Assessoria de Comunicação do Cimi.- Nesta semana, entre os dias 19 e 23 de setembro, lideranças indígenas da Terra Indígena (TI) Karipuna, em Rondônia, estão em Brasília para fazer um apelo aos órgãos públicos brasileiros e a outros países. Os indígenas pedem proteção ao povo e ao território Karipuna, amplamente invadido por grileiros e madeireiros.
Participam da delegação presente na capital federal treze indígenas. Além das lideranças Karipuna, também participam da mobilização em Brasília indígenas dos povos Piripkura e Uru-Eu-Wau-Wau, que vivem com os Karipuna na aldeia Panorama, no interior da TI.
A extrema gravidade da situação coloca em risco a sobrevivência do próprio povo e motivou a presença de anciões e sobreviventes do contato que, na década de 1970, quase dizimou os Karipuna. Com uma população reduzida, ameaçada e cercada por invasores, o risco de genocídio é, para este povo, uma ameaça concreta e imediata.
Ao Estado brasileiro, os indígenas cobram a desintrusão e proteção do território e de suas vidas. Além disso, reivindicam também a garantia de seus direitos, em especial o acesso à educação e à saúde, que se encontram em completo abandono. Os indígenas também aproveitarão a presença em Brasília para fazer denúncias e pedir apoio aos órgãos de proteção de direitos humanos, como a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e o Ministério Público Federal (MPF).
Aos outros países, os indígenas fazem um apelo para que não estabeleçam relações comerciais que envolvam produtos oriundos da invasão de seu território, a exemplo da extração de madeira e da criação de gado. Também, que intervenham junto ao Estado brasileiro para que este proteja a TI Karipuna, cuja situação é agravada pela negligência do governo federal.
“Não estamos gostando do que está acontecendo no território. A Funai, que deveria proteger, não faz seu trabalho. Pelo contrário, está contra nós, com a política deste governo que tem apoiado e incentivado os invasores. E o que será do nosso futuro, do nosso território?” questiona Katika, anciã Karipuna e uma das sobreviventes do desastroso contato que quase dizimou seu povo.
“Estamos cercados por invasores. Eles se sentem donos do nosso território, nós não aceitamos isso. Quando tira os grileiros de um lado, eles vão para o outro, derrubar nossas castanheiras, destruir nossa floresta, deixando só pasto e boi”, conta Aripã Karipuna, ancião do povo e também sobrevivente do contato.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Greenpeace Brasil e a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) acompanham a delegação nas agendas na capital federal.
Histórico
Quase dizimado por doenças transmitidas durante o contato protagonizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na década de 1970, o povo Karipuna é hoje composto por apenas 60 pessoas, que não têm liberdade de circular pelo próprio território devido à ampla presença de invasores.
Há pelo menos cinco anos, o povo Karipuna vem denunciando o aumento sistemático e contínuo das invasões e a prática de loteamento em seu território – ou seja, a apropriação e a divisão da terra indígena em lotes, ilegalmente comercializados.
Segundo o Prodes, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que monitora o desmatamento, a TI Karipuna foi a nona terra indígena mais desmatada entre 2015 e 2021, período em que 4.754 hectares de floresta foram devastados no território.
Apesar de ações pontuais de fiscalização, as invasões seguem avançando e se intensificaram no último ano, com a abertura de ramais e estradas, a construção de pontes clandestinas, a abertura de pastagens e o estabelecimento ilegal de plantios.
Além disso, as ameaças aos indígenas também têm se repetido. Em 2021, uma ponte de acesso à aldeia Panorama chegou a ser destruída pelos invasores, como forma de intimidação contra as lideranças. Em novembro de 2021, invasores chegaram a bloquear a estrada de acesso à TI, inviabilizando o transporte de uma equipe de saúde indígena.
Isolados
Também há registro da presença de indígenas em isolamento voluntário no interior da TI Karipuna, sem qualquer providência da Funai para confirmar estes registros e garantir a proteção deste grupo isolado – possível sobrevivente do contato realizado há cinco décadas.
Recentemente, os Karipuna avistaram indígenas isolados nas proximidades da aldeia Panorama, onde vive a comunidade. Em agosto de 2021, lideranças já haviam encontrado vestígios dos isolados na região do rio Formoso, no interior da TI.
Há intensa presença de invasores nesta região do território. Na ocasião, os Karipuna enviaram um documento à Funai pedindo providências, mas não obtiveram resposta.
“Não aceitamos os invasores. A destruição do território está acontecendo, e está acontecendo neste momento”, afirma a anciã Katika Karipuna. “A preocupação é maior ainda com os parentes isolados”.
Ações judiciais
O povo Karipuna têm cobrado incessantemente o Estado brasileiro para que garanta a proteção do seu território. As cobranças têm sido feitas por meio de audiências, reuniões e documentos remetidos diretamente aos órgãos responsáveis, mas também de ações judiciais e denúncias a instâncias e organismos internacionais.
Recentemente, a Justiça Federal de Rondônia determinou que a União, a Funai, o Ibama e o estado de Rondônia implantem um plano continuado de ações de proteção territorial da TI Karipuna. A decisão foi obtida no âmbito de uma Ação Civil Pública movida pelo MPF de Rondônia, e confirma a decisão liminar proferida anteriormente.
Em maio de 2021, os Karipuna também ingressaram com uma ação na Justiça Federal do estado, cobrando a proteção e fiscalização da TI Karipuna, a retirada dos invasores e indenização pelos danos ambientais causados no território pela ação de grileiros e madeireiros.
Além disso, os indígenas também pediram que o estado de Rondônia seja obrigado a cancelar todos os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) incidentes sobre a TI Karipuna e a proibir novos registros que se sobreponham à terra indígena.
Uma análise do Greenpeace Brasil e do Cimi identificou, em 2021, pelo menos 31 cadastros particulares sobrepostos total ou parcialmente à TI Karipuna. Eles foram registrados entre 2015 e 2019 e cobrem um total de 2,6 mil dos 153 mil hectares da terra indígena.
Os pedidos feitos pelo povo Karipuna ainda não foram atendidos pela Justiça Federal e a ação ainda aguarda sentença.
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