‘Cidade florescente. Elegibo. Cidade reluzente. Elegibo’, Margareth Menezes.
Ficou famoso o discurso de Gilberto Gil quando tomou posse do Ministério da Cultura. Intitulado, O Do-In Antropológico da Cultura, foi fundo – como nunca antes – na associação entre projeto social e cultural para o país. Imagino Gil, hoje. Deve estar feliz.
Maga! Gritaram para Margareth, no Festival Dia de Brasil em Barcelona, um dos mais importantes festivais culturais do Brasil na Europa. Preparando-se pra subir ao palco, passeava entre o público, dizendo, ela, aproveitar que poucos ali a conheciam. Parou para pedidos de fotos, como essa que eu fiz com as representantes da minha escola de samba em Barcelona, chamada Alegria de Barcelona. Logo veio na mesa de livros que eu havia montado em mais de 10 anos ininterruptos de promoção da literatura brasileira naquele festival. Queria livros sobre três temas que mais lhe interessavam, jamais esquecerei.
Margareth Menezes, baiana como Gil, será a cara cultural do novo Governo Lula. Mulher, negra, nordestina, artista e ativista contra todos os racismos. Alegria minha.
Antes de eletrizar o festival com seus hits mais consagrados, Margareth queria ler sobre a política cultural da cidade, Barcelona. Não me surpreendi com seu interesse. Eu já havia aprendido com Gilberto Gil, quando trabalhei em consultorias para o MinC e para a UNESCO, que estavam despontando uma nova vanguarda artística no Brasil: promotores e produtores de uma cultura de ancestralidade, senti imenso orgulho ao saber que havia artistas que assumiam o rumo não somente da sua própria obra e ofício. Havia que assumir interesse e cuidado ativo pelo patrimônio cultural material e imaterial do nosso povo.
O que seria do Brasil sem a África? Mas como foi que isso se deu? Haja história pra contar…
O outro pedido literário de Margareth, sim, me surpreendeu.
Ela queria comprar, em Barcelona, um livro sobre a Bahia.
Por sorte, eu tinha nas mãos um livro que eu havia acabado de ler e adorado muito. Desde Zelia Gattai, Jorge Amado, Gregório de Matos, Maria Luiza Maia, Miria Moraes, Vanessa Brunt e Tatiana Amaral, que eu não lia nada tão intensamente baiano na minha vida. O autor daquele livro extraordinário é o divertidíssimo Franciel Cruz e o seu livro – genial – chama-se Ingresia. E naquela época eu nem sabia ainda da existência de Itamar Vieira Junior.
Mas, Margareth, eu argumentei: com tanta coisa do mundo pra ler, e a baiana vem pra Barcelona buscar a Bahia?
Deu-me resposta maravilhosa, só aumentando a minha histórica admiração.
É que a Bahia não sai de mim, livreiro. Mas não se engane, continuou a grande artista, rematando seu interesse literário e vital: que eu preciso me nutrir, me alimentar, de mais Bahia a cada dia. É como o sol, minha vitamina D. Vitamina B, para ser mais exata. Sorrimos!
Nunca mais me esqueci dessa letra vitamínica, intensamente presente no sorriso da artista.
Eu conheci Margareth em Salvador, nos anos noventa e algo, na Festa da Beleza Negra do Ilê Ayê, numa excursão promovida pelo departamento cultural do meu sindicato, dos bancários de Pernambuco.
Naquela época, se falava muito de Daniela Mercury. E do fato de que, naquele tempo, parecia necessário que uma artista não negra subisse no trio elétrico pra cantar as músicas mais africanas do carnaval da Bahia, pra que dessem mais respeito aos blocos afros de Salvador. Daniela não tinha culpa de nada. O racismo brasileiro sempre foi perverso.
Ontem li sobre Daniela felicitando, com muita sinceridade, a nomeação da sua grande amiga Margareth. Ela, a Mercury, era uma das cogitadas para assumir o posto máximo da cultura brasileira, que Lula oferece à Margareth.
O Brasil não é o país do Isso ou Aquilo, dizia Gil, naquele famoso discurso que mencionei. O Brasil é o país do Isso E Aquilo. Infinita sabedoria, do meu mestre maior, Gilberto.
O terceiro livro que Margareth buscava, era sobre a África.
– Eu sinto a proximidade maior com a África, estando aqui na Espanha, no meu corpo, nos meus sonhos, nas minhas noites, nos meus dias, nas minhas refeições, no meu caminhar… Dizia ela.
Pro meu lamento, e da Maga, entre as centenas de livros, já não havia nenhum sobre a África (como aquele de Pierre Verger), naquele dia. Porque, coincidentemente, este tema não pode faltar em todas as vezes que eu decido sair de casa para, voluntariamente, colocar o meu grão de areia na promoção das culturas brasileiras no exterior. Sem a África não há Bahia. Sem a Bahia não há Brasil.
Até que eu me lembrei de uma produtora cultural chamada Diáspora, que faz anos que promove a diáspora africana também em relação às culturas do nosso Brasil.
Exu sempre acerta. E, naquele dia, salvou-me novamente.
Minha avó, Mãe de Santo, seguirá me protegendo.
Dias atrás, eu acabava de ajudar uma grande amiga, poeta, africana e brasileira, a capoeirista
Dai Sombra Aisha, a editar o seu primeiro livro de poemas artivistas, chamado Manifestar.
A também baiana Ana Bárbara, querida organizadora daquele maravilhoso festival, importantíssimo para nossas vidas em Barcelona, chamava Margareth pra subir ao palco, pois chegava sua hora. Foi um show inesquecivelmente alegre. Que emoção!
Não deu tempo de presenteá-la, à Margareth, com o indispensável livro de Dai.
Faz mal não. Agora que ela é Ministra, Maga não deve ter tempo pra mais nada.
Mas eu não desisto. E Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que só hoje jogou.
Porque eu sou devorador de letras, e não vivo sem livros, como ela, a nova Ministra.
Somos do tipo de pessoas que sempre encontraremos tempo e uma mesa de livros para nutrirmo-nos da melhor Cultura, nos melhores festivais da vida. Nossa Vitamina C.
Muitos Méritos, Ministra. Minha Vitamina M, agora é Maga.
Aquele abraço.
PS. Que Margareth siga sempre reconhecida, nos quatro cantos do mundo. E que a África siga lhe acompanhando, em toda e qualquer caminhada. Viva Gilberto Gil e a literatura baiana! Viva Zélia Gattai. E viva o livro da Dai.
@1flaviocarvalho, @quixotemacunaima, sociólogo e escritor. Barcelona, 10 de dezembro de 2022.