Por Carmen Susana Tornquist*
“Iremos experimentando e resolvendo os problemas, na medida em que eles forem aparecendo”.
Foi o que Ele disse ao grupo de moradores e moradoras que conseguiu comparecer à reunião, na segunda feira que antecedeu o feriado da cidade, em 23 de março.
Ele = Topázio Neto, o vice do Gean, atual prefeito de Florianópolis.
Coordenada de maneira informal, a reunião ocorreu exatamente no mesmo dia em que o projeto oficial de Revisão do Plano Diretor foi encaminhado à Câmara de Vereadores, onde outra parte da população tentava, desesperadamente, deter mais uma vez, o Plano da Prefeitura em entregar mais fatias da cidade – aí incluídas unidades de conservação – ao setor imobiliário da burguesia que atua na região(foto abaixo). Sem cautela de nenhum tipo quanto à infraestrutura necessária para isto, como saneamento, mobilidade, acesso à serviços, direito à cidade, enfim.
Binário é o nome recente dado pela PMF à duplicação da rua Dep. Antônio Edu Vieira, no bairro Pantanal, em função da decisão tomada recentemente pelo setor “técnico” que assessora o Prefeito de ampliar a obra nos arredores da UFSC, envolvendo o Bairro Carvoeira, onde, nos últimos anos, assim como em toda a cidade, os problemas de mobilidade foram crescendo de maneira geométrica. E, bem ninguém aprecia as filas gigantes que engarrafam por horas estes bairros outrora pacatos e que também interligam outras zonas da cidade. O tempo perdido nos engarrafamentos dispensa comentários, já que tempo é algo cada vez mais precioso (tenho em mente, aqui, os trabalhadores extenuados de trabalhar prá caramba e que almejam chegar em suas casas o quanto antes pra recompor, minimamente, suas energias).
A UFSC é uma parte da questão, pois foi ela quem cedeu a área que originou a duplicação em curso (agora, o dito “Binário”). Num processo que esteve longe de ser pacífico, a instituição doou a área à prefeitura, mas não sem atravessar uma série de debates e conflitos em audiências públicas, entre os anos de 2013 e 2014. Pessoalmente, discordo daquela doação, acho que foi dado, de forma equivocada, um cheque em branco a uma prefeitura que estava muito longe de merecer tal confiança.
Nesta ocasião, foram feitos acordos entre os atores envolvidos- – notadamente a PMF – com o bairro Pantanal: as reivindicações desta comunidade, organizada em associações de moradores e correlatos, faziam coro com as demais demandas da cidade, como hoje às voltas com as alterações no Plano Diretor: demandas por ciclovias, calçadas amplas, acessibilidade, corredores exclusivos para ônibus, novas linhas e mais horários. Estas pessoas percebiam que a duplicação transformaria a rua – espinha dorsal do bairro – em uma via de passagem, de alta velocidade, cujos efeitos poderiam ser até ser bons aos passantes, mas bem nefastos aos “ficantes”. A começar pelos acidentes e inacessibilidade aos serviços locais, passando pela afronta à saúde e à qualidade de vida de quem vive no local.
Não se falava em binário, mas em duplicação: os bairros dos arredores(Carvoeira, Trindade, Saco dos Limões) pareciam pouco afetados ao projetos, se bem que um conjunto de associações (ambientalistas, cicloviaristas e ligadas à acessibilidade) participavam dos debates, já atentos aos impactos que uma obra desta magnitude provocar numa cidade na qual graves problemas urbanos se avolumavam a olhos vistos. Com o avanço, nos últimos meses, das obras da duplicação, foram sendo percebidas distâncias bem grandes do projeto originalmente acordado e as máquinas colocadas em campo, foram aparecendo noticias atribuindo também o bizarro nome – há quem diga que não está, inclusive, correto – às supostas inovações do prefeito Topázio. E a cada carrada de asfalto e avanço das máquinas na região, cimentando as obras, moradores dos bairros vizinhos foram se atilando para o que está, de fato, em questão.
