MNU contesta nova forma de ingresso a cursos de graduação da Universidade Federal de Santa Maria

O Movimento Negro Unificado-MNU, organização pioneira na luta contra o racismo no Brasil, fundado no dia 18 de junho de 1978, desde seu surgimento atua com foco no debate e implementação de ações de combate ao racismo estrutural, subscreve essa nota manifestando a mais profundacontrariedade à Proposta de Resolução que regula as formas de ingresso aos Cursos de Graduação da Universidade Federal de Santa Maria e revoga a Resolução nº 002/2018, considerando os pontos a seguir:

1. Considerando que a referida proposta de resolução argumenta estar em conformidade com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, principalmente no que tange aos objetivos fundamentais da República, previstos em seu capítulo 3º, bem como aos princípios e regras previstos no capítulo destinado à Educação, Cultura e Desporto e às diretrizes para o estabelecimento de políticas e programas que contribuam positivamente para a erradicação das desigualdades sociais e étnico-raciais, com vistas a construir uma sociedade mais equitativa. No entanto, tal argumento não prospera e mostra-se contraditório, uma vez que, um de seus argumentos sustenta que o atual Sistema de acesso aos cursos de graduação, o Sistema de Seleção Unificada- SiSU, enfraquece a Regionalização, ou seja, justifica que o ingresso de estudantes do Rio Grande do Sul e da região de Santa Maria é prejudicado pela vinda de estudantes de “ fora”, como se a UFSM “fosse para os de dentro”.

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Isto demonstra que estamos diante de, por um lado, uma flagrante visão demagógica, reacionária e xenofóbica. Por outro lado, há um ataque à Constituição Federal, no que se refere ao capítulo dos direitos fundamentais das pessoas. Esquecem dessa forma, que a Universidade Federal de Santa Maria encontra-se no contexto de federalização, tanto em seus princípios basilares como no uso do orçamento nacional, sendo assim por ser subsidiada por impostos de todos brasileiros, o correto seria manter seu caráter universal, do contrário teremos uma segregação institucionalizada, seria movimento em desconformidade com o acesso consubstanciado na equidade. Com base nestes princípios, configura-se em atentado aos princípios constitucionais do Brasil.

2. Considerando que a referida proposta de resolução NÃO apresenta dados consolidados em pesquisas, sem explicitar a forma como se dará a construção do diálogo entre escolas e Universidade, num momento de tensões e fragilidades ocasionadas pela Pandemia da Covid-19, em que evidenciou-se as severas desigualdades sociais vivenciadas pela população brasileira, com destaque ao acesso limitado à internet, e atraso nas habilidades digitais e quando pesquisadores como Reimers indicam “o acesso à educação e os índices de matrícula na região podem retroceder dez anos ou mais como resultado da pandemia – com graves consequências para o crescimento econômico, a estabilidade política, os governos democráticos e os esforços da região para reduzir a pobreza e a desigualdade”, o debate que ora fazemos reveste-se da maior crueldade, pois, nós sabemos, que temporariamente as portas das Instituições de Ensino Superior estão fechadas para os/as filhos/as dos trabalhadores. Estudos relatados pelo Unicef Brasil e CENPEC Educação, mostra que o efeitos da pandemia no Brasil podem regredir duas décadas o acesso à educação. A desigualdade já existente ficou ainda mais grave com a pandemia da Covid-19. Com escolas fechadas, falta de acesso à internet e recursos tecnológicos para a continuação das aulas em formatos virtuais, além de fatores estruturais resultaram em graves perdas na aprendizagem dos estudantes brasileiros.

A nossa urgência, enquanto Movimento Negro Unificado é garantir que nossos filhos/as não se desencantem, e continuem em busca do conhecimento, porque somente ele liberta. Ao lado do pós pandemia, nossos/as filhos/as e netos/as enfrentam o processo de implantação do Novo Ensino Médio, mais um subterfúgio para impedir que eles cheguem ao ensino superior, pois estão despidos do “capital cultural” exigido pela escola.

Por outro lado, a minuta aponta como uma das “fraquezas” do pré-ingresso na UFSM, o ensino básico “deficiente”. É histórica a falta de professores de Física, Química ou Matemática e agora, faltam professores para os itinerários escolhidos pelos alunos. Nas escolas públicas do RS, professores são obrigados a ministrar disciplinas para as quais não estão aptos, e os/as estudantes estão cada vez menos preparados para enfrentarem com sucesso o vestibular. Frente a isto questionamos, para quais estudantes a universidade estará aberta com o vestibular? Estamos falando de um processo que, de fato, irá abarcar todas as camadas de classes sociais do Brasil?

