Desenvolvimento e a trapaça do pagamento de juros infinitos. Por José Álvaro Cardoso.

"Não se discute desenvolvimento econômico, só se fala em controlar a inflação e obter superávit fiscal. Ou seja, só se discute a agenda dos banqueiros", reflete o economista.

Foto: Marcus Santos.

Por José Álvaro Cardoso, para Desacato.info.

Não existe nação sem o exercício de sua soberania, país que não tem planos de soberania não precisa nem de indústria e muito menos de um banco para financiar o desenvolvimento nacional. Por isso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no atual governo, tem que entrar no debate sobre o projeto do país para a retomada do crescimento. O Brasil desde o governo Sarney, que encerrou há quase 40 anos, só discute inflação e meta fiscal. 

Temos que admitir que essa é uma vitória ideológica do neoliberalismo, que também tem vigência no Brasil há cerca de quatro décadas: não se discute desenvolvimento econômico, só se fala em controlar a inflação e obter superávit fiscal. Ou seja, só se discute a agenda dos banqueiros. Há quem acredite, inclusive, que o Brasil gasta bilhões de reais com juros da dívida porque a alternativa a essa política seria o caos. Há todo um esforço da grande mídia e da ortodoxia econômica para justificar que não há saída para o país, a não ser arcar com juros infinitos que inviabilizam o crescimento. 

O debate sobre desenvolvimento saiu da pauta há quase cinco décadas, com pequeno interregno nos governos de Lula e Dilma, nos quais algumas ações importantes, como o Minha Casa Minha Vida, e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), provocaram uma discussão sobre desenvolvimento e projeto nacional. Claro, essa foi uma discussão entre o parlamento e em setores mais elitizados, não no meio da população, que luta para não morrer de fome. Aliás, esses dois projetos estratégicos (Minha Casa Minha vida e PAC), foram destruídos pelos dois governos golpistas de Temer e Bolsonaro. O orçamento do Minha Casa Minha Vida, no ano passado equivalia a 10% do era no último ano do governo de Dilma Roussef.  

O golpe de 2016 veio para desossar qualquer ideia, qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Temer e Bolsonaro, frutos do processo golpista, vieram com o script pronto, e só queriam saber de vender o patrimônio nacional e tirar direitos dos trabalhadores. É bom recordar que, segundo rumores que circulam desde 2016, Temer pretendia negociar com as multinacionais a exploração da Aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água subterrânea do país e do mundo. Em 2018, na reunião anual de Davos, teria tido, inclusive, um encontro “discreto”, com o presidente da Nestlé, Paul Bulcke, com o objetivo de acelerar tais negociações. 

Do golpe de 2016 para cá houve uma evidente tentativa de retirar do BNDES o seu papel de financiador do desenvolvimento nacional. Em 2019 Bolsonaro determinou que o presidente do BNDES desvendasse a chamada “caixa preta” existente no Banco. O Banco gastou R$ 48 milhões com uma auditoria que prometia abrir a tal “caixa-preta” em operações relacionadas ao grupo J&F, que controla a JBS. Após um ano e 10 meses de investigação, o banco divulgou, no fim de 2020, relatório que não apontou nenhuma evidência de corrupção em oito operações que o Banco fez com a JBS, o grupo Bertin e a Eldorado Brasil Celulose, que foram realizadas entre 2005 e 2018.

Detalhe importante: o escritório estrangeiro, Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, que ganhou quase 50 milhões para fazer uma pesquisa com dados secundários do BNDES, concluiu na auditoria que as decisões do banco “parecem ter sido tomadas depois de considerados diversos fatores negociais e de sopesados os riscos e potenciais benefícios para o banco”. “Os documentos da época e as entrevistas realizadas não indicaram que as operações tenham sido motivadas por influência indevida sobre o banco, nem por corrupção ou pressão para conceder tratamento preferencial à JBS à Bertin e à Eldorado”, diz um trecho do relatório divulgado pela imprensa à época.

Segundo dados do atual presidente do banco, Aloísio Mercadante, o BNDES transferiu para o Tesouro Nacional R$ 678 bilhões. Ou seja, o banco se tornou um instrumento de retirada de recursos da economia para financiar o tesouro, invertendo seu papel histórico que era criar as possibilidades de geração de riqueza nova. 

Historicamente o BNDES é um banco de fomento, de desenvolvimento, com a função de prover do crédito para investimento em setores estratégicos, para industrializar o Brasil, para investimentos, para apoiar micro pequenos empresários. No Brasil as pequenas empresas têm uma participação muito pequena no PIB Nacional, apenas 29% da economia brasileira são pequenas e médias empresas. Elas podem dobrar essa importância, como acontece em alguns países ricos, como Alemanha e Itália, nos quais essa participação chega a até 70%. O Brasil poderia pelo menos dobrar esse percentual.

Não tem sentido o BNDES financiar o tesouro nacional, como ocorreu do golpe para cá. O Brasil gasta bilhões de reais todos os anos com a dívida pública. Se o BNDES financia o tesouro, no fundo está financiando os tubarões credores da dívida pública. É o mesmo que tirar da economia para dar para bancos privados, boa parte internacional, inclusive. O Brasil precisa ter taxa de juros mais competitivas, mais favoráveis a micro e pequenas empresas. É fundamental também fazer investimentos em inovação, que nunca foi tão importante no processo industrial, quanto é nesse momento.


José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

 

 

Obs: a opinião do autor não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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