessão do colegiado nesta quarta. “O Congresso Nacional precisava ser chamado de ‘Congresso Colonial’. Eu não tenho tempo de ter medo. O Brasil começa por nós. Não vai existir democracia tentando silenciar mulheres de luta”, disse Xakriabá.
Trâmite
Ao instaurar os processos nesta quarta, o Conselho de Ética também sorteou nomes para comporem as listas tríplices que resultariam na escolha do relator de cada caso. Por tradição e seguindo o regimento do colegiado, a escolha final cabe ao presidente do Conselho, atualmente o deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA). O parlamentar ainda não definiu qual deputado cuidará do parecer de cada representação protocolada pelo PL.
No caso específico da deputada Juliana Cardoso, já havia uma representação sobre o mesmo assunto apresentada pelo PP, por isso o presidente anexou as duas para que tramitem em conjunto. Foi designado como relator o deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR).
Edição: Rodrigo Durão Coelho