É a tentativa desesperada dos gestores do Capital em melhorar a mobilidade rodoviária da cidade, para poucos. O foco parece continuar sendo o atendimento ao turismo de luxo e aos novos moradores ricos – e empreendedores – migrantes de luxo – que utilizam seus SUVs e querem descer rapidamente de seus vôos para chegar o quanto antes a seus piers e beach clubs no norte da ilha, cuja conexão com a Tapera é justamente a rua Antônio Edu Vieira. O feriado de Tiradentes será o grande laboratório –anunciou, com entusiasmo, o prefeito: é nele que iremos ver o que acontece(!), serão três dias de experimentos e depois,”vamos vendo o que fazer”…
Se por um lado já podemos ver a população se apropriando da calçada e da “ciclo faixa” que foi pintada ao seu lado, junto a faixas de pedestres ao redor da UFSC/CDS, não vimos os corredores exclusivos, as obras da acessibilidade as linhas anunciadas estão cobertas de mentiras, de incertezas.
Mas os estudos técnicos feitos pela prefeitura, como confirmou a fala de Topázio, passaram ao largo das questões sociais e antropológicas que envolvem a vida urbana: não foram sequer usados os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, como o Estudo de Impacto de Vizinhança(EIV).
E, bueno, mais perguntas: como ficará o acesso ao Posto de Saúde, à Escola Municipal Beatriz de Brito, à creche, ao centro comunitário, aos pequenos mercados e farmácias que compõem o cotidiano – a vida, enfim – dos trabalhadores que moram neste bairros.
O Pantanal é um bairro populoso, além de estudantes e famílias de classe média, há famílias de trabalhadores, trabalhadoras pobres, e que produzem a riqueza desta cidade. E, assim, como os cadeirantes, os estudantes, os idosos, os cansados, os doentes, os precarizados e as mulheres exaustas do dia a dia vão andar, e com segurança, nestas vias de tráfego intenso?
A ironia da história é que Topázio é o nome de uma pedra preciosa, azul fluorescente, a qual se atribui longevidade, capacidade de permanência, firmeza! O sujeito em questão bem que poderia fazer jus a esta coincidência, apostar num visão mais ousada, mais humana, mais ecológica de lidar com a preciosidade que é esta cidade e que está em suas mãos! Mas…. Entre o mundo do símbolo e a vida real, há um mega descompasso.
O Urbanismo – este campo de conhecimento e técnica – desde muitas e muitas décadas, tem superado as visões modernizantes dos que, iludidos com a modernidade instrumental, vazia de gente, pensavam apenas na circulação de automóveis das mercadorias e do capital. Ou seja, este saber acumulado faz parte do que Topázio chama, leviano e ladino, de técnica! , mais, ainda, temos legislação, nacional, local, atual e afinada com a crítica que foi feita a esta perspectiva antiga, retrógada à luz a da ciência e da vida, que o prefeito a segue, cego e apressadamente. Como Robert Moses, estado-unidense que nos anos 60 destruiu bairros, memórias e vidas, ele segue a lógica – e a pressa – do capital.
Já os moradores e moradoras da cidade – trabalhadores – precisam e desejam seu espaço de sociabilidade, seus territórios, seu tempo, seu lugar, como dizia Milton Santos (E Jane Jacobs- arqui-inimiga de Moses). Precisam da mobilidade para viver na cidade, circular entre os bairros, trabalhar e reproduzir a vida. E não querem ser vias de passagem , nem ser, muito menos, experimentos (“laboratório”) de gestores mal intencionados. Topázio entrará para a história da cidade como o prefeito que, debochando de seu próprio nome, deu as facadas finais na cidade agonizante. Poderá concorrer ao prêmio de anti-urbanista da década, que em algum momento iremos criar, para deixar inscrito na memória dos que estão vindo quem são os inimigos do povo, e pagar as contas deste cheque em branco que creditou, milionário, na conta da vida coletiva. A não ser que role um milagre (quem dera!) ou que o referido sujeito queria manter-se na vida política, e, então, escute, ardiloso e astuto – mas com atenção – o que o povo esta a lhe dizer com paciência e educação.
*Carmen Susana Tornquista é socióloga e antropóloga.