3. Destacamos a falta de menção à comunidade externa em relação à proposta. Assim questionamos: Quais sistemas de ensino foram consultados? Quais escolas, grupos, coletivos e representações tiveram acesso a ela? Quais a apoiam? E pensando em Paulo Freire, também queremos saber: esta proposta atende interesses de quem? A favor de quem ela se levanta? E Contra quem? Quem ganha? Quem perde? Ao propor uma mudança substancial como esta, espera-se que os gestores se embasem em estudos profundos. Neste momento, o que é mais urgente? Mudar a forma de ingresso na Universidade ou Efetivar intenso trabalho retomada de aprendizagem, tanto no Ensino Básico, quanto no Universitário?

4. O tema da evasão no Ensino Superior é algo absolutamente complexo. São inúmeros os fatores que levam a desistência ou a troca de cursos durante o período da graduação, tais como: a assistência estudantil, as condições socioeconômicas, o ambiente acadêmico, o racismo, a falta de acolhimento, a homofobia, o machismo, questões diversas de saúde. Tudo isto agravado pela pandemia de COVID-19, leva a imensas dificuldades de manutenção do(a)s estudantes, no curso apropriado para suas formações, diga-se de passagem, isto acontece em todos os níveis da educação brasileira. Porém, segundo os dados divulgados pela própria Pró-reitoria de Graduação da UFSM, esta universidade é mantenedora de índices de evasão menores do que a realidade nacional. Ou seja, culpar o SiSu pela evasão é um pensamento ingênuo. Por outro lado, lembramos que no Relatório Afirme 2014-2015 revela que os temas da retenção e evasão foram tratados, ocasião em que era indicado a necessidade de um Programa de Permanência e Acompanhamento Pedagógico.

Temos conhecimento das ações da Coordenadoria de Ações Educacionais – UFSM (CAED), porém, entendemos que, à medida que a Universidade se propõe a democratizar o acesso, precisa garantir a permanência. Apesar de estarmos há mais de 10 anos com a política de cotas raciais e sociais, a UFSM pouco se deslocou para incluir os saberes dos cotistas que estão chegando.

5. É de conhecimento de grande parte da sociedade, que o acesso ao ensino superior de pessoas quilombolas e indígenas é fruto de uma luta coletiva, sobretudo dos movimentos indígena e negro, é uma verdadeira conquista a qual não pode ser suscitada como possível moeda de troca ou apresentá-la em favorde retrocessos, quando na verdade é um direito desses povos. O que deveria ser debatido de forma ampla seria a necessidade de se ampliar as políticas de ingresso, assim como de permanência da população negra e indígenano âmbito da UFSM. Além de tudo, o contexto em caráter suplementar de vagas ao qual a proposta de apresenta, mostra o quão distante está a mesmada real necessidade desses povos. É preciso avançar no sentido de se constituir um processo de Promoção da Igualdade Racial na UFSM.

Infelizmente, essas comunidades sequer foram chamadas para realizar esse diálogo. Neste sentido, questionamos: Como falar de algo, sem que os sujeitos interessados estivessem presentes? Estaria a Universidade Federal de Santa Maria, reforçando as práticas excludentes e reacionárias as quais não respeitam o direito e a cidadania desses povos? Em nome de quais interesses?

A minuta aponta que o SISU possibilita a troca de curso para lograr êxito rápido, podendo ocorrer uma escolha não vocacionada. É preciso estudos sobre esta afirmativa, em plena crise do capital, em que a educação virou mercadoria e as redes sociais exercem pressão e fascínio sobre as pessoas, em especial os jovens, tem muita gente escolhendo ser influencer digital. Outro ponto interessante, é que ao escolher a futura profissão, alguns jovens analisam o quanto já investiram nos estudos, e em quanto tempo terão o retorno financeiro. O que move a escolha profissional não é a vocação, mas a rapidez com que o estudante poderá investir no seu projeto de vida (compra de carro, casa, fazer dívidas etc.).

6. A minuta busca contemplar demandas para Atletas de Alto Rendimento e Participantes de Competições de Conhecimento: enquanto MNU valorizamos e respeitamos os esforços dos nossos jovens, mas também temos o pleno conhecimento dos caminhos os quais os atletas traçam para alcançar uma medalha, é inevitável trazermos a compreensão dasdesigualdades em âmbito esportivo onde uma margem muito pequena de atletas conseguem apoio e estrutura para chegar a nível medalhista. Nessa perspectiva, estariam os jovens atletas de baixa renda em situação de igualdade, de acordo com a proposta da minuta?

Entendemos que o acesso ao ensino superior deverá manter-se fiel ao objetivos de democratização do acesso e permanência, diminuir desigualdades sociais, sendo assim, tais estudantes poderão sim entrar como cotistas.

Por todo exposto acima, manifestamos sermos contra esta propostae conclamamos os Conselheiros e Conselheiras a fazerem uma reflexão colocando-se do lado, dos povos originários e das comunidades tradicionais de matriz africana, do povo das periferias do Brasil e de todo contexto da multidiversidade brasileira, contra qualquer política de retrocesso e impedimento no ambiente acadêmico!

Viva a Universidade Plural, diversa e pintada de povo!

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